É hora de denunciar o capitalismo e levantar teses clássicas da esquerda

Roberto Amaral

Eleições de 2018 não podem ser quaisquer, uma gincana cata-votos para cumprir com papel histórico: devem ser ápice de campanha programática

 

É evidente que a esta altura da conjuntura e dos percalços de toda ordem, a prioridade das forças democráticas – pulverizadas em mil e uma tendências – deve  ser as eleições de outubro, o caminho mais rápido, mais eficiente (e de opção) para a retomada do Estado de direito democrático com a preeminência dos interesses nacionais e populares, sotopostos desde o golpe de 2016, articulado para esse fim.

Não se espere, porém, ‘céu de brigadeiro’ nessa trajetória que nos cobrará, mais que nunca, ‘engenho e arte’ e grandeza de espírito, que reúne firmeza de propósitos com a coragem de transigir.

Superando as divergências secundárias, respeitados mesmo os diversos projetos eleitorais, devem estar politicamente unidas as forças que apostam no avanço social e têm a via democrática como tática de conquista do poder. O rio é sempre o mesmo, e caminhamos para o mesmo destino mesmo quando navegamos em margens distintas.

A questão é esta: conhecer o destino, marchar na direção do mesmo porto, que, na atual contingência, é a realização das eleições de outubro, abrindo caminho para a reorganização do Estado, com a revisão e revogação das medidas antinacionais do governo Temer – algo que precisa ficar bem claro na voz de nossos candidatos.

O projeto é este: resgatar o Estado para que ele seja,  nas circunstâncias dadas, instrumento dos interesses da grande maioria do nosso povo, exatamente o oposto do que hoje ocorre.

Para cumprirem com sua necessidade, essas eleições servirão como uma consulta plebiscitária que, ao tempo em que condenará o statu quo (o governo de fato resultante do golpe de 2016), anunciará a opção nacional por uma ordem político-econômica antípoda, sustentada pelas massas emergentes do lulismo que voltarão a falar, votando com as forças progressistas –  se nosso discurso voltar a falar à alma dos despossuídos.

Mas essa unidade não cairá do céu, haverá de ser tecida; o mínimo necessário é reunir as forças populares e democráticas – aqui representadas por Lula, Ciro, Boulos e Manuela – em torno de um projeto de país (nada a ver com programa de governo), o azimute da campanha comum que, orientando as grandes massas, evitaria a disputa autofágica, fratricida, tão ao gosto das esquerdas brasileiras.

Este, o caminho: a partir da unidade política, da grande política no melhor sentido gramsciano, construir as bases da unidade eleitoral, no primeiro turno se for necessária para assegurar nossa presença no segundo turno; no segundo turno, para assegurar a vitória de um candidato de centro-esquerda, independentemente dos  limites da limitada ordem partidária que artificialmente nos condiciona.

Esta unidade política – mais importante que a unidade eleitoral, por ela precedida – é, ademais, indispensável para garantir não apenas o pleito, mas, com ele, um processo eleitoral sem casuísmos, sem manipulações, sem exclusões, sem vetos, sem pré-cassações, sem pré-impeachments, ou seja, livre dos recursos de que usualmente lança mão a casa-grande sempre que se vê ameaçada de perder o poder, que raramente conquista pelas vias legais da democracia representativa.

Para esse enfrentamento, que é o desafio de hoje, precisamos alargar quanto possível nossa aliança, aberta a todas as forças que defendem a ordem democrática como princípio.

A cada dia que passa, a cada dia em que mais nos aproximamos do chamamento de outubro, mais se consolida o processo eleitoral, ou seja, mais difícil se apresenta, para as forças do atraso – poderosíssimas.  ninguém se engane –  melar a disputa, pois a cada dia aumenta a rejeição popular ao governo de fato, a cada dia mais se aprofunda o fracasso político-econômico do governo, e a cada dia mais se esvaziam as perspectivas de vitória eleitoral das forças conservadoras, ressalvada a ascensão do capitão fascista, cuja emergência, trajetória e significado político cobram nossa reflexão.

As forças populares e seus partidos, o movimento social, independentemente desta ou aquela candidatura, devem voltar às ruas (no seu sentido mais extenso) e os candidatos de nosso campo devem antecipar suas campanhas, por todos os meios possíveis, pois o tal ‘mercado’ já se movimenta.

Em 1989, para derrotar  Luiz Inácio Lula da Silva (que disputava o segundo turno com Fernando Collor), o então presidente do Fiesp (sempre ela!), Mário Amato, saiu de seus cuidados para declarar que, se Lula ganhasse as eleições, ‘800 mil empresários iriam deixar o país’. Agora, a chamada grande mídia, uníssona como de hábito, já está a falar em ‘risco eleitoral’. O Estadão, solitário na defesa do presidente mamulengo (os cordéis estão na Avenida Paulista), reclama da “incerteza eleitoral levando o mercado a mais tensão.”

O quadro de instabilidade econômica e política, segundo o jornalão, resulta da “dificuldade de um nome de centro avançar nas pesquisas eleitorais” (Estadão, 10/06/2018), e o grande trauma são os pés de chumbo do ex-governador paulista, candidato a candidato do PSDB. Evidentemente, na linguagem do jornal paulista, ‘centro’ é o eufemismo de direita.

De fato, as eleições reclamadas pela República são o espectro que ronda as noites palacianas, e tira o sono de um mercado parasita, sem compromissos com o país e muito menos com seu povo. Por isso mesmo é sempre bom cuidarmos dos conselhos dos velhos mineiros: prudência e canja de galinha não fazem mal a ninguém.

Mas essas eleições, realizadas como devem, acatado o veredito popular (a que sempre resiste a direita, como reagiu à eleição de Vargas em 1950, de JK-Jango em 1955 e de Dilma Rousseff em 2014) serão, igualmente, o pleito que poderá reunificar a nação no reencontro com seu destino de soberania e liberdade, desenvolvida, independente, voltada para a construção de uma sociedade em permanente busca da igualdade social.

Essas eleições, portanto, não são, não podem ser, eleições quaisquer, mais uma gincana de cata-votos; para cumprir com seu papel histórico, deverão ser o ápice de uma campanha programática, de discurso transparente, sem concessões, uma discussão franca e didática sobre visões de mundo e projetos de país. Sem medo de denunciar o capitalismo e levantar as teses clássicas da esquerda.

Esta é a prioridade.

Não se trata mais, portanto, de expelir do Palácio do Jaburu seu atual inquilino, indesejável tanto quanto os sublocatários que levou consigo, senão de tratar de sua sucessão, e, desta feita, e mais do que nunca, de investir tanto na vitória da esquerda no pleito presidencial e no maior número de governos estaduais, quanto na eleição de um Congresso legítimo, representativo e progressista.

A lição de 2016 revelou o erro das esquerdas de secundarizar as eleições parlamentares: deu no que deu. A direita, com seu sucesso, aprendeu antes a importância de controlar o Congresso.

Mas essa gente, os inquilinos do Jaburu, que ainda detêm as rédeas do poder formal,  pode permanecer à solta, até dezembro, destruindo o país?  Não, essa gente não pode continuar a dilapidar as conquistas econômicas e sociais dos últimos 80 anos. Impõe-se uma ampla articulação da sociedade para estancar o desmonte.

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