Nota Pública sobre o Massacre do Carandiru – IBCCRIM

O Instituto Brasileiro de Ciências Criminais ( IBCCRIM) publicou Nota Pública sobre o julgamento do massacre do Carandiru.

Confira:

Nota Pública

O Instituto Brasileiro de Ciências Criminais foi fundado em 14 de outubro de 1992, doze dias após o massacre do Carandiru. A repercussão nacional e internacional diante da violência policial, que deu cabo à vida de cento e onze presos desarmados e sem nenhuma possibilidade de defesa, foi uma das causas que conduziu à reunião de juízes, promotores e advogados numa entidade que se propôs denunciar todos os atos ilimitados de repressão policial. O Estado de Direito, instalado a partir da Constituição Federal de 1988, não poderia mais suportar o retorno de arbitrariedades policiais próprias de um regime militar, de evidente conotação autoritária.

Custa crer que, quase vinte e quatro anos após, viesse a 4.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, por maioria de votos, anular as condenações proferidas pelo Tribunal do Júri em relação a setenta e quatro policiais militares envolvidos na horrenda chacina.

A anulação de sessões do Tribunal do Júri, com base nos votos vencedores e com suporte no fato de que as decisões tomadas pelos jurados foram manifestamente contrárias às provas dos autos revela-se equivocada e propicia a reabertura de julgamentos tantos anos após o massacre, dando azo a dificuldades na reconstituição de provas e risco de eventual prescrição.

Além disso, a circunstância do Cel. Ubiratan Guimarães, comandante dos policiais-militares, ter sido absolvido pelo Tribunal de Justiça, sob fundamento da causa excludente de ilicitude do estrito cumprimento de dever legal, não justifica a extensão dessa decisão aos seus comandados pelo mesmo suporte legal. Antes de tudo, porque a matéria não foi alvo de nenhum exame em Instância Superior em razão de seu falecimento. Depois, porque o dever, imposto por regra de direito positivo, deve ser cumprido sem exorbitância. E a ação policial deve guardar absoluta imprescindibilidade quanto ao uso dos meios empregados e deve ainda obedecer ao critério da proporcionalidade. A matança indiscriminada de presos não se acomoda à excludente de antijuridicidade invocada.

Por fim, não tem o menor cabimento, com base no voto vencido, que se estenda, por meio de habeas corpus de ofício, a decisão absolutória relativa a três dos policiais militares julgados pelo Tribunal do Júri. Não há como alargar a área dessa conclusão para efeito de alcançar os demais policiais-militares condenados.

A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri tem assento constitucional ( art. 5º, XXXVIII, c) e não poderá a opinião de um único julgador, mesmo de Instância Superior, sobrepor-se a tal entendimento. Não se alegue que, no caso em tela, impõe-se a adoção da teoria monista ou unitária, que não efetuava nenhuma distinção entre autor, coautor ou participante.

Desde l984, tal teoria ensejou temperamentos relevantes na medida em que admitiu a existência de graus na participação. Isto significa, com base nos princípios constitucionais da culpabilidade e da dosimetria da pena, que a conduta de cada concorrente deverá ser penalmente mensurada.

Tal posicionamento reflete, de forma oblíqua, a necessidade de fixar penas que não sejam necessariamente iguais ao autor e ao partícipe, e os parágrafos do art. 29 do Código Penal demonstram a aproximação da teoria monista da teoria dualística ao determinar a punibilidade diferenciada da participação.

Não há ainda cogitar, no caso em exame, da excludente de ilicitude da legítima defesa porque não há nada que demonstre ter havido no caso reação legítima e proporcional a uma injusta agressão contra a vida de policiais militares, portadores de armas de grande calibre. Ao contrário, se há algo incontroverso é a desnecessidade e a imoderação da repulsa desses agentes públicos que, em verdade, não repeliram nenhuma ação ofensiva, mas tomaram a iniciativa de eliminar, com requintes de crueldade, um avultado número de presos.

É lamentável que o Poder Judiciário de São Paulo procure legitimar, por meio de um julgamento tardio e sob os mais variados pretextos, o assassinato generalizado de pessoas indefesas. Com isso, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais não pode concordar e, por tal motivo, lança seu veemente protesto. Não há mais espaço, num Estado Democrático, para a consagração judicial da letalidade do aparelhamento policial.

 

 

Fonte: IBCCRIM

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