Conselhos e Conferências: quem participa e como chegam nesses espaços?

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Ana Claudia Chaves Teixeira
Clóvis Henrique Leite de Souza
Paula Pompeu Fiuza de Lima#
Se olharmos para o conjunto dos conselhos nacionais, encontraremos em torno de 2.800 vagas disponíveis para a sociedade civil e 2.700 vagas disponíveis para pessoas dos governos (federal, estaduais ou municipais). São mais de 5 mil e quinhentos participantes no total. Nas conferências nacionais estima-se que participaram entre 2003 e 2010 cerca de 5 milhões de pessoas. Mas como todo este contingente de pessoas chega a ocupar os conselhos nacionais? E qual é o percurso para se chegar às conferências nacionais?
É importante lembrar que tanto nos conselhos quanto nas conferências há o suposto de que exista uma representação, ou seja, as pessoas que ocupam este lugar não estariam falando em seu próprio nome, mas falariam em nome de setores ou segmentos sociais, com seus interesses e perspectivas diferenciadas.
Neste artigo queremos destacar, primeiro, a multiplicidade de composições e de representações nestes dois espaços. Segundo, destacamos que, ao invés de encontrarmos neles predominantemente setores ou segmentos sub-representados politicamente – como era de se esperar levando em conta as demandas dos movimentos sociais na criação de canais de interlocução com o Estado -, o que encontramos foi a presença forte de muitos outros segmentos (como os empresários) a depender do tipo de conselho. Quais os significados destas distintas representações? Sobre isso trataremos daqui em diante. #
Como é a composição dos conselhos e conferências? Que segmentos estão representados? Há variações importantes dependendo do tipo de conselho?
No caso dos conselhos, boa parte dos espaços é paritária, ou seja, possui metade de conselheiros da sociedade civil e a outra metade de conselheiros governamentais. Mas isso é a média, há conselhos como o de saúde em que os representantes do governo são minoria, ou o de Meio Ambiente em que os conselheiros da sociedade civil são minoria.
Esta proporção é boa ou ruim? O que ela implica? Ela deveria ser diferente? Esta proporção indica o grau de distribuição de poder dentro do espaço do conselho. Em conselhos onde a maioria é feita de setores de governo a tendência é que a minoria da sociedade civil tenha dificuldades de fazer valer suas opiniões, e o espaço funcione mais como uma forma de articulação entre os próprios setores de governo (que nem sempre têm a mesma opinião).
No que se refere às conferências, em geral se destinam muito mais vagas para a sociedade civil do que para os governos. Entre aquelas conferências em que foi possível descobrir a composição, em média, são 70% de vagas para sociedade civil e 30% para os governos.
Algumas conferências sugerem em seus regimentos que as delegações governamentais sejam compostas por representantes dos três poderes. Mas o mais comum é os representantes do Executivo participarem mais. Se imaginarmos que muitas das propostas formuladas dependem do Legislativo e também do Judiciário para a implementação, é possível dizer que o envolvimento desses poderes é baixo.
No caso da representação da sociedade nas conferências, a distribuição de vagas é específica em cada espaço, a depender dos segmentos reconhecidos naquela área temática. De maneira geral, são cinco categorias presentes: usuários, trabalhadores, movimentos sociais, empresários e sindicatos. Além desses, podem estar presentes prestadores de serviço ou concessionários de serviços públicos, ONGs, entidades profissionais, acadêmicas e de pesquisa. A depender da forma como está organizada a sociedade naquela área temática, varia a quantidade de vagas destinadas a cada segmento.
De maneira geral, o que se verifica na representação da sociedade civil nos conselhos é a presença significativa dos movimentos sociais, mas não predominante em todos os conselhos. Pudemos notar que de acordo com os objetivos dos conselhos, mais representantes de um ou outro tipo de organização se fazem presentes. Em conselhos de fundos, como o FGTS ou do Fundo de Amparo ao Trabalhador, a presença maior é de confederações empresariais, bem como de sindicatos.
