Marcio Pochmann: “O Estado não se encontra estabelecido com as melhores formas de administração pública”

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Marcio Pochmann tem 50 anos. É presidente do Ipea, o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas do governo federal, desde 2007, quando Lula era presidente da República.

Formado em economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Marcio Pochmann é professor da Unicamp. Na gestão de Marta Suplicy como prefeita de São Paulo foi secretário municipal do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade.

Em 2012, Lula deu a sugestão e o PT escolheu Pochmann para ser seu candidato a prefeito de Campinas.

Folha/UOL: Muito obrigado por sua presença. E eu pergunto: o sr. foi escolhido pelo PT para ser candidato a prefeito de Campinas. Como foi o processo da sua escolha?

Marcio Pochmann: Em primeiro lugar, agradecimento por poder participar aqui do seu programa, o seu trabalho, que admiro muito. Em relação à definição desse último final de semana a respeito das prévias realizadas no município de Campinas, em que terminamos saindo vitoriosos… Acredito que quem tenha saído realmente vitorioso foi o Partido dos Trabalhadores, pois realizou um grande debate sobre a cidade… Eu acabei ingressando nessa nova trajetória a partir inclusive da indicação do presidente Lula, que ocorreu no ano passado.

Folha/UOL: O ex-presidente Lula tem, pontualmente, influído um pouco nas disputas municipais deste ano. Em São Paulo indicou o nome de Fernando Haddad. Em Campinas, sugeriu o seu nome. Essa influência de Lula é boa ou ruim para o PT?

Marcio Pochmann: O presidente Lula, assim como outras lideranças nacionais do PT, tem a convicção de que a formação de quadros do PT nesses últimos 30 anos foi muito importante para a ascensão da democracia do país e a transformação que vem ocorrendo. Especialmente a partir de 2003. Mas esse contingente de lideranças foi originado e formado quando o Brasil era muito diferente do que temos hoje. O que temos hoje nesse início do século 21 já é um país muito modificado. A emergência de novos setores sociais, da classe trabalhadora que expande sem estar aliado a partidos políticos, a sindicatos, a movimentos sociais. Então é fundamental nesse sentido reconhecer que os partidos precisam se renovar e o PT está se renovando justamente no momento em que ele ainda está no auge. É muito mais difícil fazer uma renovação quando o partido está num momento de dificuldade, de crise. Vamos analisar outros partidos de oposição como o PSDB que, certamente, vai fazer uma renovação. Mas é difícil uma renovação no período em que o partido está na oposição até numa situação de crise, com maior dificuldade. Então o PT se renova no auge.

Folha/UOL: Mas a influência do presidente Lula para muitos críticos, inclusive dentro do PT, é sobre a presença quase imperial dele dentro do partido indicando nomes. Isso é bom ou ruim para a democracia interna do seu partido?

Marcio Pochmann: No nosso caso eu posso falar por Campinas, ele na verdade nos motivou a participar, não fez nenhuma indicação fechada, tanto é que nós fizemos uma prévia. Houve uma conversa muito importante no âmbito do partido, da cidade, e se entendeu que seria efetivo e ativo nós passarmos a uma competição. E fizemos essa competição com um outro companheiro popular lá da cidade e isso nos ajudou muito do ponto de vista da democratização, do aprofundamento, da atração de novos militantes. Então eu entendo que isso tem sido positivo e estou falando fundamentalmente do meu caso.

Folha/UOL: O presidente Lula deve participar da sua campanha?

Marcio Pochmann: Eu acredito que sim. Porque ele tem se demonstrado uma figura cada vez mais importante na decisão do voto em termos nacionais, não será diferente no Estado de São Paulo, especialmente na cidade de Campinas. Assim como a presidenta Dilma, vamos deixar claro que tem tido uma presença bastante grande na construção da opinião de grande parte dos brasileiros.

Folha/UOL: O sr. está no comando do Ipea desde 2007. Quando deve deixar a presidência do Ipea para se dedicar à campanha?

