Confira artigo de Olívia Cristina Perez e Vítor Eduardo Veras de Sandes-Freitas, da Universidade Federal do Piauí
Existem várias formas de os cidadãos influenciarem as decisões estatais. A principal delas é por meio do voto, em que os cidadãos individualmente escolhem seus candidatos que devem representar toda a população. Outra forma de expressão e influência acontece nas chamadas Instituições de Participação (IPs). O Brasil tem sido vanguarda na construção de espaços para a prática da participação cidadã (TRANJAN, 2016).
As IPs foram criadas pelo Estado para permitir que os cidadãos organizados participassem da formulação de políticas públicas. São exemplos os Conselhos Gestores e Conferências de Direitos. Nessas IPs, os cidadãos, geralmente organizados em associações, sugerem diretrizes para políticas públicas em diversas áreas, tais como assistência social, saúde e direitos das crianças e adolescentes. Conselhos e Conferências existem nas esferas municipais, estaduais e federais.
Outro exemplo de IP são os Orçamentos Participativos, a experiência de participação mais famosa do Brasil, reconhecida e replicada em outros lugares no mundo. Nos chamados OPs, cidadãos sugerem como parte do dinheiro público deve ser aplicado, considerando as necessidades das comunidades após intensos processos de deliberação.
As Instituições de Participação são consideradas formas de aprimorar a democracia. Uma linha teórica chamada democracia participativa estuda e demonstra as potencialidades da participação. A democracia participativa tem como referência a autora inglesa Carole Pateman (1992), que, em linhas gerais, defende que a participação direta dos cidadãos nas decisões públicas traria diversos benefícios para a democracia. Por meio da participação, os indivíduos conseguiriam exercer um controle maior sobre suas próprias vidas e sobre o ambiente. Além disso, a participação educaria os cidadãos politicamente, pois quanto mais os indivíduos participam das decisões, mais eles se tornam capacitados para a participação. Reflexões sobre as IPs apontam que elas seriam responsáveis por democratizar a democracia (cf. Avritzer, 2002) ao trazerem os cidadãos para o centro dos processos decisórios.
As Instituições de Participação no Brasil tiveram e ainda têm um impacto imensurável. O mais óbvio deles talvez seja a formulação de políticas públicas mais alinhadas com as demandas da sociedade. Mas os impactos das IPs vão além disso: elas contribuíram para que milhares de pessoas que participaram ou que conheceram tais experiências tivessem mais certeza do potencial da sociedade civil na formulação, execução e controle das políticas públicas. Por isso, nos escritos acadêmicos sobre IPs, o próprio sentido do que é efetividade foi ampliado, considerando-se que a efetividade das IPs não significaria somente a criação de políticas públicas, mas também se referem à qualidade dos processos internos e de seus efeitos nos indivíduos (Almeida, 2017).
As IPs cresceram com governo Lula (2003-2010), simbolizando o projeto participativo da gestão petista. Já o governo Bolsonaro tem uma retórica contrária a protestos organizados por movimentos sociais e também da atuação das IPs. No entanto, as IPs continuam a existir, muitas delas por conta da força da sociedade civil.
O legado das IPs para o Brasil não deve ser anulado por conta de uma gestão refrataria à participação da sociedade civil, pois a Constituição brasileira assegura a participação, bem como ainda há liberdade para que os setores organizados da população continuem demandando maior participação no processo decisório. Ainda assim, a sociedade civil precisa estar atenta aos movimentos dos atores políticos no sentindo de limitar a sua participação.
É bom lembrar que foi justamente a sociedade civil que pressionou para a obrigatoriedade da participação no processo de elaboração da Constituição de 1988, rompendo com o modelo autoritário da ditadura militar. Mesmo em governos pouco afeitos à democracia, é de se esperar que a sociedade civil brasileira continue acreditando e lutando por mais democracia. Os diversos movimentos na América Latina têm apontado isso e, no Brasil, não é de se esperar o contrário.
Olívia Cristina Perez
Professora da Universidade Federal do Piauí
Grupo de Pesquisa “Democracia e Marcadores Sociais da Diferença”
Vítor Eduardo Veras de Sandes-Freitas
Professor da Universidade Federal do Piauí
Grupo de Pesquisa sobre Partidos Políticos (GEPPOL)
REFERÊNCIAS:
ALMEIDA, D. (2017), “Os desafios da efetividade e o estatuto jurídico da participação: a Política Nacional de Participação Social”. Revista Sociedade e Estado, 32, 3: 649-680.
AVRITZER, L. (2002), “Modelos de deliberação democrática: uma análise do orçamento participativo no Brasil” in Boaventura Santos (org). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, pp.561-598.
PATEMAN, C. (1992), Participação e teoria democrática. Rio de Janeiro, Paz e Terra.
TRANJAN, R. (2016), “A sociedade civil brasileira Pela lente da Participação cidadã”, in Nuno Mesquita (org.), Brasil: 25 anos de democracia. São Paulo, Konrad Adenauer, pp.17-44.
*** Este texto nasce do encontro entre duas iniciativas. Ele foi encomendado pela Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político à Rede de pesquisadores e pesquisadoras Democracia & Participação. Além deste texto, foram produzidos outros. Em todos eles, procura-se sistematizar alguns dos debates que têm circulado na universidade em torno daquele tema. Os textos são curtos e refletem pontos de vistas do (a) autor (a). Por isso são assinados. No horizonte que anima esta experiência está a aposta no aprofundamento do diálogo entre a universidade e os movimentos sociais. Juntos, buscamos enfrentar o desafio de construir uma comunicação significativa na defesa da democracia e da justiça social.