Apesar da tragédia em Mariana, senadores querem facilitar licenciamento ambiental de grandes obras

Avança a passos rápidos no Senado um projeto de lei (PLS 654/2015) que flexibiliza a concessão de licenciamento ambiental para grandes obras, aquelas classificadas como “estratégicas” pelo governo brasileiro. Se encaixam nessa categoria usinas hidrelétricas, rodovias, hidrovias, portos, aeroportos, linhas de transmissão e comunicação. A proposta cria um “rito sumário”, de aproximadamente oito meses, para liberação desses empreendimentos. A medida ainda exclui necessidade de realização de audiências públicas com as comunidades afetadas.

“É justamente para esses empreendimentos que se deve realizar um processo mais rigoroso”, afirma Maurício Guetta, advogado do Instituto Socioambiental (ISA). Aprovado na última quarta-feira (25) na Comissão Especial de Desenvolvimento Nacional, o projeto também deverá passar em plenário e depois seguirá para a Câmara dos Deputados, o que deve ocorrer ainda este ano.

De última hora, quando o projeto era analisado na comissão, o relator Blairo Maggi (PR-MT) acatou sugestão do autor do proposta, Romero Jucá (PMDB-RR), e retirou da categoria de obras a “exploração de recursos naturais”, como, por exemplo, a extração de minério. Para Maurício Guetta, a manobra foi uma tentativa de evitar uma repercussão negativa da proposta frente à tragédia ocorrida em Mariana (MG), há 15 dias, após o rompimento da barragem da mineradora Samarco, que despejou o equivalente a mais de 20 mil piscinas olímpicas de lama de rejeitos metálicos no meio ambiente, que destruiu comunidades inteiras, poluiu a bacia do Rio Doce e levou lama até o oceano Atlântico. Até agora, foram registradas 12 mortes e 11 pessoas seguem desaparecidas. O abastecimento de água está comprometido para mais de meio milhão de pessoas.

Sem debate

O PLS 654 está no pacote da chamada “Agenda Brasil”, proposta pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), mas que, segundo movimentos sociais, prevê medidas que afetam direitos trabalhistas, privatizam a saúde e comprometem o meio ambiente. “Esse projeto passou pela comissão em sessão que teve quórum baixíssimo e não foi debatido em nenhuma outra comissão do Senado”, critica Guetta. O advogado prevê o agravamento dos conflitos ambientais com o dispositivo que exclui a necessidade de audiências públicas com as comunidades afetadas pelas obras. “O licenciamento também é um instrumento onde os conflitos entre os envolvidos no empreendimento devem ser resolvidos”, explica. Ele cita o caso da remoção de populações para a construção de barragens e os efeitos das grandes obras. “A construção da usina de Belo Monte fez dobrar a população de Altamira (PA), o que afetou serviços públicos de saúde e educação. É no licenciamento ambiental que todos esses impactos são avaliados”.

Repercussão internacional

A tentativa de flexibilizar o licenciamento ambiental de grandes obras no Brasil ocorre em meio a um esforço mundial pela preservação do meio ambiente e controle das mudanças climáticas, cuja discussão será feita por chefes de Estado de todo o mundo na 15ª Conferência da Partes (COP-15), em Paris (França), agora em dezembro. Da forma como está, argumenta Maurício Guetta, do ISA, o PLS 654 “viola claramente” a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, uma vez que afeta direitos de povos indígenas e tradicionais frente ao impacto de grandes obras. É o caso da usina São Luiz dos Tapajós, com previsão de inauguração em 2020. O empreendimento vaia lagar uma área gigantesca e riscar do mapa terras do povo Munduruku.

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