Fim da reeleição volta à agenda nacional com viés casuístico

A proposta do fim da reeleição presidencial voltou à agenda política brasileira como tema nacional no processo eleitoral de 2014. Entre os três candidatos com chance de ir ao segundo turno, a ex-candidata Marina Silva (PSB) foi quem introduziu a ideia ao debate. A mudança da regra que dá a prefeitos, governadores e presidente da República mandatos de quatro anos com direito a se reeleger uma vez foi introduzida pela Emenda Constitucional nº 16, de 1997, quando o governo de Fernando Henrique Cardoso foi envolvido no escândalo da compra de votos que alterou as regras do jogo. Até então, o presidente tinha mandato de cinco anos sem reeleição.

Em outubro, o candidato Aécio Neves (PSDB) passou a defender diretamente a mudança como forma de atrair a derrotada Marina. A ideia é que o sistema volte a ser como era em 1997. Entre os motivos, o tucano afirmou que a petista Dilma Rousseff desmoralizou o instituto da reeleição. No último dia 13, Dilma fez ironia ao comentar a proposta. “Eu acho interessante o fim da reeleição. Porque quem está propondo o fim da reeleição é quem criou”, disse, em evento de campanha.

Para o jurista Luiz Flávio Gomes, fundador do Movimento Fim do Político Profissional, acabar com a reeleição é uma necessidade conjuntural. “O ideal é que o bom político seja reeleito. Como linha geral, isso vale. Porém, no Brasil, no nosso atual contexto, de um poder totalmente corrompido, a reeleição ficou perniciosa e prejudicial. É ruim para o país”, justifica. “O eleito faz tudo para manter o poder. Gasta uma fortuna para se reeleger. Nesse sentido, no Brasil, neste instante, nós entendemos que não vale a pena.”

Gomes garante que o movimento não tem vinculação partidária, nem relação com Marina ou Aécio. “O nosso argumento é o atual contexto de corrupção, generalizada em todos os partidos, de direita, de esquerda, de centro, todo mundo está corrompido.” Segundo ele, “a reeleição em si não é uma coisa ruim”.

O jurista acredita que apenas um mandato para presidente, governadores e prefeitos e dois para o Legislativo seria decisivo para combater o “político profissional”.

O cientista político Humberto Dantas discorda. “A reeleição é um instituto razoável em países que têm o presidencialismo. É razoável porque dá oportunidade ao eleitor para avaliar o mandato que está em curso.” Em sua opinião, o principal problema é o uso da máquina em beneficio das campanhas. “E isso vai acontecer, com reeleição ou não.”

Para Antônio Augusto de Queiroz, o Toninho, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), é o eleitor quem deve decidir quantos mandatos deve ter o representante do Parlamento ou do Executivo. Segundo ele, não é politicamente “saudável” a proibição da regra constitucional.

E o cientista político José Antônio Moroni, membro do colegiado de gestão do Instituto de Estudo Econômicos e Sociais (Inesc), vê casuísmo na proposta. “O problema das reformas que aparecem no Brasil é justamente isso, ser em função de conveniências políticas de curto prazo. A reeleição foi introduzida porque o PSDB (em 1997) não tinha outro candidato e no projeto de poder a única pessoa que podia disputar com possibilidade de ganhar era o (então presidente) Fernando Henrique”, lembra. “As forças que estão puxando o fim da reeleição são as mesmas que introduziram. Porque precisam equacionar a disputa interna, que tem a ver com a possibilidade de Aécio ganhar”, analisa.

Em entrevista ao portal iG no último dia 17, o senador paulista recém-eleito José Serra (PSDB), adversário interno histórico do correligionário Aécio Neves, comentou o assunto. “Existe um panorama complexo do ponto de vista político e jurídico, mas o que importa é o princípio. Por mim, (o fim da reeleição) deveria valer para logo depois do mandato de Aécio. Do primeiro mandato”.

