A reforma política é essencial para as mulheres

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A despeito do elevado número de candidatas mulheres, o de eleitas não aumenta de forma relevante. Nosso sistema eleitoral – proporcional com listas abertas –, casado com o fato de que os gastos de campanha no Brasil são dos mais altos do mundo, cria uma configuração política que desfavorece as mulheres.

Em agosto, durante o 8º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), fui desafiada a participar de aposta sobre o resultado do desempenho eleitoral feminino nas eleições municipais deste ano. A proposta partiu de um colega na apresentação de trabalho no Fórum Gênero, Democracia e Direitos Humanos. Em resposta às minhas previsões negativas quanto a um crescimento significativo no número de eleitas, ele contrapôs cálculos baseados em análises estatísticas. Com o aumento significante de candidaturas femininas, não teríamos nada abaixo de 18% de vereadoras eleitas em 2012. Nada mais apropriado, já que é normal haver uma correlação entre candidaturas e número de eleitos. Mas não no Brasil.

Nestas eleições, as candidaturas femininas ao legislativo municipal ultrapassaram a média de 30% estabelecida pela lei de cotas: alcançaram 32%. Do total de eleitos,  porém, apenas 13,3% são mulheres. Ou seja, em comparação com o percentual de candidatas, houve um aumento pouco expressivo no número de eleitas. Visto de uma perspectiva histórica, as coisas ficam ainda piores, já que em 2008 o número de eleitas foi de 12,5%, para um percentual de candidatas de 21,5%. Ou seja, o desempenho das mulheres nestas eleições foi pior que naquelas.

Em minha apresentação na ABCP, analisei a questão tomando por base os dados de financiamento eleitoral de pleitos proporcionais anteriores, nos quais fica evidenciada a desvantagem marcante da arrecadação feminina. Assim, a despeito do elevado número de candidaturas femininas, argumentei que o percentual de mulheres eleitas não aumentaria de forma significante. A explicação é simples: nosso sistema eleitoral – proporcional com listas abertas –, casado com o fato de que, como dito alhures, os gastos de campanha no Brasil são dos mais altos do mundo, cria uma configuração política que desfavorece as mulheres.

Esse sistema faz com que as eleições sejam, em última instância, uma disputa entre candidatos. As cadeiras conquistadas por partidos ou coligações são proporcionais ao total de votos que estes obtêm nas urnas, mas os candidatos eleitos são aqueles com o maior número de votos individualmente dentro de cada legenda ou coligação. Isso, além de encarecer as campanhas, torna o pleito uma disputa desigual entre candidatos.

A individualização das campanhas compromete a igualdade política particularmente no caso do Brasil, onde cada candidato pode aportar recursos financeiros excessivos para sua campanha, pois inexiste um teto real estabelecido pela lei eleitoral. Isso traz dificuldades àqueles com quantias inferiores e, invariavelmente, prejudica as mulheres, por terem menor capital político e menor participação em redes que favorecem o acesso a recursos de campanha.

Contrariando a norma mundial, o Brasil elege mais mulheres em cargos majoritários que em proporcionais, o que, novamente, evidencia o peso do financiamento eleitoral. Para servir de exemplo, 16% de nossos senadores são mulheres, enquanto na Câmara dos Deputados elas ocupam apenas 8,8% das cadeiras. Nestas eleições, a média de candidaturas femininas ao executivo municipal foi de 13,4%, e o percentual de eleitas, 12%.

Em cadeiras majoritárias, a disputa se dá no nível partidário, e não individual. Pouco importa se o candidato é homem ou mulher, pois a disputa é pela vaga (ou por poucas vagas). Uma vez selecionada por um partido ou coligação, a candidata terá tanto apoio político e financeiro de campanha quanto se o candidato fosse um homem.

Outro aparente contrassenso em nosso caso diz respeito à magnitude do distrito. O debate acadêmico mundial indica haver uma tendência para que mais mulheres e membros de grupos minoritários sejam eleitos em distritos maiores. A explicação é que a existência de um número superior de vagas nesses distritos faria com que a disputa por candidaturas fosse mais amena. Haveria também uma tendência dos partidos a buscar compor suas listas com candidatos de diferentes setores da população, tendo em vista atrair votos desses segmentos. O contrário aconteceria nos pequenos distritos, onde a disputa por vagas seria menor.

Contrariando uma vez mais a regra, no Brasil as mulheres têm melhor desempenho nos pequenos distritos. Os dados destas eleições são de novo reveladores. Nos municípios onde há segundo turno, ou seja, naqueles com mais de 200 mil eleitores, o percentual de vereadoras eleitas em 2012 foi de 9,5%, ao passo que nos municípios onde as eleições são resolvidas em um único turno, por serem menores, chegou a 13,5%.

Embora destoe do padrão mundial, a norma brasileira é coerente com nossas especificidades eleitorais. Em distritos maiores, os gastos de campanha são proporcionais a seu peso político e econômico, em geral, o que torna desnivelada a disputa entre candidatos com grandes e com pequenas arrecadações. Consequentemente, as mulheres tendem a ficar em desvantagem.

Ainda não há dados finais disponíveis sobre a arrecadação dos candidatos nestas eleições para ilustrar essa análise, mas, se observarmos os valores de 2008, veremos que essa desvantagem é significante. No município de São Paulo, em 2008, as candidatas a cadeiras legislativas arrecadaram, em média, 42% do valor obtido pelos homens. Não surpreendentemente, somaram menos de 10% dos eleitos.

A análise apresentada aqui destaca a preponderância do sistema eleitoral para explicar o baixo percentual de mulheres eleitas. Um pequeno aumento pode ser favorecido pelo preenchimento das cotas, mas um crescimento substancial vai depender de mudanças efetivas nas regras que governam o funcionamento do pleito eleitoral.

 

Por Teresa Sacchet é pesquisadora no Núcleo de Pesquisa em Políticas Públicas da USP e assessora da Secretaria Executiva do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)

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