As propostas em tramitação discutem ideias recorrentes entre os parlamentares. Tratam desde o fim da reeleição para os cargos de presidente, governador e prefeito até a redução do mandato dos senadores de oito para quatro anos. Os projetos encontram barreiras entre congressistas da base aliada e da oposição, independentemente daqueles que estiverem no governo. No atual mandato, o Executivo foi autor de algumas iniciativas. Mas o pouco que se mudou teve um estímulo casuístico: tratou das eleições do próximo ano.
O estudo concluído em abril mostra uma série de propostas de emenda à Constituição (PECs) para instituir a fidelidade partidária, que, na falta de votação dos parlamentares, acabou se tornando regra por deliberação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Há quem deseje explicitar a norma pela qual o mandato pertence ao partido e não ao candidato. Discute-se também a mudança no sistema proporcional de votação, que elege os deputados federais. Existem propostas para instituir o sistema de lista fechada ou o voto distrital misto (leia quadro). Em 2007, os parlamentares chegaram a votar uma proposta pela qual os parlamentares seriam escolhidos a partir de listas elaboradas pelos partidos. Mas a tese foi rejeitada.
Outro ponto já aprovado foi a cláusula de barreira, destinada a impedir o funcionamento parlamentar dos partidos nanicos. A Justiça, porém, suspendeu a norma que entraria em vigor em 2006. Diante do obstáculo, alguns querem votar projeto reduzindo de 5% previsto na regra original para 2% o percentual de votação necessário para o partido ter plenos direitos no Congresso, como participar de comissões.
Caixa dois
O financiamento das campanhas também voltou a ser defendido diante de recentes escândalos em que o caixa dois eleitoral retornou à cena. Na visão de alguns políticos e especialistas, deveria ser adotado o financiamento exclusivamente público, segundo o qual o governo destinaria uma verba proporcional ao eleitorado para custear as campanhas. Há também a ideia de se proibir apenas as doações de empresas e permitir pessoas físicas de destinar recursos a seus candidatos.
O deputado federal Flávio Dino (PCdoB), que relatou a minirreforma eleitoral deste ano, argumenta que não são falta de competência ou boa vontade os motivos que impedem os parlamentares de votarem as mudanças estruturais. Para ele, não há consenso sobre muitos dos temas discutidos. “É preciso considerar que não decidir aqui é uma decisão. Então, o que às vezes parece descaso é fruto de uma maioria política”, justifica.
Na visão do parlamentar, pontos como o voto distrital e o financiamento público de campanha não são aceitos por muitos na Casa e falta consenso até mesmo na sociedade. “Combato essa crítica que setores acadêmicos fazem no sentido de uma criminalização do Parlamento. Não existe um momento mágico em que vamos sentar ao redor da mesa e fazer a reforma política salvadora. Nenhum país do mundo fez isso e não vai ser o Brasil que vai fazer”, defende.
Dino diz que a reforma tem sido feita aos poucos, em mudanças como a instituição do cadastro único dos eleitores, a votação das leis dos partidos e das eleições e a norma que proibiu os showmícios. Para ele, o Congresso também contribuiu na votação da lei de autoria popular que pune a compra de votos e ao votar o orçamento que destinou recursos para o TSE introduzir as urnas eletrônicas.
Discussão sem fim
Entenda os principais pontos da reforma política debatidos há anos pelo Congresso
Lista fechada
Sistema em que o eleitor vota no partido e não mais individualmente nos candidatos. Caberia às legendas definir quem vai assumir o mandato de acordo com listas ordenadas por elas previamente. A distribuição das cadeiras seria semelhante ao método atual, pela proporção dos votos que o partido obtém no pleito.
Voto distrital misto
A votação seria feita pelo método de lista fechada para metade das cadeiras. A outra metade seria selecionada pelo sistema de voto distrital. Estados e municípios são divididos em distritos e cada um deles tem direito a lançar um candidato por partido. Nesse caso, o eleitor votaria no indivíduo.
Financiamento público
As campanhas eleitorais seriam financiadas exclusivamente com dinheiro público. Ficariam proibidas as doações de pessoas físicas e empresas. Conforme a proposta, em ano eleitoral seria incluída verba adicional no Orçamento para cobrir as despesas, com valores equivalentes ao eleitorado do país. Para se chegar ao valor, seria preciso multiplicar o número de eleitores por R$ 7, tendo como referência o eleitorado existente em 31 de dezembro do ano anterior ao pleito.