Marcio Pochmann: Nós estamos justamente aguardando uma decisão da presidenta a esse respeito. Ela já é conhecedora da nossa decisão e, certamente, ela anunciará, tão logo ela entenda que isso deva ser feito.

Folha/UOL: Do ponto de vista legal tem que ser em maio a sua saíde?

Marcio Pochmann: Não. É…

Folha/UOL: Junho?

Marcio Pochmann: Exatamente. Seis de junho.

Folha/UOL: Quatro meses antes da eleição.

Marcio Pochmann: Presidentes de fundações e autarquias têm um prazo de até quatro meses antes da eleição.

Folha/UOL: O seu desejo seria sair, se possível, quando?

Marcio Pochmann: Eu entendo que já cumpri minha tarefa no âmbito do Ipea que está hoje uma instituição organizada e preparada para seguir, independente da minha presença. Então eu aguardo esse momento que a presidente entender mais adequado.

Folha/UOL: O PT apoiou a gestão passada do prefeito de Campinas, Dr. Hélio [do PDT], que acabou saindo por suspeita de corrupção. Entrou no lugar dele o vice-prefeito, Demétrio [Vilagra], que era do PT. Também acabou saindo por suspeitas também de corrupção. O fato de o PT ter se associado à gestão anterior, tão problemática, vai prejudicar a sua campanha?

Marcio Pochmann: Eu acho que não, porque em geral o debate eleitoral feito no município é um debate sobre o futuro da cidade. Eu estou convicto que nós teremos as melhores propostas para apresentar na cidade em relação às perspectivas de Campinas que é a 11ª cidade mais rica do país. É uma cidade que está num momento excepcional do ponto de vista da construção de um salto na cidade. Nós deveremos ter um grande entroncamento viário e aéreo que vai fazer, possivelmente, do aeroporto de Viracopos o maior aeroporto da América Latina. Então a cidade está diante de grandes potencialidades. No entanto, há um descolamento da política local. A política infelizmente enveredou para um plano… Enfim, que tem penalizado a cidade. A cidade era industrial, hoje é uma cidade de serviços. Uma cidade com problemas em área de saúde, educação. Há uma certa regressão de direitos, porque já tivemos uma boa educação e condições de saúde superiores ao que temos hoje.

Folha/UOL: Por que aconteceu isso em Campinas?

Marcio Pochmann: Eu acredito que nós estamos vivendo um quadro de Campinas que também é uma expressão do Estado de São Paulo. São Paulo sempre foi considerada a locomotiva do Brasil, especialmente a partir do ciclo do café e as opções que o Brasil fez por conta da industrialização. Tornou São Paulo a locomotiva. Hoje, São Paulo não é mais locomotiva do Brasil. É a quarta renda per capita e, infelizmente, se manter a trajetória que nós estamos observando nessas últimas duas décadas, São Paulo quando terminar a segunda década do século 21 será a sétima renda per capita. Então há uma certa regressão relativa do Estado e que, de certa maneira, resulta das opções que o Estado fez. O Estado vive um quadro de desindustrialização importante. E os setores que mais crescem no Estado são o setor financeiro e o setor agrícola, que ao nosso modo de ver são insuficientes para manter a pujança de um Estado como aquele.

Folha/UOL: Quanto tempo, depois de todos esses problemas que aconteceram em Campinas, um prefeito que for eleito agora neste ano [em 2012] e que toma posse em 2013 [em janeiro de 2013] vai precisar para colocar a política em melhores termos em Campinas?

Marcio Pochmann: Eu acredito que é fundamental iniciar o ano que vem, na verdade, arrumando a casa. Porque há um descuido do ponto de vista da governança da cidade. Isso é fundamental que se faça logo de início para poder, o mais rapidamente, a cidade se conectar com as grandes transformações que vêm ocorrendo no Brasil.

Folha/UOL: Se pudesse resumir, quais seriam os dois ou três principais pontos da sua plataforma que seriam prioridades do seu eventual governo?

