O que está em jogo nos diferentes projetos da reforma política?

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capaz de fazer com que a roda ande, isso é, que criando uma maioria significativa na sociedade se possa pressionar o parlamento para a aprovação de uma reforma que não fique apenas nas questões eleitorais ou que se vote uma reforma para se manter as coisas como estão.”

 

A Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político surgiu em 2004 por causa de um profundo desconforto e indignação com os rumos do debate sobre a reforma política e, principalmente, com as formas de se fazer e pensar a política no Brasil. Ela reúne movimentos sociais, organizações, redes e articulações da sociedade civil, e esta estruturada em cinco grandes eixos: fortalecimento da democracia direta; fortalecimento da democracia participativa/deliberativa; aperfeiçoamento da democracia representativa; democratização da informação e da comunicação e transparência; e democratização do poder judiciário. Para conhecer todas as propostas da plataforma basta acessar www.reformapolitica.org.br.

Desde o seu início a Plataforma se contrapôs a idéia majoritária, presente nos partidos, no parlamento, na mídia e na academia, de que reforma política é igual reforma do sistema eleitoral, portanto algo que se diz respeito somente a questão da representação. A Plataforma avança e formula o conceito de reforma do sistema político, que coloca no centro do debate a questão do poder, suas formas de exercício, em nome de quem se exerce, seus mecanismos de controle e, principalmente, quem tem o poder de exercer o poder no Brasil.

Numa sociedade que se estrutura em cima das desigualdades, o poder é espelho dessa desigualdade. Não é a toa que as mulheres, população negra e indígena, homoafetivos, pessoas com deficiências, população rural, jovens e os pobres, só para citar alguns e algumas, estão subrepresentados nos espaços de poder.

Outro aspecto que a plataforma coloca para o debate é a necessidade de se enfrentar questão da privatização da vida pública e política através do financiamento da política, que leva a concepção do uso privado dos bens públicos, do patrimonialismo, do personalismo, do clientelismo e da corrupção. Em outras palavras, acaba tendo poder político quem tem poder financeiro e econômico. E as campanhas eleitorais, com raras e honrosas exceções, estão aí para comprovar. Todas estas questões são estruturadas a partir do cinco grandes eixos mencionados acima.

Se no início do trabalho da Plataforma este conceito de reforma política era amplamente minoritário, hoje consegue ter repercussão por outras vozes que não apenas da Plataforma.

Para isso, a Plataforma sempre atuou em duas frentes: o debate permanente com a sociedade (site, organização de debates, produção de materiais, programas de rádio, intervenção na mídia, etc); e o diálogo, muitas vezes tensionado, com a institucionalidade (parlamento, partidos, executivo, estruturas do Estado, etc). Isso gerou as condições para uma estratégia ousada, desenvolvida juntamente com o Movimento de Combate a Corrupção Eleitoral (MCCE), que é de apresentar uma proposta de reforma do sistema político via Iniciativa Popular. É uma ousadia, não apenas pelo número necessário de assinaturas, mais de um milhão e meio, mas pela complexidade do tema. Vale ressaltar que as outras duas iniciativas defendidas pelo MCCE – uma contra a compra de votos e, a outra, a lei do Ficha Limpa – foram ações importantes e fundamentais, mais pontuais e com forte apelo popular e da mídia.

O tema da reforma política não se reduz a poucas propostas, e sim a um conjunto de propostas capazes de gerar outras mudanças, principalmente na nossa cultura política. A reforma do sistema político, todos/as concordam que é necessária, mas não se tem ainda uma maioria significativa na sociedade e nas forças políticas do conteúdo dessa reforma. Isso dificulta e muito, não o debate, mas a aprovação no parlamento, sem contar com os interesses não muito legítimos presentes em muitas forças políticas que para manter o seu poder querem que tudo fique igual ou que se mude para não mudar nada.

Neste sentido que a Iniciativa Popular para a reforma do sistema político pode ser uma força externa ao mundo partidário e institucional capaz de fazer com que a roda ande, isso é, que criando uma maioria significativa na sociedade se possa pressionar o parlamento para a aprovação de uma reforma que não fique apenas nas questões eleitorais ou que se vote uma reforma para se manter as coisas como estão.

