De pai para filho, as “capitanias hereditárias” do Congresso

 

Na palestra em que criticou as duas principais mudanças tramadas na Câmara para a reforma política – a forma de eleger deputados e vereadores e a criação de um fundo para bancar campanhas – o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também atacou duramente o atual sistema político e eleitoral brasileiro, chamado por ele de “falido”. “O problema desse sistema eleitoral é que renova muito, mas com o mesmo perfil de voto: igrejas num segmento, agronegócio em outro e máquina pública em muitos estados. Renova-se quase 50% da Câmara, mas, efetivamente, há pouca renovação”, declarou na última sexta-feira (11).

 

Em seu diagnóstico, Maia se esqueceu de apontar o expressivo segmento do qual ele faz parte: o das famílias que se revezam no comando da política do país. Levantamento da Revista Congresso em Foco revela que pelo menos 378 parlamentares têm laços familiares com outros políticos, de menor ou maior envergadura. Entre eles, ao menos 69 são de 33 famílias que ocupam, ao mesmo tempo, mais de uma cadeira na Câmara e no Senado. São pais, filhos, casais, tios, sobrinhos, primos,

 

Dia dos Pais

 

Nas comemorações deste domingo (13), Dia dos Pais, pelo menos 12 parlamentares serão presenteados por colegas que são, também, seus filhos. É o caso dos senadores Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), Benedito de Lira (PP-AL), Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), Fernando Coelho Bezerra (PSB-PE), Garibaldi Alves (PMDB-RN), João Alberto Souza (PMDB-MA), José Agripino e Vicentinho Alves (PSD-TO). Pais, respectivamente, dos deputados Valadares Filho (PSB-SE), Arthur Lira (PP-AL), Pedro Cunha Lima (PSDB-PB), Fernando Coelho Filho (PSB-PE) – atual ministro de Minas e Energia – , Walter Alves (PMDB-RN), João

 

Dois suplentes já ganharam a cadeira no Senado como presente dos filhos nos últimos anos. É o caso de Reditário Cassol (PP-RO) e Assis Gurgacz (PDT-RO), que já experimentaram o gosto de ser senador por alguns meses, mesmo sem ter recebido um voto sequer, na condição de substitutos de seus herdeiros, os senadores Ivo Cassol (PP-RO) e Acir Gurgacz (PDT-RO). O inverso também se dá: o senador Edison Lobão (PMDB-MA) já emprestou o gabinete a Lobão Filho (PMDB-MA), seu suplente e filho, enquanto, licenciado do Senado, comandava o Ministério de Minas e Energia, nos governos Lula e Dilma.

 

Pré-candidato à Presidência, o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) tem um colega para chamar de seu: o filho Eduardo Bolsonaro (PSC-SP), também deputado. Policial federal, Eduardo surpreendeu nas últimas eleições ao receber 82 mil votos em sua primeira corrida eleitoral. Valeu-se da popularidade do pai com seu sobrenome tão famoso quanto polêmico. Filiados ao mesmo partido, pai e filho representam estados diferentes e, por isso, não disputam votos.

 

Na Câmara desde 1991, Jair Bolsonaro tem outros dois filhos políticos: Flávio, que é  deputado estadual, e Carlos, vereador. Com o mesmo perfil e discurso conservador, a família tem mandatos em exercício do que cinco partidos políticos em todo o país (PSTU, PCO, Novo, PCB e PPL).

 

Um perfil de Jair Bolsonaro, o político e o homem, e o levantamento que revela que seis em cada dez congressistas têm parentes na política estão entre os principais assuntos da nova edição da Revista Congresso em Foco. Para acessar o conteúdo completo da publicação, clique aqui.

 

Do pai ao tarataravô

 

De pai para filho, a família Andrada está em sua quinta geração no Congresso com o deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), que, aos 87 anos, é o mais idoso entre os 594 congressistas. Deputado federal desde 1979 (hoje em seu décimo mandato), Bonifácio é filho do ex-presidente da Câmara José Bonifácio Lafayette de Andrada, neto do ex-deputado José Bonifácio de Andrada e Silva e bisneto do ex-deputado e ex-senador Antônio Carlos Ribeiro de Andrada (III).

 

O trisavô dele, Martim Francisco Ribeiro de Andrada (1775-1844), presidiu a Câmara em 1831 e 1842. Casou-se com a sobrinha Gabriela Frederica Ribeiro de Andrada, filha de José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), o Patriarca da Independência. Deputado entre 1830 e 1833, José Bonifácio foi o primeiro da dinastia a chegar ao Parlamento, ainda no tempo das Cortes Portuguesas, em 1821, um ano antes da Independência. O “Patriarca” é, ao mesmo tempo, avô e tio-avô do

 

Desde 1894, não houve uma legislatura sequer em que não houvesse um Andrada no exercício do mandato. Da família saíram 15 deputados e senadores, quatro presidentes da Câmara, oito ministros de Estado e dois ministros do Supremo, além de governadores, prefeitos e vereadores.

 

“É o DNA que empurraram pra cima da gente e a psicologia do cenário. Tal como o filho de carpinteiro tem mais habilidade para mexer com serrote e martelo, o filho de político também tem para a vida pública”, diz. E, no que depender de Bonifácio de Andrada, o “DNA” e a “psicologia do cenário” continuarão ditando o poder da família. Ele já prepara um neto, hoje vereador em Belo Horizonte, e um filho, deputado estadual em Minas, como seus sucessores. Se os planos dele derem certo, a família poderá chegar à inacreditável sétima geração no Congresso.

 

Negócio de família

 

O cientista político Ricardo Costa Oliveira, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), observa que, em vez de diminuir, a influência do parentesco na política, herança da colonização portuguesa, tem crescido no país, principalmente por causa do encarecimento das campanhas eleitorais.

 

“A política é cada vez mais um negócio de família no Brasil. As eleições estão cada vez mais caras. Muitos políticos bem sucedidos têm de organizar e  possuir uma estrutura de dinheiro, uma estrutura familiar política para beneficiá-los. Os candidatos mais fortes e com boas condições de elegibilidade concentram mais dinheiro e muitas vezes contam com a família na política. Isso é um fenômeno também de reprodução do poder político”, explica o professor.

 

Nesse ciclo vicioso, sobra pouco espaço para renovação de nomes e ideias. “No atual sistema político, só se elege quem é profissional, quem tem muito dinheiro, quem tem muita estrutura. Quem é amador,  político novo, só com suas idéias, não consegue se eleger de primeira vez, ressalvadas as exceções. Somos uma república de famílias”, avalia o professor, que estuda o tema há mais de 20 anos. Esse tipo de relação não se restringe ao Congresso e à política.

 

Para o professor José Marciano Monteiro, da Universidade Federal de Campina Grande, na Paraíba, não há como compreender o Brasil sem analisar as relações entre família e política. “Não existe a renovação que muitos cientistas políticos apontam no Congresso. Há renovação de agentes que pertencem às mesmas famílias, têm os mesmos hábitos, visão de mundo e práticas dos antecessores. As eleições apenas legitimam esses grupos”, argumenta o cientista social. Segundo ele, a concentração do poder político em  poucas famílias impõe ao Brasil uma agenda refém de interesses privados, favorece as desigualdades econômicas e sociais e a corrupção.

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