Em conselhos com forte atribuição de assessoria técnica, como a Comissão Técnica de Biossegurança, prevalecem organizações ligadas à pesquisa e a grupos empresariais. A presença de organizações ligadas à pesquisa nesse tipo de conselho parece óbvia, visto que o objetivo do espaço é dar subsídios técnicos às decisões do órgão. Contudo, é intrigante perceber que os empresários, que a princípio não seriam detentores de um saber técnico, têm presença significativa nesses espaços.
Quando os conselhos têm como atribuição fomentar a participação e defender direitos é que os movimentos sociais estão mais presentes. O que podemos perceber é que há maior participação de movimentos sociais em espaços que tradicionalmente já são “ocupados” por movimentos sociais. É importante eles estarem lá, mas o que mais chama atenção é que em outros conselhos, de fundos ou com perfil mais técnico, eles praticamente não estejam presentes, e predominem “velhos” atores, ligados aos empresários ou aos tradicionais detentores de “saber”. Podemos concluir que de fato há pequena garantia da presença de múltiplas vozes no debate, em especial pela ausência de grupos comumente excluídos dos espaços decisórios.
A desigualdade permanece ou ela foi alterada nestes espaços? Os espaços estão abertos a novos sujeitos?
Se observarmos a proporção de homens e mulheres no total de conselhos veremos que quase 60% são homens. Esta proporção é melhor do que o do Congresso Nacional, que só possui 8% de mulheres, mas é óbvio que ainda há uma grande desigualdade. Infelizmente não obtivemos dados sobre a raça ou etnia dos participantes para aferir se a desigualdade neste caso permanece.
Sobre as conferências, é possível perceber que para garantir a presença de certos públicos na etapa nacional, algumas conferências estabeleceram cotas para a composição das delegações a serem eleitas nas etapas estaduais. Entre as conferências, ⅓ apresentou alguma ação para garantir a inclusão de sujeitos marginalizados do sistema político nesses processos participativos. Os critérios utilizados foram gênero (em 7 conferências), idade (em 4 conferências), raça, cor ou etnia (em 5 conferências), condição socioeconômica (nas conferências de segurança alimentar). Embora a destinação de vagas oportunize que beneficiários de políticas se vejam como sujeitos de direitos e com a inclusão no processo participativo possam reivindicar seus direitos e apresentar suas perspectivas das questões em pauta, é importante ponderar que a ação inclusiva aconteceu mais em conferências que de alguma forma lidam com questões do cotidiano dessas pessoas. Isso pode indicar uma tendência à escuta de demandas de beneficiários das políticas e não à inclusão de sujeitos marginalizados dos espaços de formulação de políticas públicas a fim de questionar os consensos formados nas diferentes áreas.
Por fim, vale uma reflexão sobre o desafio da inclusão de representantes “denominados” nacionais em detrimento das representações locais. Os conselhos não possuem nenhuma vinculação de representação que vai do local para o nacional. Em alguns espaços, representantes de conselhos subnacionais são chamados a participar, mas esses casos são exceção e não a regra.# Comumente, se estabelece que as organizações devam ser de abrangência nacional, atuando em um número mínimo de estados da federação para serem habilitadas a falar no espaço participativo nacional.
O fato de somente organizações de abrangência nacional poder participar dificulta o acesso de organizações que tem a atuação restrita a certos estados ou que trabalham em municípios menores. Ainda assim, decisões dos conselhos nacionais em muitas situações afetam as dinâmicas locais de formulação de políticas públicas. Vemos que ao mesmo tempo em que os regimentos internos dos conselhos restringem a inserção de determinados atores mais ligados às dinâmicas regionais e locais, os conselhos são imbuídos do poder de interferir nas dinâmicas locais. Considerando que as políticas públicas são, de fato, concretizadas no âmbito local, e que por isso, é nesse âmbito que se encontram os representados das políticas, a restrição de os representantes possuírem abrangência nacional é um entrave a maior aproximação entre representante e representado.
