Ações afirmativas: o paliativo essencial

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O debate sobre políticas de ação afirmativa tal como se conhece hoje teve início em 29 de novembro de 1983. Nessa data, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou, por unanimidade, o parecer do relator, deputado Elquisson Soares, pela constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa do Projeto de Lei nº 1.332/1983.

O projeto, de autoria do deputado Abdias Nascimento, definia um conjunto de medidas de natureza compensatória, no mercado de trabalho e na educação, e previa cotas para mulheres e homens negros. Um dos marcos mais ostensivos do debate que se estenderia para décadas seguintes acabou arquivado, mas o pioneirismo do mandato de Abdias fez avançar a Constituição de 1988 em muitos aspectos.

Em novembro de 2001, após a Conferência Mundial contra o Racismo, realizada em Durban, com destacado protagonismo brasileiro, a Assembleia Legislativa fluminense aprovou o sistema de cotas no acesso à Universidade Estadual do Rio de Janeiro, a qual foi seguida por dezenas de instituições de ensino superior em todo o país. Ainda em dezembro de 2001, o Supremo Tribunal Federal (STF) lançou edital para a contratação de empresa jornalística, incluindo cota (20%) de jornalistas negros.

Nas três últimas décadas, com grandes mobilizações nacionais, passamos pela denúncia do racismo e das desigualdades raciais, pela disputa acirrada sobre a legitimidade das ações afirmativas e avançamos para as políticas de inclusão da população negra, em especial na educação superior.

A audiência pública realizada pelo STF, em março de 2010, antecedeu em dois anos a histórica decisão unânime de seu plenário, favorável à constitucionalidade das ações afirmativas para negros. Uma decisão longamente amadurecida que se permitiu considerar diferentes argumentos, os avanços da consciência social e a sedimentação das experiências dos últimos 10 anos no Brasil.

Por isso, diante de um processo com tal duração e presença na dinâmica do país, impressionam comentários veiculados pela mídia, após a decisão do STF. Na contramão das avaliações positivas de nossa experiência com as ações afirmativas, situam-se os que ainda as veem como “importação dos Estados Unidos”, os que, contra toda a evidência, mantêm inalteradas suas previsões catastróficas. Para negar a decisão do STF, vale, como recurso argumentativo, negar a realidade brasileira!

Também importa considerar que se as ações afirmativas, como alguns ainda insistem, não passam de um “paliativo”, então, como explicar reação tão prolongada contra uma medida que estaria apenas encobrindo e dissimulando, sem atacar, o mal que se precisa combater?

Nenhuma medida paliativa motivaria discursos desafiadores tanto da decisão unânime do STF, quanto das evidências do real. Tal desproporção faz supor que a luta travada nos últimos anos, em toda sua densidade, abalou de algum modo os pilares da injustiça e das desigualdades no Brasil.

A leitura atenta dos votos do STF, um exame crítico do que têm a dizer os protagonistas e estudiosos das ações afirmativas, forneceria avaliação isenta. Convém lembrar que o preconceito é o maior obstáculo para que os críticos dessas medidas reconheçam esse passado recente de paulatina inclusão, ao qual o futuro do Brasil se vincula. A verdade dos fatos é que, assim como em diferente momento na história do Brasil, abrem-se oportunidades de acesso a outros grupos excluídos na esteira das conquistas da população negra.

A declaração de constitucionalidade das ações afirmativas pelo STF cria fundadas expectativas de que entramos em um novo tempo. É imperativo que os governos federal, estaduais e municipais elevem as políticas de inclusão a outro patamar, fortalecendo nosso processo democrático. Afinal, já se passaram 124 anos desde o fim legal da escravidão. 

 

Por Luiza Bairros, ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense

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