Federações partidárias
Seria o fim das coligações exclusivamente com fins eleitorais. Os partidos com afinidade ideológica programática teriam de se unir para formar federações partidárias formalizadas e atuar de forma conjunta no Congresso Nacional. As agremiações deveriam ser formadas até quatro meses antes das eleições e durar três anos.
Redução da cláusula de barreira
Se estivesse em vigor, a cláusula de barreira exigiria a obtenção de 5% dos votos apurados para permitir o funcionamento parlamentar de um partido (com direito a liderança e participação em comissões). A proposta em tramitação reduz esse percentual para 2% dos votos apurados nacionalmente, excluídos os brancos e nulos, distribuídos em pelo menos nove estados.
Fidelidade partidária
Assunto já deliberado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), é tema de uma proposta que cria aos parlamentares uma janela para a mudança de partido. No terceiro ano de mandato, o congressista poderia trocar de legenda sem perder o mandato. Seriam vedadas mudanças no restante do mandato.
Fim da reeleição
Acaba com a possibilidade de prefeitos, governadores e presidente tentarem a reeleição. Aumenta também o tempo do mandato de chefes do Executivo de quatro para cinco anos.
Fonte : site da Câmara dos Deputados e cientistas políticos
Sem perspectiva de votação
O corporativismo é, na visão do cientista político Rubens Figueiredo, da Universidade de São Paulo, um dos principais entraves à reforma política. “É difícil mudar um sistema que beneficia aqueles que fazem parte dele. Os deputados e senadores são eleitos pelas regras atuais e qualquer coisa diferente disso representa para eles um risco de tiro no escuro”, analisa. “Então esta reforma só sai se algum presidente efetivamente se empenhar e tiver vontade política para fazer com que o Congresso vote.” Para o estudioso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve a oportunidade de fazer isso.
Na avaliação de Rubens Figueiredo, o sistema político brasileiro enfraquece os partidos por ter as campanhas mais focadas nos indivíduos do que nas legendas partidárias. O sistema proporcional também não aproxima os representantes dos cidadãos pelo fato de eles não serem eleitos pelos distritos. Ele defende a adoção do sistema de financiamento público, com punições rígidas para os que cometerem irregularidades. “A lei de financiamento também é hipócrita porque os valores declarados não têm nada a ver com preços praticados no mercado”, analisa.
Outros avanços, para o estudioso, seriam a obrigatoriedade de os eleitos votarem no Parlamento de acordo com os programas dos respectivos partidos e a restrição dos programas partidários de televisão. Para ele, é preciso despersonalizar as mensagens. Já o ficha-limpa pode ser, na visão do cientista político, um risco. “Acho exagerado impedir o candidato condenado em primeira instância, pois vemos muitas sentenças estapafúrdias”, justifica. “Acho que é preciso aperfeiçoar o sistema e o partido inviabilizar os que tiverem condenações transitadas em julgado.”
Para o cientista político Carlos Ranulfo Félix de Melo, nem com uma taxa de renovação do Congresso de 50% é possível aprovar as mudanças. “Tem de ter uma costura, conseguir maioria, e as opiniões são diferentes. Nenhum governo quis encarar essa discussão porque é difícil, divide internamente a base de governo e os próprios partidos.”
Segundo o professor, o sistema político do Brasil não é ruim, mas tem dois grandes problemas: a adoção da lista aberta e a forma de financiamento de campanha, que, para ele, favorecem a corrupção. Carlos Ranulfo defende a lista fechada (em que os eleitores votam na legenda) ou a flexível, pela qual se vota na lista mas a decisão do eleitor no indivíduo pode alterar a ordem definida pelos partidos. A proibição do financiamento de empresas também seria, para Ranulfo, um avanço. “As campanhas são muito caras e em função desse preço é que se abre uma das portas da corrupção. Os candidatos precisam arrumar dinheiro e costumamos ver recursos desviados e prática de caixa dois”, explica.
O deputado federal Flávio Dino (PCdoB-MA) acredita que o projeto de proibição aos fichas- sujas, apresentado este ano com mais de 1,3 milhão de assinaturas populares, será o próximo passo da reforma. “O modo brasileiro de fazer a reforma política é dando passos, e o próximo acho que será a discussão da lei da inelegibilidades, incluindo a questão da ficha-limpa. Acho que esse é um passo possível”, avalia. (JC)