“A política deve ser uma atividade pública, não pode ser financiada por dinheiro privado”, diz ativista

 

Depois de muitos meses de espera, a sociedade pôde comemorar uma decisão que é capaz de mudar o rumo das campanhas políticas no Brasil. O Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou que o financiamento empresarial é inconstitucional, ou seja, passa a ser proibido.

Segundo explica José Antonio Moroni, integrante do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, essa decisão já vale para as eleições municipais do ano que vem.

Em relação aos projetos que ainda estão em votação no Congresso, Moroni acredita que eles não podem passar por cima da decisão do tribunal. Ele destaca, no entanto, que ainda há várias outras questões a serem enfrentadas para se efetivar uma verdadeira reforma política no país.

Brasil de Fato – O Supremo Tribunal Federal decidiu que o financiamento empresarial de campanha é inconstitucional. O que isso quer dizer?

José Antonio Moroni – Pesquisas demonstram que 79% da população apoia o fim do financiamento empresarial das campanhas e partidos. O financiamento empresarial, além de fonte de corrupção, é um desvirtuamento da vontade popular. O tema foi levado ao STF por se tratar de uma questão que está na Constituição. O Congresso, durante décadas, se recusou a votar qualquer item importante da reforma política, ficando em votações periféricas e oportunistas.

Isso já começa a valer em 2016? Quem vai financiar as campanhas políticas?

A decisão do STF vale já para as eleições de 2016. Mas existe uma discussão jurídica se a decisão torna a questão causa pétrea, isto é, que não pode ser mudada. Sobre quem vai pagar a conta, precisamos entender como o sistema funciona. O atual sistema de financiamento das campanhas é misto, ou seja, combina recursos públicos, de empresas e de pessoas físicas. Os recursos públicos são diretos e indiretos: os diretos via fundo partidário e os indiretos incluem, por exemplo, o tempo de TV, pois as empresas de comunicação abatem o custo dos impostos. A decisão do STF impede o financiamento empresarial, mas mantém os demais: público e de pessoas físicas.

Por que é importante acabar com o financiamento de empresas? Não vai ficar mais caro para o povo, já que os recursos serão públicos?

A política deve ser uma atividade essencialmente pública, portanto não pode ser financiada por dinheiro privado. Vivemos numa sociedade capitalista, dividida em classes, em que o poder do dinheiro é imenso. Uma das formas que o capital tem para se reproduzir e aumentar o seu poder é justamente financiar campanhas políticas. As campanhas viraram grandes negócios, e o que menos se discute é política. O financiamento empresarial anula a soberania popular, a vontade expressa no voto, portanto é antidemocrático, é concentrador de poder. Sobre ficar mais caro para o povo, é o contrário. Os recursos das empresas saem de onde? Do aumento dos preços, das obras superfaturadas ou da corrupção. Então esta conta nós já pagamos e da pior forma possível. Acabando com o financiamento empresarial, vamos baratear esta conta e tornar o processo mais democrático, possibilitando uma maior representação das forças populares, isso é, da maioria da população.

Se a PEC 330, apelidada de PEC da Corrupção, for aprovada no Senado, como fica com relação à decisão do STF? Qual a relação dessa PEC com o PL que a Dilma vetou?

Sobre a votação da PEC da Corrupção aprovada na Câmara com o empenho do seu presidente [Eduardo Cunha] e que agora está no Senado, a maioria dos juristas diz que ela perde sentido com a decisão do STF. Mas sabemos como são as questões jurídicas, “os ventos mudam a qualquer momento”. Assim, a nossa luta é pela reprovação da PEC no Senado. O que a Dilma vetou foi uma lei aprovada pelo Congresso que liberava o financiamento empresarial para os partidos e estes repassariam para os candidatos. O veto da Dilma volta para análise do Congresso. Se ele derrubar o veto, o tema vai cair de novo no STF, que já decidiu que é inconstitucional.

A reforma política não deveria incluir o problema da baixa participação das mulheres e negros, por exemplo?

Os espaços de poder no Brasil são majoritariamente formados por homens, brancos, ricos/proprietários, héteros, acima de 55 anos e cristãos. E a maioria da população não é assim. Por isso o povo não se sente representado. Precisamos criar mecanismos pra enfrentar isso. Esse perfil de políticos está ligado à forma como são financiadas as eleições e à forma com são eleitos os representantes. Precisamos de paridade e de mecanismos pra aumentar a representação. Mas para isso os atuais vão ter que sair para dar espaço para os/as demais. Aí que a coisa pega…

Existe uma proposta de uma assembleia constituinte para a reforma do sistema político. Como seria essa constituinte?

Amplos setores defendem, eu também, que para fazermos uma verdadeira reforma do sistema político, portanto mudando a lógica do exercício do poder e os seus sujeitos, só com uma constituinte exclusiva e soberana. Não é o congresso que vai fazer.

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