Marcio Pochmann: Bem nós estamos construindo coletivamente isso no interior do partido e ao mesmo tempo também com a sociedade campineira. Mas entendemos em primeiro lugar que é fundamental uma organização administrativa, uma descentralização da Prefeitura, com a construção de subprefeituras, que daria justamente um caráter mais descentralizado da atividade acompanhado por um orçamento participativo mais territorializado, que a população acompanhasse e monitorasse os recursos públicos. Um segundo elemento fundamental é o reconhecimento de que a cidade de Campinas é uma cidade muito cara.

Folha/UOL: Campinas não tem subprefeituras hoje?

Marcio Pochmann: Não. Tem administrações regionais ainda de uma divisão feita ainda na década de 70. E houve uma expansão para diversas áreas que não estão conectadas nessa forma de governar que imaginamos mais adequada.

O segundo aspecto portanto é o aspecto relacionado ao custo de vida da cidade que é muito alto. Sobretudo pelo esvaziamento do serviço público. Nós acompanhamos a última década e verificamos que, por exemplo, as matrículas na escola municipal regrediram cerca de 20%. Isso está justamente pela deficiência que a educação vem tendo na cidade e estimulando as família, especialmente famílias que muitas vezes não têm recursos suficientes, a contratar o serviço privado na educação. A mesma coisa em relação à saúde: cresce a perspectiva dos planos de saúde. Isso significa onerar ainda mais o orçamento, sobretudo dos seguimentos mais pauperizados da população. Sem falar no custo transporte, que também é muito expressivo. Representa mais de 20% do orçamento das famílias. Trabalhar coma perspectiva de redução de custos é algo que a Prefeitura pode responder porque ela é responsável por uma série de serviços na cidade.

Folha/UOL: Quais partidos o sr. imagina na sua aliança?

Marcio Pochmann: Para dizer bem a verdade, não temos clareza de uma aliança partidária. Porque a nossa preocupação fundamental é fazer uma aliança em cima de um programa, programática. Que a base da aliança seja o programa. Abandonar um pouco a perspectiva das alianças que vêm ganhando força no Brasil, que são alianças pragmáticas. Faz-se aliança em cima de um pragmatismo, em cima de loteamento das funções de uma administração. E entendemos que isso é um equívoco. Portanto nós estamos muito preocupados nesse momento em construir um programa viável para a cidade, uma visão que dialogue com o futuro e em cima desse programa abrir uma conversa, um diálogo, com partidos que, possivelmente são aqueles que constituem a base do governo federal. Mas isso é um diálogo que nós vamos fazer a partir de um diálogo estabelecido.

Folha/UOL: No dia 16 de maio entra em vigor a Lei de Acesso a Informações Públicas que vale para União, Estados e Municípios. Tudo passa a ser público. Esse é o princípio geral. Só a exceção é que não vai ser divulgada. O que o sr. pretende fazer, se eleito prefeito de Campinas, para aplicar essa nova regra?

Marcio Pochmann: Eu entendo que um dos principais instrumentos para que essa regra seja de fato viável é o maior desenvolvimento possível das tecnologias de informação e comunicação. Os exemplos de algumas cidades no Brasil, as chamadas Cidades Digitais, que abrem na verdade todas as informações de uma Prefeitura, dos órgãos públicos, à sociedade é o melhor instrumento para isso.

Folha/UOL: É recorrente nos últimos anos haver na sociedade, em relação ao Ipea, algumas críticas de alguns setores dizendo que o Ipea tem feito muitos estudos, mas são estudos em geral enviesados a favor de um determinado jeito de ver a realidade com a ótica do governo. Isso ocorre? Qual é o grau de independência do Ipea atualmente?

Marcio Pochmann: Eu entendo que não é correta essa avaliação. Nós temos tornado pública uma quantidade muito grande de estudos. Hoje em qualquer tema que se levante de maneira geral no âmbito das ciências humanas, o Ipea é uma referência do ponto de vista de produção do conhecimento.

Folha/UOL: Como economista, qual é a sua avaliação sobre as previsões do crescimento da economia brasileira neste ano, do PIB?

