Parlamentarismo no Brasil?

O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), vem afirmando na imprensa brasileira que está negociando com outros partidos a proposta de uma emenda à Constituição para trocar o sistema presidencialista em vigor no País pelo parlamentarismo. Ele não explicou que tipo de parlamentarismo tem em mente, mas indicou que tem pressa e pretende colocar a proposta em votação antes de fevereiro de 2017, quando seu mandato como presidente da Câmara chegar ao final, e que espera que o modelo seja adotado já a partir de 2019.

Ao mesmo tempo em que Cunha defende o parlamentarismo, um grupo que já conta com a adesão de 216 deputados e 11 senadores pretende lançar na próxima semana uma frente parlamentar a favor da implantação desse sistema de governo. O objetivo é desenterrar uma antiga Proposta de Emenda Constitucional do ex-deputado Eduardo Jorge (PV), apresentada em 1995. Oficialmente, Cunha não defendeu esse projeto, que prevê a adoção de um modelo semelhante ao semipresidencialismo francês. Como a proposta necessita passar por várias votações, é provável que ela sofra modificações ao longo da tramitação.

Para especialistas ouvidos pela DW Brasil, é difícil precisar se a iniciativa de Cunha deve ser levada a sério, mas, dado o poder que o deputado vem acumulando, graças à fragilização do governo Dilma Rousseff, a iniciativa merece alguma atenção. No campo da especulação sobre a introdução de um sistema desses no Brasil, eles são unânimes em afirmar que um desenho político elaborado de maneira apressada por um Congresso que é hoje fragmentado e conservador acabaria repetindo os mesmos vícios da política atual ou poderia até mesmo trazer mais instabilidade para o Brasil.

“Isso me parece mais uma tática e uma forma de pressão para enfraquecer ainda mais o poder de Dilma Rousseff. Os grupos contrários a Dilma já flertam com o impeachment e a renúncia. Agora também investem nessa discussão do parlamentarismo”, afirma o cientista político francês Stéphane Monclaire, da Universidade de Sorbonne.

“O problema é que Cunha e seu grupo têm conseguido aprovar várias propostas rapidamente e vêm fortalecendo sua posição”, afirma, lembrando que o presidente da Câmara conseguiu passar recentemente em primeiro e segundo turno propostas que oficializam o financiamento empresarial em campanhas e o fim da reeleição de cargos executivos.

A cientista política Mariana Llanos, do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga), em Hamburgo, concorda que a ideia de Cunha parece mais uma tática para que ele consiga enfraquecer ainda mais a presidente, mesmo que Cunha já tenha dito que a proposta só deve valer após o fim do mandato presidencial. “Isso soa mais como uma estratégia do que uma proposta séria de reforma.”

Segundo os especialistas, o problema principal de iniciativas que defendem o sistema parlamentarista – que volta e meia surgem na América Latina, onde a maioria dos países adota o presidencialismo – é que elas tentam funcionar como fórmula mágica para resolver as deficiências da política atual, mas não levam em conta que o funcionamento de um parlamentarismo eficiente não depende apenas de um simples desenho político.

“O desenho é importante, mas não é o principal. O problema é que o parlamentarismo não seria eficiente no Brasil. Ele teria todos os problemas do atual sistema por causa da distribuição do poder, que historicamente só beneficia alguns grupos. A classe política acabaria se adaptando ao novo sistema, ainda mais porque ele seria desenhado pelo atual Congresso, que tem uma composição infeliz, e tudo continuaria igual. Seria apenas como pintar uma casa sem reformá-la. É preciso uma mudança também na sociedade e na sua relação com o poder, além de um aumento da participação popular”, afirma o sociólogo Sérgio Costa, da Universidade Livre de Berlim.

Ele destaca que os mecanismos que podem garantir um bom funcionamento do sistema, como o financiamento público de campanha ou a fidelidade partidária, não constam da reforma política que vem sendo promovida por Cunha.

Existem várias vertentes do parlamentarismo, cada uma com pontos específicos, adaptados à realidade e à história dos países em que ele é adotado. Cunha até agora só vem repetindo quais seriam as supostas vantagens do sistema, como a possibilidade de crises políticas como a atual serem resolvidas mais facilmente com uma rápida demissão do governo em um voto de confiança – algo previsto em alguns tipos de parlamentarismo, como o alemão, em circunstâncias especiais.

Só que, segundo Sérgio Costa, o sistema parlamentar alemão, que muitas vezes é citado como exemplo de eficiência, não é um modelo de exportação para países como o Brasil. “A Alemanha tem um sistema eficiente apenas porque experimentou mudanças profundas na sociedade antes do desenho final.” Ele cita negociações entre diferentes segmentos da sociedade, sindicatos e grupos, que acabaram por redistribuir o poder e a riqueza e diminuir a desigualdade na sociedade. “No Brasil isso não ocorreu ainda”, diz Costa.

Ele ressalta também outra diferença: na Alemanha, os principais partidos políticos – apesar de estarem cada vez mais parecidos –, têm programas claros e são identificáveis pelo eleitor. “O mesmo não acontece no Brasil, que conta com dezenas de siglas sem programa algum e com membros que não têm disciplina. Não é possível ter um parlamentarismo eficiente com isso.”

A experiência parlamentarista não é toda estranha ao Brasil. Durante o século 20, o país teve uma curta experiência de 17 meses durante a presidência de João Goulart (1961-1964). De acordo com os professores, a implantação à época seguiu a mesma lógica: enfraquecer o presidente e não efetivamente reformar de maneira eficiente o sistema político. Ainda no governo Goulart, o sistema foi revogado após um plebiscito. O debate voltou após a redemocratização, mas a Constituinte de 1988 rejeitou a proposta, que teve ainda uma espécie de “repescagem” durante o plebiscito de 1993, quando foi novamente rejeitada.

Para o professor Monclaire, qualquer desenho apressado feito com o objetivo inicial de enfraquecer um presidente impopular, como é o caso de Dilma Rousseff, ou impedir a preponderância de um partido específico, só deve piorar a situação.

“Para funcionar, o sistema alemão, por exemplo, dependeu de muitos debates e um acompanhamento, depois da guerra, por parte dos aliados, que estavam interessados na construção de uma Alemanha estável. Já na França, houve uma experiência inicial fracassada depois da guerra durante a IV República. O atual sistema foi criado por um gigante da história, o general de Gaulle. Havia vontade política para reformar e construir um governo eficiente, e não para desestabilizar o chefe de governo da vez”, afirma. “O que o Brasil precisa é de estabilidade política.”

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