Somente nas conferências é que podemos notar a participação mais ativa dos atores locais. Em geral, as etapas preparatórias das conferências correspondem aos níveis da federação (73% das conferências foram realizadas em estados e municípios) e, sendo um processo escalonado, as conferências municipais são seguidas de etapas estaduais e posteriormente de uma nacional. As conferências que não realizaram etapas municipais e estaduais tiveram nas etapas regionais a preparação para a nacional. Ainda na dimensão geográfica, outra modalidade de etapa preparatória existente foi a conferência intermunicipal que facilitou a mobilização e a discussão de base territorial.
Como se chega nestes espaços? Há eleições, de que forma?
Nos conselhos, há pouca eleição para a escolha de representantes. Isso não deixa de ser surpreendente. Em um terço dos casos, as vagas são ocupadas por organizações já previamente mencionadas nos atos normativos do conselho e em outro um terço por indicação feita pelo ministro ou por uma comissão.
Somente em 21% dos conselhos mapeados há eleições para a escolha de representantes. O uso de eleições seria o método mais inclusivo dentre os existentes, pois permite tanto que as organizações autonomamente escolham quem vai falar por elas quanto possibilita que novas entidades se insiram nos espaços de partilha de poder, por mais que a participação em um espaço por um novo ator seja sempre mais difícil do que por um ator que já está inserido no debate. Os conselhos de direitos são os que, proporcionalmente, mais utilizam esse tipo de método de escolha de representante.
As conferências, por sua vez, são constituídas por etapas concatenadas. Nesse caso, a sociedade se envolve na escolha dos representantes. A princípio, os representantes das conferências são eleitos em espaços abertos a toda a população. Contudo, observando o conjunto de conferências, percebe-se que há nas etapas nacionais três tipos de representantes com direito a voz e voto. Além dos representantes eleitos em etapas preparatórias, existem também os natos e os indicados. Os representantes natos são aqueles que integram a comissão organizadora da conferência ou o respectivo conselho nacional.
Os representantes indicados são aquelas organizações consideradas relevantes para o debate, à semelhança do que ocorre nos conselhos. Esta modalidade de representação esteve presente em 42% das conferências. Nestes casos, as organizações não foram eleitas em etapas preparatórias, mas sim indicadas pela comissão organizadora, da mesma forma como acontece nos conselhos nacionais. A representação por indicação pode ser uma maneira de garantir a presença de um público que, sem esse estímulo, não participaria desse fórum de discussão. Cabe apenas se perguntar se a ausência ocorreria por incapacidade de articulação para a eleição nas etapas preparatórias ou por desinteresse com a conferência, pois em alguns casos organizações de abrangência nacional podem ter acesso a outros foros em que a mesma pauta se coloca.
Nesse caso, o que parece acontecer é que organizações já reconhecidas como importantes não necessitam se articular com aqueles que dizem representar. Afinal, é na capilaridade dos municípios que se encontram os representados, os afetados pelas políticas que ajudam a formular. Se essas organizações conseguem estar presentes nos conselhos, espaços mais restritos e permanentes, sem a necessidade de consultar os representados, por que precisariam fazê-lo na conferência? Há, nesse caso, a legitimação por parte do governo e das organizações que fazem parte dos espaços participativos da representação sem vinculação com as bases.
Cabe, então, repensarmos o funcionamento de conselhos e conferências para que esses espaços possam, de fato, contribuir com a inclusão de grupos historicamente excluídos e também para que haja um processo representativo mais consistente. Ou seja, pelo que se observa em conselhos e conferências é necessário rever critérios de escolha de representantes, além de implementar instrumentos que qualifiquem o exercício da representação. Afinal, a representação é inerente a processos participativos em grande escala. Desta forma, para se evitar vícios já observados em outros espaços políticos, é fundamental a revisão constante de práticas, evitando a cristalização de desigualdades de acesso ao processo político.
