Natural que a oposição ao governo, portanto, queira se apropriar dessa figura como um herói antipetista. Mas, no auge desse processo, o ministro Joaquim Barbosa declara — em recente entrevista — que votou em Lula e Dilma e não se arrepende. “As mudanças e avanços no Brasil nos últimos 10 anos são inegáveis”, afirma ele.
A declaração do ministro pode ajudar muito o país. Não por favorecer um lado ou outro da disputa política. Mas ela pode nos ajudar a colocar óculos na miopia causada pela disputa eleitoral.
Imaginar, como fazem alguns, que o governo petista se resume ao mensalão é, como aponta o ministro, desconsiderar o que aconteceu no país nos últimos anos. Não perceber, como insistem outros, a gravidade dos fatos que o Supremo agora julga e tratá-los como naturais é se postar do lado do atraso.
O julgamento do mensalão coloca o tema da ética na política no centro do debate público. Mas será que apenas as punições, por mais graves que sejam, terão o condão de mudar a vida política do país?
Dificilmente. A punição pode até criar a ilusão da resolução do conflito. Mas ela está longe disso. Punir muitas vezes pode até ter o efeito contrário. A sede por justiça fica satisfeita e a energia de mobilização gerada pela indignação com a corrupção é aplacada pela pena. As pessoas imaginam que o problema acabou porque os réus foram punidos. Mas o enfrentamento do problema passa por ações mais profundas e complexas do que a pena.
Punir os réus do mensalão e não discutir uma profunda reforma política que repense nosso sistema de financiamento de campanhas e a relação entre parlamentares e os eleitores não parece promissor para mudar o Brasil.
A tendência natural, mantida a atual polarização, é que alguns governistas exaltados afirmem que o mensalão é uma conspiração da direita e oposicionistas afirmem, sem muita convicção, que esse é um fenômeno unicamente petista.
Essa cegueira mútua não ajuda o país e nos afasta da possibilidade da construção de um consenso sobre as mudanças necessárias em nosso sistema político para torná-lo mais democrático e menos permeável à corrupção.
A declaração do ministro Barbosa, mostrando que ele não será — até porque não combina com sua biografia — instrumento político de ninguém, às vésperas dele se tornar presidente do STF, pode ser um sinal para uma aliança que queira realmente mudar as práticas políticas no Brasil.
É a oportunidade para que a presidente Dilma, que afirmou em seu discurso de posse que “é tarefa indeclinável e urgente uma reforma política”, transforme a intenção em gesto.
Está montado o cenário para que o primeiro negro a presidir o STF e a primeira mulher a presidir o Brasil, ambos com altíssima popularidade, proponham ao país um pacto republicano que transforme realmente o sistema político.
Um pacto que acabe com um sistema eleitoral baseado em doações nada transparentes de empresas, que terminam por ter poder de controle sobre a ação de políticos; que enfrente as profundas distorções que o sistema de lista aberta, vigente hoje no Brasil, causa entre a vontade do eleitor e o resultado das eleições; que acabe com a mercantilização do tempo de televisão dos partidos, provocando alianças de conveniência que nada têm de programáticas.
O período de 20 anos marcado pelos governos do PSDB e do PT mudou seguramente o país para melhor. Desafios econômicos e sociais que pareciam insuperáveis foram enfrentados com ousadia e os frutos foram colhidos. Infelizmente, do ponto de vista da melhoria do sistema político, os avanços são muito tímidos.
Joaquim Barbosa deixou claro que não está disposto a cair na armadilha da polarização entre governo e oposição. Essa pode ser a grande oportunidade para que os líderes, em todos os poderes, aceitem superar as rixas menores para aprofundar a construção de um Brasil claramente republicano.
Por Pedro Abramoway, professor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV), foi secretário nacional de Justiça