No debate de construção da Iniciativa Popular nos deparamos com duas questões estratégicas fundamentais: a) como apresentar uma proposta de Iniciativa popular sobre um tema tão complexo, portanto sem soluções mágicas, pontuais ou simples, que não fosse uma lista enormes de desejos, mas ao mesmo tempo que reflita esta complexidade, seja simples, direta e pedagogicamente de fácil entendimento pelo conjunto da sociedade? b) como não simplificar tanto a ponto de passar a falsa idéia que estamos propondo uma reforma do sistema político, mas que na verdade não estamos propondo alterações periféricas no poder?

Dos cinco grandes eixos a iniciativa popular irá apresentar propostas no eixo da democracia direta e representativa. No que diz respeito à democracia participativa (aquela configurada nos conselho, conferências, ouvidorias, etc) foi avaliado que não precisamos de novas leis e sim do cumprimento das existentes tornando estes espaços realmente espaços institucionalizados de partilha de poder, assim como experimentar outros mecanismos e formatos participativos para só depois propor mudanças legais. Portanto, a interlocução é com o executivo e não com o legislativo. No eixo da democratização da informação e da comunicação e democratização do poder judiciário, precisamos fomentar mais o debate na sociedade para só depois elaborar propostas de iniciativa popular.

Principais propostas de mudança para a Iniciativa Popular

Democracia direta

A constituição de 1988 criou três instrumentos de democracia direta: plebiscito, referendo e iniciativa popular. Tanto a Constituição como a lei de 1998 que regulamentou estes instrumentos limitaram muito o seu uso. No que se refere ao plebiscito e referendo, jogaram essas ferramentas de ação de democracia direta para dentro da lógica da democracia representativa, tanto é que apenas o Congresso pode convocá-los e só os partidos têm acesso às campanhas públicas. Além disso, a lei não define quais são os temas que obrigatoriamente são necessários para os instrumentos plebiscitos e referendos. A lei precisa definir isso para não ficar refém do jogo político do parlamento e ao mesmo tempo acabar com um problema sério na nossa representação, que é o poder de decidir sobre tudo sem a necessidade de consultar a população. Precisamos dar um limite à representação, dizendo claramente o que não delegamos que se decida. Outra questão é quem tem o poder de convocar plebiscitos e referendos. Hoje apenas o Congresso pode, propomos que a população possa convocá-los por Iniciativa Popular.

No que diz respeito à Iniciativa Popular é necessário uma simplificação e ampliação dos seus poderes. Hoje é necessário um milhão e meio de assinaturas, ter o número do título de eleitor, nome da mãe e só é aceito uma forma de coleta de assinaturas: por papel. Depois de tudo isso, ao chegar no parlamento, a Iniciativa Popular tem o mesmo andamento que qualquer outro projeto apresentado. Propomos além de um tipo próprio para as Iniciativas Populares, inclusive com prazo de tramitação, que se aceite outros documentos e se possa coletar assinaturas por meio de urnas eletrônicas e internet. Sobre o numero de assinaturas, defendemos que seja o mesmo numero necessário para se formar um partido político – hoje em torno de 490 mil assinaturas. Atualmente são necessários três partidos políticos para se apresentar uma Iniciativa Popular que pode ficar anos no parlamento para ser votada. Defendemos, também, que se possa apresentar Iniciativa Popular para Propostas de Emendas Constitucionais (PEC).

Como podemos perceber, são propostas simples, de fácil compreensão, mas mexem na lógica do exercício do poder, não ficando a democracia refém da representação, mas complementada pela participação direta da população não apenas nos momentos eleitorais.

Democracia representativa

A lógica que trabalhamos neste eixo é como tornar as disputas eleitorais mais transparentes, com mais objetivos de defesa de programas e projetos e menos apelos e estratégias de marketing. A finalidade é ter eleições mais equitativas tanto do ponto de vista do seu financiamento quanto em relação à inclusão de grupos tradicionalmente excluídos dos espaços de poder. Outro ponto crucial é o enfrentamento dos desmandos da representação, seja na corrupção ou no abuso de poder.