Saiba Mais:
Veja aqui o relatório de pesquisa com mais informações sobre a representação em conselhos e conferências
Ana Claudia Chaves Teixeira
Clóvis Henrique Leite de Souza
Paula Pompeu Fiuza de Lima*
Se olharmos para o conjunto dos conselhos nacionais, encontraremos em torno de 2.800 vagas disponíveis para a sociedade civil e 2.700 vagas disponíveis para pessoas dos governos (federal, estaduais ou municipais). São mais de 5 mil e quinhentos participantes no total. Nas conferências nacionais estima-se que participaram entre 2003 e 2010 cerca de 5 milhões de pessoas. Mas como todo este contingente de pessoas chega a ocupar os conselhos nacionais? E qual é o percurso para se chegar às conferências nacionais? É importante lembrar que tanto nos conselhos quanto nas conferências há o suposto de que exista uma representação, ou seja, as pessoas que ocupam este lugar não estariam falando em seu próprio nome, mas falariam em nome de setores ou segmentos sociais, com seus interesses e perspectivas diferenciadas.
Neste artigo queremos destacar, primeiro, a multiplicidade de composições e de representações nestes dois espaços. Segundo, destacamos que, ao invés de encontrarmos neles predominantemente setores ou segmentos sub-representados politicamente – como era de se esperar levando em conta as demandas dos movimentos sociais na criação de canais de interlocução com o Estado -, o que encontramos foi a presença forte de muitos outros segmentos (como os empresários) a depender do tipo de conselho. Quais os significados destas distintas representações? Sobre isso trataremos daqui em diante**.
Como é a composição dos conselhos e conferências? Que segmentos estão representados? Há variações importantes dependendo do tipo de conselho?
No caso dos conselhos, boa parte dos espaços é paritária, ou seja, possui metade de conselheiros da sociedade civil e a outra metade de conselheiros governamentais. Mas isso é a média, há conselhos como o de saúde em que os representantes do governo são minoria, ou o de Meio Ambiente em que os conselheiros da sociedade civil são minoria.
Esta proporção é boa ou ruim? O que ela implica? Ela deveria ser diferente? Esta proporção indica o grau de distribuição de poder dentro do espaço do conselho. Em conselhos onde a maioria é feita de setores de governo a tendência é que a minoria da sociedade civil tenha dificuldades de fazer valer suas opiniões, e o espaço funcione mais como uma forma de articulação entre os próprios setores de governo (que nem sempre têm a mesma opinião).
No que se refere às conferências, em geral se destinam muito mais vagas para a sociedade civil do que para os governos. Entre aquelas conferências em que foi possível descobrir a composição, em média, são 70% de vagas para sociedade civil e 30% para os governos. Algumas conferências sugerem em seus regimentos que as delegações governamentais sejam compostas por representantes dos três poderes. Mas o mais comum é os representantes do Executivo participarem mais. Se imaginarmos que muitas das propostas formuladas dependem do Legislativo e também do Judiciário para a implementação, é possível dizer que o envolvimento desses poderes é baixo.
No caso da representação da sociedade nas conferências, a distribuição de vagas é específica em cada espaço, a depender dos segmentos reconhecidos naquela área temática. De maneira geral, são cinco categorias presentes: usuários, trabalhadores, movimentos sociais, empresários e sindicatos. Além desses, podem estar presentes prestadores de serviço ou concessionários de serviços públicos, ONGs, entidades profissionais, acadêmicas e de pesquisa. A depender da forma como está organizada a sociedade naquela área temática, varia a quantidade de vagas destinadas a cada segmento.
De maneira geral, o que se verifica na representação da sociedade civil nos conselhos é a presença significativa dos movimentos sociais, mas não predominante em todos os conselhos. Pudemos notar que de acordo com os objetivos dos conselhos, mais representantes de um ou outro tipo de organização se fazem presentes. Em conselhos de fundos, como o FGTS ou do Fundo de Amparo ao Trabalhador, a presença maior é de confederações empresariais, bem como de sindicatos.
Em conselhos com forte atribuição de assessoria técnica, como a Comissão Técnica de Biossegurança, prevalecem organizações ligadas à pesquisa e a grupos empresariais. A presença de organizações ligadas à pesquisa nesse tipo de conselho parece óbvia, visto que o objetivo do espaço é dar subsídios técnicos às decisões do órgão. Contudo, é intrigante perceber que os empresários, que a princípio não seriam detentores de um saber técnico, têm presença significativa nesses espaços.
