“O Facebook já não tem controle do que acontece com os dados dos usuários”, diz ex-diretor

Pablo Bejerano

No ano passado, quando faltavam vários meses para que explodisse o escândalo da Cambridge Analytica, Sandy Parakilas já publicava um artigo no The New York Timespedindo um maior controle sobre o Facebook. Falava com a autoridade de ter sido diretor de Operações de Plataforma dessa rede social entre 2011 e 2012.

Nas últimas semanas, a crítica de Parakilas se transformou em um “eu te disse”, mas sem autocomplacência nem descaramento. Hoje diretor de produto do Uber e assessor da ONG de defesa da privacidade Center for Humane Technology, Parakilas passou por Madri para participar do ciclo de conferências Tech & Society, organizado pelo Aspen Institute da Espanha e pela Fundação Telefónica. De olhos vivazes e palavras rápidas, o ex-executivo do Facebook salienta as fissuras da rede social e avalia a influência da mal afamada Cambridge Analytica nas eleições norte-americanas de 2016.

Pergunta. A partir de sua experiência no Facebook, como diria que é a precisão do perfil que a rede social tem de cada um de nós?

Resposta. Acho que é muito preciso e está se tornando cada vez mais preciso. Uma das coisas nas quais estão trabalhando, que me preocupa e que se revelou recentemente é que estão construindo inteligência artificialque pode predizer suas futuras ações. Isto significa que têm tanta informação sobre você e tanta habilidade para entender essa informação que podem usar isto para predizer coisas que você irá fazer, antes mesmo que você as faça. E depois vão liberar essa possibilidade aos anunciantes.

P. Você comentou que, quando trabalhava no Facebook, a empresa não podia controlar os dados que saíam de seus servidores para os desenvolvedores. Como é o processo?

R. Não só não podia controlá-los como tampouco podia ver o que se fazia com esses dados. O Facebook recolhe informação sobre o usuário, por exemplo quando o rastreia ao navegar na Internet. E se um desenvolvedor construir um aplicativo do Facebook, o usuário tem que autorizar no aplicativo as permissões para que o desenvolvedor recolha dados. Quando o usuário diz que sim, esses dados passam do Facebook para o desenvolvedor. E é informação pessoal que serve para identificar usuários individualmente.

P. E uma vez que os dados estão nas mãos do desenvolvedor?

R. O Facebook já não tem nenhum controle nem registro sobre o que acontece com esses dados. A companhia tem regras pelas quais os desenvolvedores devem se guiar, mas alguns as violam, e o Facebook não tem como garantir que as regras sejam cumpridas nem como saber quando são violadas.

P. Como diretor de Operações de Plataforma no Facebook, você afirma que transmitiu a outros diretores a necessidade de fiscalizar o que os desenvolvedores faziam com os dados. Qual foi a resposta?

R. Nunca disseram especificamente “pare de tentar sensibilizar a respeito”. Inclusive havia gente dentro da companhia que apoiava esses esforços, como a equipe de segurança e privacidade. Mas a empresa não fez as mudanças necessárias para proteger as pessoas.

P. Alguma vez tentou-se saber o que acontecia com esses dados, ou se havia um mercado negro de venda de informação entre os desenvolvedores?

R. Quando a empresa foi informada de abusos, não chegou a investigar em profundidade. Minha opinião é que não queriam saber, porque se soubessem todos os detalhes do que estava acontecendo então estariam legalmente obrigados a assegurar que esses abusos parassem. Mas, se não sabiam, podiam argumentar que outros estavam fazendo algumas coisas sem seu conhecimento na plataforma, e que não era culpa dela.

P. Que relação esses buracos na privacidade têm com a essência do Facebook e de outros gigantes do Vale do Silício?

R. As companhias tecnológicas, especialmente as de software, se guiam por uma grande quantidade de dados. Precisam de dados para treinar seus algoritmos, para entender o que seus usuários estão fazendo ou o que potencialmente querem. Acho que o principal problema é que seu modelo de negócio incentiva a recolher a maior quantidade de dados possível. A fazer com que seus usuários utilizem suas telas e seus aplicativos ao máximo e, depois vender essa atenção a terceiros.

P. A não ser que sejam obrigados mediante regulação. Essas companhias não têm vontade de ter um maior controle de seus dados?

R. Têm um incentivo, que é não ficarem em expostos na imprensa ou perante os reguladores por terem permitido um abuso. Mas se ninguém souber o que acontece, então não se preocupam muito.