A proposta trata de pontos como: a) fim das votações secretas nos legislativos; b) imunidade parlamentar; c) fim dos 14º e 15º salários para os parlamentares; d) entendimento do decoro parlamentar como ato praticado ao longo do tempo e não apenas no período de mandato; e) defesa do recesso parlamentar de um mês – como os demais trabalhadores; f) fim do foro privilegiado, exceto nos casos em que a apuração refere-se ao estrito exercício do mandato ou do cargo; g) implantação da fidelidade partidária programática; e h) criação de espaços institucionais na justiça eleitoral, com participação da sociedade, tendo a possibilidade de fiscalização do processo eleitoral.

No que se refere à organização da escolha e do financiamento dos processos eleitorais, defendemos o financiamento democrático e a lista transparente. Hoje temos um sistema de financiamento que mistura recursos públicos e privados, o que gera corrupção e defesa dos interesses de quem “pagou” a conta. Isso se junta a uma forma de elaboração de listas pelos partidos onde o/a eleitor/a não sabe quem o seu voto vai eleger. Essa combinação de fatores é que gera a crise permanente da representação, isso é, nem saímos do processo eleitoral e a população não se sente representada em quem elegeu. Tudo isso associado ao fato de que não temos nenhum mecanismo de revogação dessa representação. Esse é o “caldo” da deslegitimação da representação, que gera a apatia e, portanto, o não controle social da representação.

O financiamento público exclusivo e a organização de lista transparente com alternância de sexo e respeito a critérios étnicos e raciais é a melhor proposta para mudar esta realidade. O financiamento público exclusivo, quem deve financiar a política é o recurso público e não o privado, isso possibilita uma igualdade maior nas disputas eleitorais, diminuindo o peso do poder econômico. Além disso, possibilita a inclusão dos subrepresentados mencionados acima, que em boa parte estão nessas condições por não ter “quem pague a conta”. A lista pré ordenada definida de forma democrática e transparente pelos partidos ( tem que ter normas para este fator e punição para quem não cumprir) tende a fortalecer o processo eleitoral como momento de debate sobre propostas e não de personalidades como é hoje. Com a lista, cada eleitor/a saberá em quem votou podendo cobrar diretamente ao contrário de como funciona hoje que o cidadão não sabe quem elegeu com o seu voto.

Mas precisamos pensar punição para quem descumprir essas regras e não pode ser punições brandas como são hoje. O não respeito a essas normas pode ocasionar desde o cancelamento ou suspensão temporária de registro do partido e do repasse do fundo partidário; da não diplomação ou cassação dos eleitos pelo partido infrator ( de toda a lista) e, no caso dos doadores, da proibição de estabelecer qualquer relação financeira/comercial com a união, estados e municípios e suas empresas, sejam estatais ou de economia mista e autarquias. No caso de pessoa jurídica – empresas – ter a responsabilização da pessoa jurídica e não apenas dos seus dirigentes.

As propostas apresentadas acima têm aceitação dos partidos e do parlamento? Ainda é cedo para afirmar qualquer coisa em relação à isso. Pelos debates que se teve, tanto na comissão do Senado Federal quanto da Câmara dos Deputados, ambas formadas para discutir o tema, se tem uma compreensão que é necessário ir além do sistema eleitoral. Que é preciso simplificar a Iniciativa Popular, mas não passa disso. Pensar em instrumentos que limitem o poder da representação, isso é visto como quase um golpe para a maioria dos parlamentares. No que se refere ao sistema eleitoral, as preocupações estão mais voltadas a questão do financiamento. Corremos o risco, se não tiver pressão popular, de reformar para manter tudo igual: as mesmas práticas políticas, os mesmos grupos, as mesmas famílias, os mesmos, os mesmos, os mesmos.

O mesmo desconforto e indignação que gerou a Plataforma em 2004 deve ter toda a sociedade com esta possibilidade de reforma política que o parlamento quer aprovar. A Iniciativa Popular é um instrumento poderoso e oportuno para dar um basta nesta forma de se pensar e fazer política, onde os interesses pessoais e de grupos de interesses estão acima do bem da sociedade e da nação Brasileira.

 

Fonte: Revista Caros Amigos

José Antonio Moroni é filósofo, membro do colegiado de gestão do Instituto de Estudos Socieconômicos (INESC) e da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema político.

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