Humberto Dantas lembra que a proposta de pôr fim à possibilidade de recondução à presidência não é uma tática nova. Em 2010, por exemplo, houve “afagos” de Aécio a Serra, dizendo que queria sair candidato e lutaria para acabar com a reeleição. “Era uma forma de o Aécio dizer que não teria apego ao poder e apoiaria o Serra na eleição seguinte. Era uma fórmula de arrefecer ânimos dentro do PSDB”, lembra. “Quanto vai custar isso para o país? Em 1997, custou caro. O debate passa por Aécio e Marina e ponto? Estamos vivendo num reinado? Cadê o Congresso e a opinião dos senadores e deputados sobre reeleição?”

Moroni vê a continuidade dos interesses tucanos na atual defesa que Aécio faz da proposta. “Para contar com apoio de peso do PSDB de São Paulo, ele teria que defender o fim da reeleição. Não dá para mudar as regras do jogo em função de conveniências políticas. Essas mesmas forças que propõem o fim da reeleição agora não falam que, por exemplo, em 2010, quando se falava em terceiro mandato do ex-presidente Lula, se dizia que era golpe, que era mudar as regras do jogo, que era como a Venezuela. Fim da reeleição também é uma mudança de regra. Para uma coisa pode e para outra não? Não tem consistência política.”

Corrupção

O combate à corrupção como justificativa para proibir a reeleição é uma cortina de fumaça, na opinião de Moroni. “Não consigo fazer relação entre uma coisa e outra, que a corrupção aumenta com a reeleição. A não ser que se admita que a origem da reeleição foi a reeleição por compra de voto no parlamento. A origem está ali, em 1997.”

De um ponto de vista da evolução do sistema político, o combate à corrupção tem de ser feito com mudanças legais e uma postura enérgica do governo. A Lei da Ficha Limpa é um avanço nesse sentido. Fiscalização e educação política para evitar a reeleição de políticos com desvio de conduta são outros instrumentos para o combate à corrupção, acredita Queiroz, do Diap. “A proibição nunca é recomendável”, diz.

E, acima de tudo, o país precisa de uma reforma política estrutural, que enfrente o financiamento privado e a sub-representação de vários grupos sociais no parlamento, como as mulheres, os negros e os indígenas. E fortaleça os instrumentos de democracia direta, como plebiscito, referendo, iniciativa popular e outros que possam ser criados. “Uma reforma passa muito mais por aí do que você ficar com medidas moralistas ou ajeitar os interesses dos diversos grupos que disputam o poder do Estado”, afirma Moroni.

Quanto à questão de acabar com o chamado “fim do político profissional”, os cientistas políticos veem distorções. Em primeiro lugar, o que é um político profissional?

Para Toninho do Diap, a visão sobre o tema depende da perspectiva. Segundo ele, profissionalizar-se politicamente significa o político se especializar numa determinada matéria e ser eleito em função dessa especialização ou da vinculação a um segmento. “Nos Estados Unidos, o voto é distrital. O político de um determinado distrito é especialista em, por exemplo, defender a região dele. Fica lá até morrer, enquanto tiver eleição, ele é candidato e se elege. O que não é necessariamente negativo.”

Na opinião de Humberto Dantas, acabar com a reeleição, sob o pretexto de se acabar com a corrupção e combater o “político profissional”, é antidemocrático e prejudicial ao país. “O político fica proibido de participar de eleição? Quando morreu Eduardo Campos, o que você mais ouviu as pessoas lamentarem? ‘Morreu uma grande liderança, um político jovem, de futuro’. O Brasil hoje é um país carente de lideranças. Como se pode impedir um político de ter futuro? Que democracia é essa em que as pessoas ficam proibidas de se candidatarem?”

Para Moroni, do Inesc, não é deixando um vazio no poder, proibindo a reeleição, para outro dar lugar a um “novo político”, que se criam essas lideranças. “Inclusive porque nosso parlamento é um dos que mais se renovam (nas eleições deste ano, o índice de renovação do Parlamento foi de 46,79%).

O problema é que o Congresso não se renova na representação de grupos. “O perfil dos grupos políticos é o mesmo e cada vez mais conservadores. O índice foi de mais de 40% de renovação em termos de nome, mas não de grupos. O Congresso ficou mais conservador ainda.”

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