Marcio Pochmann: Bem, comportamento da economia brasileira tem sido fundamentalmente resultado de decisões de natureza política. Vamos voltar ao ano de 2011 muito rapidamente para perceber que o crescimento de 2,7% foi um crescimento decidido politicamente. O governo decidiu no início de 2011 que a economia não poderia crescer tanto como vinha crescendo em 2010 por várias razões. E frente a essa avaliação, tomou uma série de iniciativas com o objetivo de reduzir a atividade econômica. Neste ano há um compromisso do governo em que a economia deve crescer próximo aos 5%. Os indicadores atuais não apontam esta perspectiva.

Folha/UOL: Em 2011, houve muita gente que criticou o governo por fazer essa medida contracionista que segurou o crescimento do PIB. Olhando agora, de hoje, lá para trás, é possível dizer que houve uma má calibragem, um erro na medida contracionista?

Marcio Pochmann: Eu entendo que o diagnóstico realizado no início de 2011 foi adequado porque estávamos crescendo de forma muito rápida sem que o investimento pudesse garantir a sustentabilidade desse crescimento a longo prazo. Então a decisão de desacelerar a economia foi adequada.

Folha/UOL: E a modulação?

Marcio Pochmann: A modulação, de certa maneira, equivocou. Ficou sendo equivocada na medida em que nós combinamos a desaceleração interna com a desaceleração internacional, frente ao que ocorreu em 2011 como agravamento da crise internacional. Então os dois efeitos combinados fizeram com que nós crescêssemos muito menos do que inicialmente era o planejado. Tanto é que o governo tomou medidas logo no início do segundo semestre com o objetivo de fazer com que a economia voltasse a acelerar. Porque nós estávamos numa trajetória inclusive de crescer em torno de 1% em 2011.

Folha/UOL: Num país como o Brasil, que é a sexta economia do mundo, a depender aí do cálculo, não teria que ter mecanismos mais sofisticados para fazer uma modulação nas medidas, de maneira mais precisa?

Marcio Pochmann: Eu entendo que nós ainda fomos incapazes de fazer uma mudança, uma reforma no Estado brasileiro. O Estado brasileiro não se encontra estabelecido com as melhores formas de práticas, de administração pública. O Ministério da Fazenda de certa maneira não se renovou do ponto de vista de que se imaginava necessário até para sua atuação mais ampla. A Secretaria de Política Econômica, por exemplo, segue com um quadro relativamente diminuto ao exercício do que se imagina uma política econômica, uma política macroeconômica. Então há problemas, ao meu modo de ver, do ponto de vista de quadros e de seu funcionamento. O mesmo podemos dizer que, em pleno início do século 21, nós continuamos funcionando do ponto de vista do Estado de maneira setorial e não articulada, matricial, que seria justamente mais adequado, o que exigiria por exemplo, cada vez, o Banco Central quando olhar a inflação reconhecer a questão social, a questão do emprego. Então esse é um processo de aprendizagem, ao meu modo de ver, que só será resolvido com uma reforma do Estado.

Folha/UOL: O sr. está dizendo que há um desaparelhamento de alguns órgãos do Estado na área econômica para ter a capacidade de tomar as medidas pontuais necessárias com a sofisticação e a modulação necessária para não cometer o equívoco do ano passado de não contrair muito a economia? É isso?

Marcio Pochmann: Não em função do equívoco ou não das decisões tomadas no ano passado. Mas, pelo reconhecimento de que o Estado, pela forma que nós temos hoje, ele está inadequado, ao nosso modo de ver, para lidar com os problemas complexos que nós temos.

Folha/UOL: O que precisa ser feito então? Contratar mais gente?

Marcio Pochmann: Em primeiro lugar, nós tivemos uma redução dramática do Estado brasileiro na década de 1990. Houve um desaparelhamento do Estado nesse sentido. Há um movimento de recuperação através de concursos. Mas, ao nosso modo de ver, o Estado brasileiro é enxuto do ponto de vista de pessoal quando comparado com outros países. Nós temos uma presença de funcionários públicos relativamente à população ocupada aquém dos Estados Unidos e muito distante do que é a Europa. Não estou querendo justificar com isso que é necessário contratar mais pessoas. É claro que precisa de mais pessoas desde que haja funções para serem exercidas. E há essa necessidade.

