Sociedade civil repudia o cancelamento da visita do Especialista Independente da ONU ao Brasil

Um dos objetivos da visita era avaliar os primeiros impactos da Emenda Constitucional 95 (‘teto dos gastos’), que congela investimentos públicos por 20 anos e completou um ano de vigência.

Recente estudo produzido pelo Inesc, Oxfam Brasil e CESR – Center for economic and social rights, intitulado “Direitos Humanos em tempos de austeridade”, alerta para indícios de como a Emenda Constitucional 95 (´teto dos gastos´) já apresenta impactos negativos em políticas de combate à fome, de atendimento a mulheres vítimas de violência e no programa Farmácia Popular, por exemplo.

Leia a íntegra da nota:

NOTA PÚBLICA: Sociedade civil brasileira repudia o cancelamento da visita ao Brasil do Especialista Independente da ONU para dívida externa, finanças e direitos humanos pelo governo brasileiro

A sociedade civil brasileira abaixo assinada expressa sua profunda consternação e insatisfação com a decisão do governo brasileiro de cancelar, no último minuto, a visita oficial ao Brasil do Especialista Independente da ONU sobre dívida externa, finanças e direitos humanos, Sr. Juan Pablo Bohoslavsky, agendada há quase um ano e planejada para ocorrer nos próximos dias. O motivo alegado de troca de ministro dos Direitos Humanos para o cancelamento é pouco verossímil. Uma coalizão de 60 organizações e movimentos sociais tem trabalhado há meses para mobilizar as partes interessadas locais e preparar informações em primeira mão para contribuir com essa missão.

As medidas de austeridade têm afetado severamente o usufruto dos direitos humanos no Brasil. Promulgada no final de 2016, a Emenda Constitucional nº. 95 congelou por 20 anos as despesas com políticas públicas, sendo chamada de “pacote de austeridade mais severo do mundo” pelo Relator Especial da ONU sobre pobreza extrema e direitos humanos. Esta alteração aprofunda a concentração de renda no país e exacerba as restrições ao financiamento dos direitos sociais.  Verificou-se[1], entre 2015 e 2017:

a) O corte de 70% do financiamento de programas de aquisição de alimentos e de segurança alimentar e nutricional, que foram essenciais para saída do Brasil do Mapa da Fome, resultou em redução de 83% de agricultores familiares beneficiários, em especial aqueles em regiões mais pobres do norte do país. Além de deixar milhares de pessoas em situação de insegurança alimentar.

b) O corte de 55% do financiamento de políticas para as mulheres, resultando em redução de 15% da rede de serviços especializados para vítimas de violência de gênero.

c) Encolhimento da dotação orçamentária federal de 17% para a saúde e 19% para a educação.

d) A taxa de desemprego permanece elevada, em 12,2% em janeiro de 2018, atingindo 12,7 milhões de pessoas; sendo que em 2014, antes da adoção de medidas de austeridade, estava em seu nível mais baixo, 6,4%.

Neste contexto, é primordial o material que o Sr. Juan Pablo Bohoslavsky está desenvolvendo sobre “princípios orientadores para avaliar os impactos nos direitos humanos das políticas de reforma econômica”. As visitas aos países que implementam essas políticas são uma ferramenta-chave disponível ao Especialista para avaliar esses impactos sobre a vida dos povos. Essa era a razão fundamental para a visita ao Brasil nesse momento: conhecer o cenário brasileiro, emitir recomendações e fortalecer a elaboração dos princípios.

Em resposta aos problemas sociais causados pela política de austeridade, o governo brasileiro tem orientado sua política para o aumento do Estado penal, aumento do encarceramento em massa, criminalização das populações pobres e negras e dos movimentos sociais, o que se agrava neste momento com a intervenção federal militar no Estado do Rio de Janeiro.

As ações do governo também estão alinhadas a interesses privatistas e eleitorais, que nesta conjuntura, pela inexistência de diálogo, comprometem a democracia. Diante disto, tememos que o cancelamento desta visita possa ser apenas outro exemplo das medidas autoritárias impostas pelo governo, que não consideram os efeitos colaterais nefastos para os direitos humanos, em especial neste cenário de violações.

Demandamos ao governo brasileiro, em respeito aos mecanismos de proteção internacional, que reconsidere sua decisão de adiar a visita e garanta a vinda do especialista independente da ONU o mais rápido possível.

Finalmente, chamamos a atenção para uma série de Ações Diretas de Inconstitucionalidade tramitando atualmente perante o Supremo Tribunal Federal questionando a constitucionalidade da EC 95[2]. Estamos confiantes de que serão julgados considerando o que dita o Direito Internacional dos Direitos Humanos, incluindo os princípios de proibição do retrocesso social e de não discriminação.

 

Brasília, 02 de março de 2018.

 

Plataforma Dhesca

Coalizão anti austeridade e pela revogação da EC95

Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC

Conectas Direitos Humanos

Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social

Ação Educativa, Assessoria, Pesquisa e Informação

Geledés – Instituto da Mulher Negra

Terra de Direitos

Justiça Global

Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários do Brasil – UNISOL Brasil

Associação Brasileira de Saúde Mental – ABRASME

Campanha Nacional pelo Direito à Educação

Associação Brasileira de Economia da Saúde – ABRES

Brigadas Populares

Comissão Pastoral da Terra

Rede de Cooperação Amazônica – RCA

Instituto de Pesquisa e Formação Indígena – Iepé

Plataforma Política Social

Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil – CONIC

Centro Brasileiro de Estudos em Saúde – CEBES

Dom da Terra Afro LGBTI

Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua

FIAN Brasil

Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza

 

CFEMEA


Conselho Indigenista Missionário – CIMI

 

Movimento dos Atingidos e Atingidas por Barragem (MAB)

Deixe um comentário

dezesseis − 15 =