O Golpe no Paraguai e a necessária Reforma Política

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Muito se tem falado – principalmente por parte de pessoas que se a firmam como de esquerda, pois a maioria das pessoas, inclusive porque as que declaradamente ou não estão no campo da direita (partidária ou não), pelo menos no Brasil, têm se mostrado indiferentes – sobre o que ocorreu no Paraguai recentemente, classificando o episódio como Golpe de Estado ou até Golpe Militar.

Certa razão possui quem diz ou dar a entender que pouco importa o conceito, por se tratar de um Golpe, mas penso diferente. A classificação o quanto mais precisa, inclusive do ponto de vista conceitual, importa sim (e muito) para identificarmos o que está a ocorrer em nosso país-vizinho.

No caso, trata-se de um novo tipo de manobra, que, em termos de precedentes históricos nas Américas, talvez só tenha paralelo com o que ocorreu em Honduras, em 2009, quando o então Presidente (re)eleito, Manuel Zelaya, foi destituído do cargo por uma decisão da Suprema Corte (órgão de cúpula do judiciário) daquele país. Já no Paraguai, a decisão que destituiu o Presidente (legítimo) Fernando Lugo foi decorrente de um julgamento político realizado pelo Senado do país.

A questão é mais complexa do que se imagina, pois, em ambos os casos acima citados, o Golpe se deu de uma forma bem mais sutil do que o tipo, digamos, tradicional (com uso da força, armas etc), velho conhecido do povo Latino-Americano. Agora não, ao invés de armas tem-se usado a ‘canetada’ e o voto de alguns poucos “iluminados”; ao invés de militares, quem dirige o processo são juízes (no caso de Honduras) ou parlamentares (no caso do Paraguai).

Alguém pode dizer em defesa do ocorrido que está tudo correto, pois tudo foi feito dentro da lei, por instituições constitucionalmente autorizadas para tomar esse ou aquele tipo de decisão etc. E esse tem sido um discurso reproduzido por quase toda a grande mídia, inclusive no Brasil.

No caso do Paraguai a sutileza foi ainda maior do que no caso de Honduras, pois o Congresso Nacional certamente tem ainda mais legitimidade para realizar julgamentos políticos que o Judiciário, pois sua composição é feita mediante processo eleitoral, com voto popular.

Ocorre que, cabe questionar, quando o governante, num regime Presidencialista, de fato representa a maioria da população, teria o Parlamento legitimidade suficiente para, contrariando a maioria do povo, destituir o chefe do executivo do cargo para o qual foi democraticamente eleito, antes de findo o período do Mandato (geralmente de 4 anos) ?

Eis um exemplo concreto de um evidente conflito entre os conceitos de legitimidade formal (via regra identificado com a legalidade, prevista abstratamente) e legitimidade material ou substantiva [identificado mais com a validade real/concreta de um fato ou regra (ainda que abstrata), que nem sempre se identifica com sua dimensão formal (quando existir)]. E o que tem essa “viagem” a ver com o assunto ?, alguém poderia questionar; simplesmente tudo a veré a resposta!

O que houve no Paraguai foi um julgamento político, certo ? Certo. Realizado por órgão do Congresso Nacional (Senado) Constitucionalmente autorizado para tomar esse tipo de decisão (via processo de Impeachment), certo ? Certo. Então a decisão que destituiu Fernando Lugo do cargo de Presidente é legítima, certo ? Não necessariamente! Como assim ? Como assim que a vontade popular – de onde se origina todo o fundamento de existência dos poderes (constituídos) das instituições do chamado Estado Democrático de Direito – é a maior possuidora de Legitimidade Material/Substantiva. Sendo assim, se o Parlamento representa (pelo menos em tese) o povo, nada mais natural (e necessário) que as decisões tomadas pelo mesmo atendam a vontade da maioria da população.

Daí, podemos constatar a existência de uma grande falha no sistema político, pois permite que pessoas detentoras de mandato de representação parlamentar decidam pelo povo (detentor originário de todo o poder). Essa situação se torna ainda mais grave quando aquele(a)s que deveriam representar o povo acabam assumindo posturas que colidem com a vontade daquele(a)s a quem deveriam representar (o povo).

Para corrigir essa e outras graves distorções existentes no sistema político, não só do Paraguai, faz-se necessário (e urgente, tendo em vista as graves consequências) ampla articulação e mobilização popular, desde as bases (de baixo pra cima), a fim de elaborar, encaminhar e buscar concretizar uma ampla e profunda Reforma no Sistema Político que seja capaz de criar ou fortalecer, principalmente, mecanismos de democracia direta e participativa.

Voltando mais uma vez ao ocorrido no Paraguai, pois está em evidência, uma solução institucional indispensável para o caso é exigência de realização de referendo popular como requisito necessário à validação de decisões em processos de impeachment. Além disso, o povo deve ter assegurado o direito de convocar plebiscitos e referendos ou propor veto popular para leis ou obras públicas (por exemplo). Tais possibilidades não estão previstas nem mesmo na Constituição Federal do Brasil.

Enfim, são muitas as graves distorções que existem no sistema político que contribuem para que o modelo de ‘democracia representativa’ atualmente vigente na maioria dos países e quiçá do mundo inteiro esteja numa profunda crise; e essa crise é fundamentalmente uma crise de legitimidade (no sentido material/substantivo do termo).

Para não ficar apenas na discussão teórica, informo (para quem ainda não sabe) ou reforço (para quem já sabe ou ouviu falar) que no Brasil existe uma proposta, construída por diversos Movimentos e Organizações Sociais, articulado(a)s nacionalmente, denominadaPlataforma dos Movimentos Sociais para a Reforma do Sistema Político no Brasil, que, inclusive, está com uma Campanha de coleta de assinaturas para apresentação de uma Iniciativa Popular de Lei ao Congresso Nacional (em parceria com o MCCE, idealizador da conhecida “Lei da Ficha Limpa”), a qual trata sobre vários pontos muito importantes em direção da implementação de uma ampla e profunda Reforma Política. Para maiores informações recomendo acessar o sítio eletrônico www.reformapolítica.org.br.

Caso fiquemos de braços cruzados, esperando por uma providência satisfatória vinda da maioria dos ocupantes de cargos eletivos, muito provavelmente nada de positivo a respeito do assunto ora em comento ocorrerá; mesmo porque a maioria dessas pessoas foram eleitas, (in)justamente, por se beneficiarem dos muitos vícios do atual sistema político corrompido.

Por fim, penso, por tudo que escrevi até aqui, concluo que, com o devido respeito, o Presidente (deposto) do Paraguai não está no caminho mais acertado, pois tem centrado sua reação na adoção de medidas meramente formais, como recursos judiciais (os quais têm pouquíssima chance de êxito, sobretudo por se tratar de uma questão essencialmente política) e articulação de apoios internacional por parte de outros países (que apesar de importante, tem muitas limitações decorrentes, principalmente, de protocolos diplomáticos). O mais importante a ser feito, sem prejuízo das providências formais cabíveis, penso, é investir grandes esforços na realização de ampla articulação/mobilização popular, principalmente do povo paraguaio, para fazer pressão junto ao Congresso Nacional a fim de conquistar a convocação imediata de um Referendo ou mesmo da antecipação das eleições (previstas para abril de 2013) e, em ato contínuo, a realização de uma Assembléia Nacional Constituinte (se for o caso), com a finalidade de adequar o ordenamento jurídico daquele país aos anseios da maioria do povo do Paraguai. A las calles, compañero(as)!

 

Arnaldo Fernandes, advogado e militante social.

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