Folha/UOL: Mas deixe-me fazer um contraponto aqui. Para tomar uma decisão correta, sobre contrair a economia ou não, muitas vezes não é necessário ter mais funcionários ali na Fazenda ou no Banco Central. É necessário haver um modo de trabalho e uma capacidade de percepção da realidade que resulte em boas decisões. Ou não?

Marcio Pochmann: Veja que no âmbito da economia, na área econômica, nós tivemos um aperfeiçoamento do Estado brasileiro em arrecadar. Tanto é que nós saímos de uma carga tributária de vinte e poucos por cento do PIB e estamos aí com uma carga tributária acima de 30%. Então, o Estado se preparou para um ambiente de crise, de baixo dinamismo econômico para arrecadar recursos. Então, nós somos relativamente eficientes nisso. Especialmente, em arrecadar dos pobres. Porque dos ricos a gente arrecada quase nada. Agora, do ponto de vista de você ter uma sintonia do que está ocorrendo na diversidade da economia brasileira, isso sim, nós temos uma dificuldade.

Folha/UOL: Mas, veja, exatamente, porque no ano passado, em 2011, nessa mesma época, já era possível, até porque não era segredo para ninguém que haveria o risco de uma contração da economia mundial. Não era muito difícil imaginar que isso pudesse acontecer. Porque o governo não teve essa… Ou a equipe econômica não teve essa presciência naquele momento para tomar a decisão mais correta?

Marcio Pochmann: Bom, nós poderíamos fazer a mesma argumentação em relação ao final de 2008, quando ainda sob a administração do presidente Lula, nós fomos reduzir a taxa de juros somente no início de 2009. Podia ter reduzido mais antecipadamente. Certamente, aí não é um problema de natureza técnica, ao meu modo de ver, e sim de natureza política. Tempo adequado para tomar a decisão. E é bom lembrar ainda que até a metade do ano passado nós não estávamos sentindo com toda a magnitude o efeito da redução dos juros, porque toda vez que há… Melhor dizendo: o aumento dos juros. O aumento ou redução dos juros, o impacto na economia real tem uma demora de quatro, cinco, seis meses. Então, começamos a aumentar a taxa de juros e os seus efeitos se manifestaram de forma mais forte justamente na metade do ano passado.

Folha/UOL: Tudo considerado, a Lei de Diretrizes Orçamentárias indica que há uma expectativa de 4,5% de crescimento em 2010 e 5,5% em 2013. Isso na Lei Orçamentária. O sr. acha que esses números precisariam ser ajustados? Para quanto?

Marcio Pochmann: Eu acho que não precisam ser ajustados. O que precisamos ajustar, na verdade, é a compreensão da decisão política. Eu entendo que o que for…

Folha/UOL: Mas tem como o Brasil crescer 4,5% neste ano de 2012 ainda?

Marcio Pochmann: Eu acredito que tem. Especialmente porque vai ocorrer no segundo semestre. Porque há um compromisso de que a economia não pode deixar de crescer. Então, esse compromisso certamente vai se expressar nas decisões de natureza econômica, porque se nós não conseguirmos observar os resultados efetivos de expansão ainda nos próximos meses, novas medidas, medidas adicionais serão tomadas. E nós temos na verdade um arsenal de medidas para tomar nesse sentido.

Folha/UOL: Os números de crescimento do PIB para este ano e para o próximo serão quais?

Marcio Pochmann: Nós não temos projeções para o ano que vem. Mas, o nosso grupo que trabalha com previsões acredita que teremos um crescimento acima de 4%. Pelo menos, com as informações que nós temos nesse início do ano.

Folha/UOL: Juros: há uma discussão eterna no Brasil sobre qual seria o piso possível para a taxa básica de juros. Na sua opinião, qual seria esse piso na atual conjuntura?