P. Até que ponto é grave o escândalo da Cambridge Analytica?

R. Não foi provado, mas muita gente afirmou que a informação da Cambridge Analytica foi utilizada pela campanha de Trump para se dirigir às pessoas com anúncios durante as eleições de 2016. Parece cada vez mais provável que algo similar tenha sido feito na votação do Brexit. E isto é muito preocupante, porque você tem esta coleção de dados adquiridos ilegalmente e que foi usada para fazer previsões por gente que se gabou de usar táticas muito perigosas. A campanha de Trump alardeou publicamente que favoreceu a supressão do voto, tratando de convencer afro-americanos, mulheres e gente progressista a não votar.

P. O escândalo da Cambridge Analytica ligado à campanha de Trump se soma às fake news e aos anúncios políticos mal intencionados provenientes de fontes russas…

R. É uma confluência de coisas que estão mal. Tem desinformação, que, seja ou não criada intencionalmente, tem sido mais recomendada que a informação autêntica pelo Facebook, mas também pelo YouTube e o Twitter. Depois tem o fato de que os anunciantes não são verificados, então há agentes estrangeiros que tratam de fazer coisas ilegais. Também tem as bolhas de filtro, o fato de que as pessoas só veem informação que confirma sua visão do mundo, em vez de obter um amplo espectro de informação. Depois você tem o conteúdo abusivo e problemas de privacidade. Assim, você tem um grupo grande de diferentes problemas que se juntaram nos últimos meses.

P. Você acredita que o Facebook desempenhou um papel no resultado das últimas eleições dos Estados Unidos?

R. Acredito que está muito claro que o Facebook foi um dos fatores mais importantes no sucesso de Donald Trump. Acho difícil especular o que teria ocorrido se o Facebook não existisse, mas acredito que está claro que teve um impacto significativo.

P. É necessário regular o Facebook a partir do Poder Legislativo para evitar estes riscos?

R. Sim. Acredito que, sem regulação, as companhias não têm nenhum incentivo para corrigir muitos destes problemas. Continuarão simplesmente tentado arrumar a parte menor do problema para que as pessoas deixem de falar disso, porque estão ganhando dinheiro demais para que queiram enfrentar o problema principal.

P. As mudanças que o Facebook fez nos últimos anos e meses disfarçaram a questão?

R. A arquitetura não mudou, então existe o mesmo problema, que é perderem o controle dos dados quando estes passam aos desenvolvedores. O que mudou é a quantidade de informação passada para eles. E também eliminaram a permissão para obter dados de amigos em 2015, de modo que agora só se pode obter informação de gente que usa seu aplicativo. O problema é que deveriam ter feito estas duas coisas desde o começo.

P. Por que a empresa deixa que a informação escape tanto do seu controle, se aparentemente o seu negócio se baseia em que os anunciantes, para segmentar sua publicidade, usem os dados da sua plataforma, sem tirá-los de lá?

R. Isso é em parte verdade, e em parte, não. O Facebook tem uma ferramenta chamada Custom Audiences, que permite aos anunciantes trazerem seus próprios dados e usá-los. A campanha russa, que se dirigiu às eleições norte-americanas de 2016, e a própria campanha de Trump utilizaram a funcionalidade do Custom Audiences extensivamente. Assim, teriam criado suas coleções de dados a partir de outras informações, nem sequer do Facebook, e teriam introduzido isto no Facebook porque lá se pode encontrar alguém com grande precisão.

P. Que vantagem competitiva ganha um anunciante utilizando dados do exterior?

R. Abre-se um novo vetor de ataque onde ele pode pegar dados que não estão relacionados com o Facebook e segmentá-los de formas abusivas para se dirigir a pessoas de uma determinada raça, etnia ou grupo religioso. Pode se dirigir só a essas pessoas, em grupos muito pequenos, com anúncios muito específicos, desenhados para manipular só esse pequeno grupo. Acredito que a chave do problema seja que os anunciantes têm estas ferramentas incrivelmente poderosas, que podem usar de forma muito perigosa. Mas não há suficiente transparência nem controle para prevenir os piores cenários.

P. Atualmente o Facebook não é só uma rede social, mas sim, sob o guarda-chuva da mesma companhia, uma família de serviços, como Instagram e WhatsApp. Isto piora as coisas?

R. É um risco muito maior. Uma das coisas que deveríamos buscar é que esses serviços adicionais se separassem do Facebook, ou que a empresa não pudesse compartilhar dados entre o Facebook, Instagram, WhatsApp, Oculus etc.. Parece que estão intercambiando dados entre esses serviços e isto é ruim para os usuários. Você pode ser alcançado com anúncios no Instagram mesmo se quase nunca o abrir, porque podem usar sua informação do Facebook para isso.

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