Quando os conselhos têm como atribuição fomentar a participação e defender direitos é que os movimentos sociais estão mais presentes. O que podemos perceber é que há maior participação de movimentos sociais em espaços que tradicionalmente já são “ocupados” por movimentos sociais. É importante eles estarem lá, mas o que mais chama atenção é que em outros conselhos, de fundos ou com perfil mais técnico, eles praticamente não estejam presentes, e predominem “velhos” atores, ligados aos empresários ou aos tradicionais detentores de “saber”. Podemos concluir que de fato há pequena garantia da presença de múltiplas vozes no debate, em especial pela ausência de grupos comumente excluídos dos espaços decisórios.
A desigualdade permanece ou ela foi alterada nestes espaços? Os espaços estão abertos a novos sujeitos?
Se observarmos a proporção de homens e mulheres no total de conselhos veremos que quase 60% são homens. Esta proporção é melhor do que o do Congresso Nacional, que só possui 8% de mulheres, mas é óbvio que ainda há uma grande desigualdade. Infelizmente não obtivemos dados sobre a raça ou etnia dos participantes para aferir se a desigualdade neste caso permanece.
Sobre as conferências, é possível perceber que para garantir a presença de certos públicos na etapa nacional, algumas conferências estabeleceram cotas para a composição das delegações a serem eleitas nas etapas estaduais. Entre as conferências, ⅓ apresentou alguma ação para garantir a inclusão de sujeitos marginalizados do sistema político nesses processos participativos. Os critérios utilizados foram gênero (em 7 conferências), idade (em 4 conferências), raça, cor ou etnia (em 5 conferências), condição socioeconômica (nas conferências de segurança alimentar). Embora a destinação de vagas oportunize que beneficiários de políticas se vejam como sujeitos de direitos e com a inclusão no processo participativo possam reivindicar seus direitos e apresentar suas perspectivas das questões em pauta, é importante ponderar que a ação inclusiva aconteceu mais em conferências que de alguma forma lidam com questões do cotidiano dessas pessoas. Isso pode indicar uma tendência à escuta de demandas de beneficiários das políticas e não à inclusão de sujeitos marginalizados dos espaços de formulação de políticas públicas a fim de questionar os consensos formados nas diferentes áreas.
Por fim, vale uma reflexão sobre o desafio da inclusão de representantes “denominados” nacionais em detrimento das representações locais. Os conselhos não possuem nenhuma vinculação de representação que vai do local para o nacional. Em alguns espaços, representantes de conselhos subnacionais são chamados a participar, mas esses casos são exceção e não a regra.*** Comumente, se estabelece que as organizações devam ser de abrangência nacional, atuando em um número mínimo de estados da federação para serem habilitadas a falar no espaço participativo nacional.
O fato de somente organizações de abrangência nacional poder participar dificulta o acesso de organizações que tem a atuação restrita a certos estados ou que trabalham em municípios menores. Ainda assim, decisões dos conselhos nacionais em muitas situações afetam as dinâmicas locais de formulação de políticas públicas. Vemos que ao mesmo tempo em que os regimentos internos dos conselhos restringem a inserção de determinados atores mais ligados às dinâmicas regionais e locais, os conselhos são imbuídos do poder de interferir nas dinâmicas locais. Considerando que as políticas públicas são, de fato, concretizadas no âmbito local, e que por isso, é nesse âmbito que se encontram os representados das políticas, a restrição de os representantes possuírem abrangência nacional é um entrave a maior aproximação entre representante e representado.
Somente nas conferências é que podemos notar a participação mais ativa dos atores locais. Em geral, as etapas preparatórias das conferências correspondem aos níveis da federação (73% das conferências foram realizadas em estados e municípios) e, sendo um processo escalonado, as conferências municipais são seguidas de etapas estaduais e posteriormente de uma nacional. As conferências que não realizaram etapas municipais e estaduais tiveram nas etapas regionais a preparação para a nacional. Ainda na dimensão geográfica, outra modalidade de etapa preparatória existente foi a conferência intermunicipal que facilitou a mobilização e a discussão de base territorial.