Marcio Pochmann: O governo tem feito um movimento gradual de redução da taxa de juros, embora tenha subido ou descido em algum momento. Mas a trajetória tem sido de queda. E essa trajetória de queda é compatível com a capacidade de o Brasil oferecer condições investimentos cujo retorno seja maior do que aquele esperado no setor financeiro.

Folha/UOL: Mas a taxa está em 9,75%. O Copom tem uma reunião agora [em 18.abr.2012] deve reduzir novamente. Até quando o sr. acha que será possível reduzir e qual será esse patamar mínimo na atual conjuntura?

Marcio Pochmann: Não sei se terá um número preciso. Mas certamente uma taxa de juros ao redor de 2% real ao ano é razoavelmente adequada para uma economia que precisa crescer fortemente para superar os gargalos do subdesenvolvimento.

Folha/UOL: Considerando cerca de 5,5% a inflação, então perto de 7%, 7,5%? É isso?

Marcio Pochmann: Seria alguma coisa razoável para o padrão que nós temos hoje.

Folha/UOL: Quando o governo determinou que o Banco do Brasil e a Caixa Econômica reduzissem os seus juros cobrados dos seus clientes, foi uma decisão acertada?

Marcio Pochmann: Eu entendo que é uma decisão importante. Pois o papel dos bancos públicos não é atuar apenas nas falhas do mercado. Essa é uma demonstração de quanto nós precisaríamos avançar numa reforma bancária no Brasil. Nós temos poucos bancos no Brasil. Temos menos de 170 bancos. Chegamos a ter mais de 200 bancos em 1995.

Folha/UOL: Brasília completa 52 anos dia 21 de abril, agora. E é uma cidade, uma Unidade da Federação na realidade, que não conseguiu ainda se viabilizar por si só, economicamente. Por quê?

Marcio Pochmann: Bem, isso não é um fato inédito para cidades que são meramente administrativas. Washington também tem problemas dessa natureza, pois foi uma escolha ter uma capital administrativa. Mas eu acredito que a realidade que nós temos hoje aqui na capital federal decorre de um desvio do projeto original estabelecido pelo presidente Juscelino Kubitschek que era de interiorização do desenvolvimento e atração da indústria para o Centro-Oeste. Infelizmente, as decisões tomadas a partir do governo militar entenderam que essa região Centro-Oeste seria suficiente por si só assentada na agricultura. E hoje nós temos um grande celeiro brasileiro que é aqui, o Centro-Oeste. Mas a agricultura por si só não é suficiente para gerar empregos e renda suficientes até mesmo para dar um grau de economia para o DF que nós não temos hoje.

Folha/UOL: E a agricultura poderia ter sido desenvolvida sem que a capital viesse para cá?

Marcio Pochmann: Poder, poderia. Mas se a gente entender o que era a condição política do Brasil aí nos anos 50, 60, seria realmente muito difícil. Foi um ato de muita coragem do presidente Juscelino transferir a capital. Até a título de ilustração, nós não temos nos Estados Unidos, país que se pode comparar com o Brasil pelo tamanho e pela própria condição de República Federativa, todas as capitais, de maneira geral, nos Estados Unidos, inclusive no Estado, não pertencem às grandes cidades. A capital geralmente é uma coisa… Até para equilibrar os Estados. Aqui no Brasil, salvo Brasília, as capitais dos Estados são as principais cidades dos Estados. Então isso ajuda a concentrar mais a riqueza e o poder em poucas áreas territoriais do país.

Folha/UOL: Brasília tem o Fundo Constitucional, dinheiro que todos os brasileiros dão para Brasília, que equivale a cerca de 40% do que se gasta no Distrito Federal. Esse Fundo Constitucional deve ser perene, eterno, ou é possível imaginar que, no futuro, essa região e a capital consiga sobreviver sozinha sem esse dinheiro?

