Cortes no orçamento de 2019 impedirão a construção de 79,5 mil moradias populares

Cristiane Sampaio

Movimentos populares que atuam pelo direito à moradia aumentaram o nível de alerta em relação ao governo Michel Temer (MDB), nos últimos dias.

Em reunião ocorrida na última quinta (9), no Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), em Brasília (DF), lideranças foram informados que, no orçamento de 2019, não haverá verba para contratar a construção de 29.500 unidades habitacionais do programa “Minha Casa, Minha Vida – Entidades”.

O número trata de uma promessa feita pelo ministro das Cidades, Alexandre Baldy, durante a Marcha Nacional pelo Direito à Cidade, na capital federal, em junho deste ano.

Além disso, o governo informou que o orçamento também não irá comportar a contratação de 50 mil habitações rurais – outro ponto acordado entre Baldy e os segmentos populares.

A política nacional da habitação está paralisada desde o golpe de 2016. A insatisfação dos movimentos se insere no contexto de acirramento da disputa orçamentária no Executivo, resultante do atual ajuste fiscal promovido por Temer.

Nos bastidores, o governo prepara a proposta orçamentária de 2019, que será encaminhada ao Legislativo no final deste mês. De acordo com Evaniza Rodrigues, da União Nacional por Moradia Popular, o Executivo informou aos militantes que a ideia inicial do MPOG é liberar R$ 6,2 bilhões em verbas para todas as áreas do Ministério das Cidades, que incluem habitação, saneamento e mobilidade urbana.

O dado, por enquanto, é extraoficial, mas deixa os movimentos populares em estado de vigilância, especialmente, por conta dos desdobramentos do ajuste fiscal, previsto para durar 20 anos.

“É um efeito concreto da PEC dos Tetos de Gastos e esse cenário vai se reproduzir em todas as áreas. Isso só reitera a falta de qualquer compromisso desse governo com a população mais pobre”, critica a militante.

Baixa renda

Segundo estudo feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) em 2015, a partir de dados oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o país tem um déficit habitacional de 7,7 milhões de moradias.

Não há pesquisas mais recentes que ajudem a mensurar o problema, mas Evaniza Rodrigues destaca que cerca de 90% desse total são de pessoas com renda menor que três salários mínimos, faixa que vem sendo mais prejudicada pela paralisação da política habitacional.

“Elas não têm outra alternativa pra buscar moradia. Ou é moradia irregular, precária, insalubre, em [situação de] risco, que elas acessam pelos seus próprios esforços, ou é programa publico”, destaca.

É o caso da assistente social Sandra Kocura, que não tem condições de acessar o mercado imobiliário. Moradora da Zona Leste de São Paulo, ela está inscrita em programas habitacionais há cerca de 15 anos e, atualmente, mora de favor na casa de uma amiga por não ter mais condições de pagar aluguel.

A informação extraoficial do governo sobre a impossibilidade de construção das casas frustrou ainda mais a assistente social, que é mãe solteira e cuida de um filho de 10 anos.

“Nós, como trabalhadores, somos violentados cotidianamente em tudo. Não há interesse político em se criar políticas habitacionais para garantir esse direito [à moradia]. É o Brasil das profundezas da desigualdade”, desabafa.

Consequências

Diante da notícia do governo, os movimentos populares projetam uma piora na situação habitacional do país, com aumento das ocupações e de moradias em áreas de risco.

“Você deixa uma bomba-relógio pra quem assumir [o próximo governo] ter que começar tudo do zero, porque nem orçamento eles vão deixar”, critica Evaniza Rodrigues.

Conselho

Outra queixa dos movimentos de habitação diz respeito ao Conselho das Cidades, que foi extinto no ano passado por meio de um decreto assinado pelo então ministro das Cidades, Bruno Araújo (PSDB).

A Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam), que reúne cerca de 20 mil entidades, destaca que o órgão tinha papel de relevância para o campo popular porque viabilizava o planejamento de políticas urbanas por meio do diálogo coletivo.

“O Conselho era o único espaço de controle social na aplicação e na elaboração dessas políticas. A gente voltou mais de 20 anos nesses dois do governo Temer”, critica o presidente da Conam, Getúlio Vargas Júnior.

O retorno do Conselho também era uma promessa do ministro Alexandre Baldy, feita durante a Marcha Nacional pelo Direito à Cidade, mas Vargas destaca que até agora o acordo não se efetivou.

“Não tenho nenhuma resposta efetiva. A gente tem expectativas e a nossa mobilização, mas retorno do governo, nenhum”, destaca.

Governo

O Brasil de Fato procurou a assessoria de imprensa do Ministério das Cidades para tratar das críticas feitas pelas fontes ouvidas nesta reportagem, mas não obteve retorno até o fechamento da matéria.

Edição: Tayguara Ribeiro

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