Como se chega nestes espaços? Há eleições, de que forma?
Nos conselhos, há pouca eleição para a escolha de representantes. Isso não deixa de ser surpreendente. Em um terço dos casos, as vagas são ocupadas por organizações já previamente mencionadas nos atos normativos do conselho e em outro um terço por indicação feita pelo ministro ou por uma comissão.
Somente em 21% dos conselhos mapeados há eleições para a escolha de representantes. O uso de eleições seria o método mais inclusivo dentre os existentes, pois permite tanto que as organizações autonomamente escolham quem vai falar por elas quanto possibilita que novas entidades se insiram nos espaços de partilha de poder, por mais que a participação em um espaço por um novo ator seja sempre mais difícil do que por um ator que já está inserido no debate. Os conselhos de direitos são os que, proporcionalmente, mais utilizam esse tipo de método de escolha de representante.
As conferências, por sua vez, são constituídas por etapas concatenadas. Nesse caso, a sociedade se envolve na escolha dos representantes. A princípio, os representantes das conferências são eleitos em espaços abertos a toda a população. Contudo, observando o conjunto de conferências, percebe-se que há nas etapas nacionais três tipos de representantes com direito a voz e voto. Além dos representantes eleitos em etapas preparatórias, existem também os natos e os indicados. Os representantes natos são aqueles que integram a comissão organizadora da conferência ou o respectivo conselho nacional.
Os representantes indicados são aquelas organizações consideradas relevantes para o debate, à semelhança do que ocorre nos conselhos. Esta modalidade de representação esteve presente em 42% das conferências. Nestes casos, as organizações não foram eleitas em etapas preparatórias, mas sim indicadas pela comissão organizadora, da mesma forma como acontece nos conselhos nacionais. A representação por indicação pode ser uma maneira de garantir a presença de um público que, sem esse estímulo, não participaria desse fórum de discussão. Cabe apenas se perguntar se a ausência ocorreria por incapacidade de articulação para a eleição nas etapas preparatórias ou por desinteresse com a conferência, pois em alguns casos organizações de abrangência nacional podem ter acesso a outros foros em que a mesma pauta se coloca.
Nesse caso, o que parece acontecer é que organizações já reconhecidas como importantes não necessitam se articular com aqueles que dizem representar. Afinal, é na capilaridade dos municípios que se encontram os representados, os afetados pelas políticas que ajudam a formular. Se essas organizações conseguem estar presentes nos conselhos, espaços mais restritos e permanentes, sem a necessidade de consultar os representados, por que precisariam fazê-lo na conferência? Há, nesse caso, a legitimação por parte do governo e das organizações que fazem parte dos espaços participativos da representação sem vinculação com as bases.
Cabe, então, repensarmos o funcionamento de conselhos e conferências para que esses espaços possam, de fato, contribuir com a inclusão de grupos historicamente excluídos e também para que haja um processo representativo mais consistente. Ou seja, pelo que se observa em conselhos e conferências é necessário rever critérios de escolha de representantes, além de implementar instrumentos que qualifiquem o exercício da representação. Afinal, a representação é inerente a processos participativos em grande escala. Desta forma, para se evitar vícios já observados em outros espaços políticos, é fundamental a revisão constante de práticas, evitando a cristalização de desigualdades de acesso ao processo político.
Saiba Mais:
Veja nos links abaixo o relatório de pesquisa com mais informações sobre a representação em conselhos e conferências:
http://www.polis.org.br/uploads/1262/1262.pdf
http://www.inesc.org.br/biblioteca/publicacoes/livros/2012/relatorio-final-arquitetura-da-participacao-no-brasil-avancos-e-desafios
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*Este artigo foi elaborado de forma totalmente compartilhada. Os nomes dos autores estão em ordem alfabética, o que não representa qualquer diferença de contribuição.
**Este artigo é fruto da pesquisa “Arquitetura da Participação” realizada por INESC e Pólis, entre 2010 e 2011.
***Os conselhos que incluem a participação de espaços participativos subnacionais são: Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas e Conselho Nacional de Recursos Hídricos.

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