Marcio Pochmann: Eu acredito que é possível reduzir o peso do orçamento federal no financiamento da capital do Brasil. Mas isso pressupõe na verdade um projeto de médio e longo prazo. Nós estamos tratando desse ano inclusive do Fundo de Participação dos Estados e municípios. Está em debate também o tema dos royalties do petróleo. Nós estamos sabendo cada vez mais que as cidades que recebem royalties ou que recebem mais recursos não são necessariamente as cidades que melhor aplicam recursos, que possuem resultados sociais melhores. Brasília, por exemplo, é uma cidade que depende quase 40% de seu orçamento de recursos federais. Mas, no entanto, é uma cidade que está convivendo com o maior grau de desigualdade.

Folha/UOL: Por que isso acontece? Por que há tanta desigualdade, de distância entre ricos e pobres, que em Brasília é a maior do Brasil?

Marcio Pochmann: Certamente há várias razões para explicar isso. Talvez os dois principais sejam, em primeiro lugar, pela forte migração que a cidade e a região aqui de Brasília vêm recebendo. Migração muitas vezes atraída por acesso à terra, mas desacompanhada de oportunidade de trabalho. Há um risco inclusive de, em função disso, nós gerarmos aqui rapidamente uma nova baixada carioca [referencia à Baixada Fluminense]. Quer dizer, na medida em que você tem uma segmentação tão grande em salários e rendas maiores com população de baixa renda, isso gera certamente um quadro de difícil coesão social. E a outra razão da desigualdade é justamente o peso do setor público. Aqui em Brasília nós temos o cume da administração pública. É onde estão os ministros de maneira geral, o Poder Judiciário… Onde os salários são maiores. De forma que essa desigualdade provém então da forma com que hoje se montam os salários da administração pública em relação ao setor privado. E ao mesmo tempo pela forte atração de brasileiros que vêm para cá e, infelizmente, desconstituídos de empregos decentes.

Folha/UOL: Esse cinturão de miséria que vai se formando no entorno de Brasília, o sr. acha que se assemelha então a outros cinturões de miséria em grandes metrópoles brasileira?

Marcio Pochmann: Infelizmente nós não aprendemos com os erros ocorridos em outras regiões. E, ao meu modo de ver, nós estamos vivendo com um quadro acelerado de aumento da desigualdade na cidade, justamente por essa condição de atração de brasileiros que não têm, infelizmente, acesso a uma renda, a um emprego decente. Portanto aumenta a desigualdade, e esse fosso certamente leva a problemas cada vez maiores do ponto de vista da coesão social.

Folha/UOL: O sr. falou que o governo militar, a ditadura militar, 21 anos, de 1964 a 1985, desviou o foco e não trouxe indústria. Priorizou agricultura nessa região do país, inclusive aqui próximo a Brasília. Só que a ditadura militar acabou em 1985. De lá para cá os governos democráticos também não fizeram nada para mudar esse eixo de desenvolvimento na região?

Marcio Pochmann: O discurso dos governos democráticos nesses últimos 27 anos administrando Brasília, de maneira geral, são diferentes do discurso do regime militar.

Folha/UOL: Mas e a prática?

Marcio Pochmann: Mas a… Pois é. Mas a prática na verdade não se revelou diferente. Porque, infelizmente, não se consolidou aqui uma base produtiva capaz de alterar o rumo que Brasília vem tendo desde a administração militar, que é uma forte dependência dos recursos orçamentários do governo federal e uma baixa capacidade de gerar aqui atividades econômicas que possam ser portadoras de empregos de boa qualidade.

Folha/UOL: A saída, portanto, é trazer indústria para cá. Outro tipo de, enfim, modelo econômico que produza empregos, fora da administração pública. É isso?

