Relação democracia direta, democracia participativa e representativa

Com a complexificação da ideia de regime democrático para uma junção de um modelo representativo e participativo, os cidadãos são capazes de atuar na vida pública de formas variadas.

Vítor Eduardo Veras de Sandes-Freitas/Professor da Universidade Federal do Piauí
Grupo de Pesquisa sobre Partidos Políticos (GEPPOL)
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Olívia Cristina Perez/Professora da Universidade Federal do Piauí
Grupo de Pesquisa Democracia e Marcadores Sociais da Diferença
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O regime democrático traz consigo a ideia de que os cidadãos são os responsáveis pelas decisões públicas. Esse ideal remete à Grécia Antiga. Nos primeiros governos democráticos, os cidadãos participavam diretamente das decisões públicas. No entanto, a cidadania era reservada a uma pequena parcela da população. Os escravos, a maioria, simplesmente eram excluídos da vida política.

Num modelo mais inclusivo, em sociedades mais complexas e com menor disponibilidade de tempo, a participação direta de todos os cidadãos é impossível. Afora a questão da escala, o sistema representativo foi considerado superior à participação direta dos cidadãos já pelos seus primeiros formuladores. O modelo representativo, de acordo com Madison e Siéyès, seria uma forma de organização superior à decisão pública proposta diretamente pelo povo, pois permitiria que indivíduos mais qualificados agissem em nome do bem comum e não segundo interesses particulares, tampouco como meros transmissores dos interesses dos seus eleitores (MANIN, 1995).

Dessa forma, adotou-se o modelo representativo possibilitando o que passamos a denominar de democracia de massa, não mais com a ideia de autogoverno, mas com delegação de poder dos cidadãos para seus representantes legitimamente eleitos.

Contudo, conforme os críticos dos sistemas representativos, tais governos não cumprem o ideal da democracia: o governo pelo povo e para o povo (cf. MACPHERSON, 1978; PATEMAN, 1992). Segundo esses teóricos, as decisões públicas não devem ser tomadas apenas pela minoria eleita, pois um dos requisitos fundamentais da democracia é o papel ativo do povo, e este não deve restringir-se ao voto nas eleições. Por isso a participação dos cidadãos nas questões públicas deveria ser ampliada.

Na prática, os governos representativos modernos contam com acordos formais e informais e instituições que estimulam a atenção das demandas dos representados pelos representantes e controlam a representação. As eleições são um desses mecanismos centrais, pois obrigam os representantes a prestarem contas das suas ações, com a possibilidade de serem punidos com a não reeleição (MANIN; PRZEWORSKI; STOKES, 1999). A este processo, denominamos de accountability vertical, que implica que representantes sejam responsivos aos cidadãos em seus mandatos.

Além das potencialidades contidas nas eleições, nos regimes representativos modernos os cidadãos têm outros meios para investigar, julgar, influenciar e reprovar seus legisladores. Esses atos podem se concretizar por meio dos canais autorizados: as eleições, o referendo; ou através de meios informais e indiretos: os fóruns, as manifestações, a mídia e as associações (URBINATI, 2006).

Além desses mecanismos, os governos representativos contam com instituições destinadas à interlocução com a sociedade civil, chamadas hoje de Instituições de Participação (IPs) tais como Conselhos Gestores, Orçamentos Participativos e Conferências de Direitos.

De forma geral, os partidos políticos, assim como os movimentos sociais, são capazes de organizar a vontade coletiva e fazer sua intermediação junto ao Estado. E isso não se resume à arena eleitoral, pois o debate político e a construção de agendas se dão em espaços institucionalizados e também não-institucionalizados, como os protestos e mesmo o debate nas ruas, praças, shopping centers e até mesmo e hoje, sobretudo, nas redes sociais.

Logo, em tese, com a complexificação da ideia de regime democrático para uma junção de um modelo representativo e participativo, os cidadãos são capazes de atuar na vida pública de formas variadas.

Isso não quer dizer que o modelo é perfeito. Longe disso, os baixos índices de confiança nas instituições políticas em diversos países do mundo, especialmente no Legislativo e também nos partidos políticos, demonstram que a democracia ainda tem muito em que avançar, principalmente na tentativa de tornar a relação entre os cidadãos e seus representantes mais estreitas e sólidas.

Mas, a saída não seria abandonar partidos e instituições representativas. O modelo representativo e o participativo na prática estão conectados. É necessário preservar e fortalecer as instituições democráticas para impedir que líderes autoritários forcem os limites institucionais da democracia.

Para que isso seja efetivado, os regimes precisam garantir o pleno exercício das liberdades civis e políticas para os cidadãos. Sem isso, os canais de participação e, mesmo as eleições, passam a ser apenas instrumentos figurativos do regime.

Referências:

MACPHERSON, C. Democracia liberal: origens e evolução. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

MANIN, B. As metamorfoses do Governo Representativo. Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 29, p. 5-34, 1995.

MANIN, B; PRZEWORSKI, A.; STOKES, S. “Introductions” and “Elections and representation”. In: PRZEWORSKI, A.; STOKES, S.; MANIN, B. (eds.). Democracy, Accountability, and representation. Cambridge: Cambridge University Press, 1999, p. 01-54.

PATEMAN, C. Participação e teoria democrática. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

URBINATI, N. O que torna a representação democrática? Lua Nova, São Paulo, n. 67, p.191-228, 2006.

*** Este texto nasce do encontro entre duas iniciativas. Ele foi encomendado pela Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político à Rede de pesquisadores e pesquisadoras Democracia & Participação. Além deste texto, foram produzidos outros. Em todos eles, procura-se sistematizar alguns dos debates que têm circulado na universidade em torno daquele tema. Os textos são curtos e refletem pontos de vistas do (a) autor (a). Por isso são assinados. No horizonte que anima esta experiência está a aposta no aprofundamento do diálogo entre a universidade e os movimentos sociais. Juntos, buscamos enfrentar o desafio de construir uma comunicação significativa na defesa da democracia e da justiça social.

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