Os ciclos de protestos no Brasil têm sempre orientação política clara, vinculada diretamente à expectativa de se influenciar a decisão do
Congresso sobre uma decisão crucial. Foi assim em 1984 com a luta pelas Diretas, em 1992 com o impeachment de Fernando Collor e em
2015/6 com o impeachment de Dilma Rousseff. A exceção foi junho de 2013, onde não havia um objetivo claro, mas uma explosão de
indignação contra os políticos e o mal uso de recursos públicos.
2014 foi um ano quase sem protestos. As forças sociopolíticas à esquerda e à direita se dedicaram às eleições. Dilma vence nas urnas, mas o
pedido de impugnação da chapa Dilma-Temer protocolado pelo PSDB abre a possibilidade de um novo ciclo de mobilização política, tonificado
pelas revelações da Operação Lava-Jato contra políticos petistas e da base do governo.
A aversão ao PT, a Lula e a Dilma explicam o sentido político fundamental da retomada das ruas em 2015 e 2016, engrossada pelo sentimento
difuso anticorrupção. Os grupos à esquerda que também ocuparam as ruas o fizeram como resposta às manifestações antipetistas e em defesa de
Dilma. A pressão sobre o Congresso se fazia nas ruas.
Após o impeachment, os protestos pelo “Fora Temer” se embasaram na denúncia do “golpe parlamentar”, termo utilizado pelos manifestantes
para caracterizar a decisão do Congresso. As ruas se mobilizaram também contra a PEC do Teto do Gasto e contra a reforma trabalhista e
previdenciária. As ruas encheram, mas não a ponto de mudar a posição do centro político pró-reformas e veio a derrota.
Os grupos do “Fora Dilma” não lutarão pelo impeachment de Temer pois seu objetivo fundamental era retirar o PT do poder. Os grupos do “Fora
Temer” perceberam que Brasília é surda às suas demandas e pouco se animam a trocar Temer por outro membro da coalizão governista.
Aqueles que simplesmente se indignam contra a corrupção generalizada mas estão distantes dos grupos politicamente organizados acendem uma
vela a “São Moro” e esperam que um salvador da pátria apareça em 2018.
As ruas estão vazias porque deixaram de ser o palco dos embates políticos relevantes para o país. Facções à direita e à esquerda buscam se
posicionar para o próximo embate eleitoral.
Isso não quer dizer que as ruas não possam explodir novamente a qualquer momento se a crise se mantiver e Temer decidir por mais cortes das
políticas sociais e aumento de impostos e tarifas públicas. Afinal, de 2013 até hoje já perdemos muito mais do que 20 centavos.
Wagner Romão é professor do Departamento de Ciência Política da Unicamp e coordenador do Núcleo de Pesquisas em Participação,
Movimentos Sociais e Ação Coletiva (Nepac).