Marcio Pochmann: Eu entendo que o Centro-Oeste, que tem sido inclusive uma das regiões que mais cresce no Brasil, um dos principais motivos desse crescimento está inclusive na expansão industrial que está havendo aqui. Uma indústria associada à produção do agronegócio. Quer dizer, é possível avançar na indústria aqui, especialmente na indústria de baixo carbono. A indústria não geradora de poluentes. Assim como toda parte da economia de serviços, a economia criativa. Nós temos um mundo pela frente, do ponto de vista do desenvolvimento de uma nova indústria, que não é o caso de trazer aqui siderurgia, indústrias pesadas, coisa desse tipo. Mas sobretudo um indústria de novo tipo, que é uma indústria que demandará cada vez mais pessoas qualificadas, e Brasília tem excelentes condições de formar quadros para poder enfrentar essa realidade, que não nos colocaria em competição com outras regiões ou com outros municípios e Estados. Infelizmente ainda no Brasil impera a guerra fiscal, que é uma equação que soma zero. Uma região ou um Estado ganha e outra perde. Portanto um projeto de desenvolvimento para a região e, especialmente, para o Distrito Federal, deveria combinar essa indústria de baixo carbono, que nós temos pouco no Brasil, com uma indústria de serviço criativo, que seria talvez a grande oportunidade de nós termos aqui empregos de boa qualidade para todos.

Folha/UOL: Do jeito que está hoje, Brasília é a cidade mais injusta do Brasil socialmente? Distância entre ricos e pobres?

Marcio Pochmann: Se nós utilizarmos o índice de Gini que é um [índice] de desigualdade, mostra que essa região está aumentando a desigualdade, ao contrário do restante do Brasil.

Folha/UOL: Não obstante, o número de pessoas na faixa de pobreza extrema e absoluta não é tão grande, comparado com ao número de habitantes de Brasília. E a maioria das pessoas de Brasília tem mais anos de estudo, tem um acesso muito grande à internet e aos meios de comunicação. Ou seja, em geral é uma população mais bem informada. Essa é uma pergunta quase sociológica para o sr. que é um economista. Não obstante, a cidade tem feito escolhas sucessivas do ponto de vista político não muito bem sucedidas. Por que será que isso ocorre?

Marcio Pochmann: Entendo que aqui em Brasília, de certa maneira, expressa um pouco o que está ocorrendo no resto do Brasil como um todo, que é a proeminência dos interesses envolvidos com o capital imobiliário. Como o Brasil voltou a crescer um pouco mais rapidamente e uma série de investimentos estão sendo realizados no âmbito de infraestrutura, saneamento, habitação, isso mexeu com os interesses da terra. E há uma pressão enorme nas cidades do Brasil como um todo pelas transformações de áreas rurais em áreas urbanas. E isso vem, na verdade, enraizado com uma enorme especulação imobiliária. Porque uma terra que não custava nada, a partir de algum investimento que é feito público, em termos de saneamento e estrada, isso transforma, na verdade, numa grande riqueza. E portanto essa explicação imobiliária tem impactado diretamente nos chamados modelos urbanísticos de cidades que nós estamos tendo e, infelizmente, isso aprofunda problemas que nós já temos em grandes cidades. Problemas de viários, por exemplo, nós continuamos uma cidade fortemente dependente do transporte individual, ou seja, nós estamos cometendo erros, infelizmente, do passado.

Folha/UOL: Em 27 anos de democracia, o sr. enxerga recentemente alguma medida objetiva que vá fazer com que Brasília inverta essa curva de ser cada vez mais desigual e injusta?

Marcio Pochmann: Está passando por um momento muito difícil, que é a cidade, do ponto de vista das denúncias que seguem ocorrendo do ponto de vista da administração pública. São denúncias que demonstram justamente a pressão que, ao nosso modo de ver, tem a ver com o capital imobiliário. E isso está formando do nosso modo de ver também uma visão crítica a respeito disso. Imaginamos que os próximos anos serão de uma perspectiva crítica muito aguçada. A capital federal é muito crítica de uma maneira geral, um movimento de oposição aqui sempre existiu. E isso nos dará, que é uma visão otimista em relação aos próximos anos aqui da cidade, que é uma cidade que aprenderá com os erros cometidos ultimamente.

Folha/UOL: Por enquanto ainda não?

Marcio Pochmann: Esse é um momento de melhor entendimento até para que possamos ter uma ação mais decisiva sobre isso.

Folha/UOL: Marcio Pochmann, muito obrigado por sua entrevista à Folha de S.Paulo e ao UOL.

Marcio Pochmann: Eu é que agradeço. E parabéns pelo seu trabalho, Fernando.

 

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