As organizações que compõem o Grupo de Referência (GR) da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político estiveram reunidas em Brasília, entre 16 e 18 de março. Cumprindo os protocolos sanitários, o encontro presencial reuniu representantes de 14 organizações, com o objetivo de fazer um balanço das ações e da conjuntura atual, já projetando estratégias para 2022 e para o fortalecimento da Plataforma.
Para Valdecir Nascimento, da Articulação das Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), o momento “foi importante pelo reencontro e pelo sentimento de estarmos vivos e vivas”, em meio a uma pandemia que já vitimou mais de 600 mil pessoas no Brasil. Segundo ela, a reunião permitiu avançar em alguns debates estruturantes e traçar os possíveis cenários para este ano, “que sabemos que não será fácil, mas conseguimos ter uma dimensão do que pode ocorrer no futuro e quais tarefas temos, enquanto movimento social”, complementou Valdecir.
Durante a análise de conjuntura, foi reforçada a importância da rede de afetos e parceria entre as organizações da Plataforma. As previsões apontam para um cenário de violência durante o processo eleitoral deste ano e que atingirá, sobretudo, as populações e segmentos mais vulnerabilizados. “A expectativa, também, é do agravamento da difícil condição de vida dessas pessoas, afetadas pela política socioeconômica em curso e que atinge diretamente os corpos negros e indígenas, as mulheres, pessoas LGBTQIA+, de favelas e comunidades tradicionais”, afirma Alex Hercog, do coletivo Intervozes.
No primeiro dia de evento, houve uma apresentação do andamento do projeto financiado pela União Europeia e executado pela Plataforma. Em linhas gerais, o balanço foi positivo, com boa parte das ações e metas já cumpridas. O projeto ainda prevê para esse ano a realização de uma campanha em defesa da Democracia, além do Encontro Nacional da Plataforma, prevista para a primeira quinzena de agosto. De acordo com José Moroni, membro do colegiado de gestão do INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos, o projeto tem sido importante para fortalecer a articulação e diálogo dentro da Plataforma, com grupos de diferentes regiões do país. “O desafio desse ano será a sistematização da versão 3 da Plataforma, com um conteúdo e estratégia para pensarmos um novo sistema político, além de fazer um grande encontro nacional para pensarmos os próximos passos”, destacou Moroni.
Em outro momento, foram discutidos os encaminhamentos do último encontro temático realizado pela Plataforma no final de 2021 e que debateu “Racismo, Opressão de Gênero e Religião”. Para aprofundar as discussões sobre este tema, as participantes do evento propuseram a realização de um debate sobre “branquitude”, que acontecerá virtualmente entre os dias 16 e 18 de maio.
De acordo com Giselle dos Anjos Santos (Fórum Permanente pela Igualdade Racial – FOPIR) é preciso aprofundar esse debate sobre as relações raciais no Brasil. “Ao compreender o aspecto estrutural do racismo, devemos ir além da reflexão sobre os grupos diretamente afetados, como os povos indígenas e a população negra, precisamos discutir a branquitude, enquanto lógica que perpetua o poder e o privilégio de pessoas brancas”, afirmou Giselle.
Outra atividade encaminhada será a realização de um encontro temático no Pará, previsto para 17 e 18 de junho, no quilombo do Abacatal, em Ananindeua. O objetivo será debater as questões estruturantes que envolvem o racismo e os fundamentalismos religiosos. “Vamos discutir como a (falta de) laicidade do Estado e a intolerância religiosa afetam a vida das populações”, afirmou Marquinho Mota, do FAOR – Fórum da Amazônia Oriental.
Organicidade e Versão 3 da Plataforma
Durante o encontro, houve o debate sobre a organicidade da Plataforma, avaliando os espaços de participação e os acordos sistematizados no documento de Organicidade. As discussões seguiram no caminho de garantir a transparência aos processos internos, estimular a participação das organizações filiadas e construir espaços de decisão de forma horizontal e democrática.
De acordo com Romi Bencke (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs – CONIC) esta reunião do GR foi a que conseguiu refletir de forma mais efetiva sobre a organicidade. “Ela não quer ser algo que nos amarra ou limita, mas que garanta espaços amplos e plurais de participação. Que consiga assumir como centralidade na mudança das relações de poder na política a luta antirracista, o anti-capitalismo, anti-patriarcado, e anti-fundamentalismo”, destacou.
Também foi apresentada a metodologia de elaboração da versão 3 da Plataforma, realizada por Tábata Tesser (FICAS), responsável pela sistematização. A expectativa é que o documento final traga um resumo das discussões e as principais propostas apresentadas pela Plataforma durante os debates realizados nos últimos anos.
De acordo com Luciano Caparroz (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral – MCCE), espera-se que a versão 3 seja uma referência do que foi pensado e debatido pela Plataforma, “que possa servir de guia para a construção coletiva da democracia e do sistema de governo que queremos, que garanta a inclusão e participação de grupos minorizados, em toda sua diversidade”.
Quero Me Ver no Poder e Defesa da Democracia
Durante o encontro, as organizações avaliaram a campanha Quero Me Ver no Poder, lançada em 2020 e que será reeditada neste ano. O objetivo da campanha é discutir a subrepresentação nos espaços de poder e buscar incidir com o fortalecimento de candidaturas subrepresentadas. A campanha será relançada em abril e buscará ampliar a articulação de parcerias com outras iniciativas semelhantes.
Já a campanha em defesa da democracia terá como mote a necessidade de construção de outro sistema político. “O objetivo é dialogar, principalmente, com as pessoas que estão sendo fortemente impactadas com a quebra do que tínhamos de democracia brasileira. Nesse sentido, é preciso falar da necessidade de um outro sistema político, já que este que temos é pensado para não estimular a democracia e manter o poder de quem já está com o poder”, afirmou Carmen Silva, do Instituto SOS Corpo.
Segundo Athayde Motta (Abong), as campanhas serão estratégicas, diante da atual conjuntura. “Em relação a Quero Me Ver No Poder, ela tem o papel de apoiar o surgimento de novas lideranças e influenciar os partidos a darem maior abertura para pessoas que estão fora das estruturas de poder”. Já em relação à campanha em defesa da democracia, Athayde destaca que ela cumpre o papel de fazer um debate civilizatório, diante dos ataques da extrema-direita e que põe em jogo o próprio futuro da democracia no Brasil.
As campanhas serão realizadas neste ano, mas a compreensão é de que as contribuições da Plataforma não se limitem ao processo eleitoral de 2022. Além disso, a proposta é de que a Plataforma busque ampliar sua rede de articulação com outras iniciativas do movimento social, visando fortalecer ações que compartilhem o mesmo objetivo de construir uma sociedade democrática, com outra perspectiva de sistema político.
Além das organizações citadas, também estiveram representadas durante o encontro do GR a Articulação Nacional de Negras Jovens Feministas (ANJF), Central de Movimentos Populares (CMP), Coletivo Revolucionário de Libertação (Cordel), Rede Afro LGBT, Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES) e Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro Brasileiro (CENARAB).