Estado deve desenvolver novas formas de envolvimento dos cidadãos nas políticas públicas

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A Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político deu início à divulgação de uma série de artigos sobre participação social e políticas públicas no Brasil. Serão cinco textos sobre temas como conselhos e conferências nacionais; participação nesses espaços; articulação entre esses espaços; métodos de participação e monitoramento das políticas públicas.

Os artigos são de autoria de Ana Cláudia Teixeira, Clóvis Souza e Paula Pompeu, que participaram da Pesquisa Arquitetura da Participação no Brasil: avanços e desafios. Cada artigo será publicado mensalmente (Confira aqui o primeiro artigo, já publicado).

E, como forma de apresentar os objetivos dos artigos, fizemos uma entrevista com Ana Cláudia Teixeira, que é doutoranda em Ciências Sociais na Unicamp, e Paula Pompeu, bolsista do IPEA/INESC na pesquisa.

Confira a seguir.

1 – Qual a proposta da série de artigos que vocês irão iniciar e quais temáticas serão abordadas?

Paula – A série de artigos surgiu da vontade de divulgar para os movimentos sociais os resultados da pesquisa sobre a Arquitetura da Participação. Essa pesquisa já nasceu com esse intuito, mas como os achados foram muitos, o relatório final ficou enorme, e poucas pessoas têm disponibilidade e paciência para ler um trabalho tão grande. Por isso, a ideia é selecionar as informações mais importantes e lançar em textos curtos, de no máximo cinco páginas, e que mais do que apresentem dados, sejam temas de debate, com questões para a discussão e as algumas inquietações surgidas quando nos deparamos com esses dados. Os artigos deverão discutir quantos são e o que pretendem ser os conselhos e conferências nacionais; quem participa desses espaços; como esses espaços se articulam; quais são os métodos utilizados para promover a participação e como a participação se insere no monitoramento de políticas públicas.

Ana – Serão cinco artigos no total, com esses temas apontados pela Paula. A pesquisa foi realizada em 2010 e 2011, pelo Polis, Inesc, com apoio do Ipea e da Fundação Ford. Um dos principais esforços foi o levantamento e análise sobre todos os 60 conselhos e mais de 70 conferências nacionais ocorridas durante o governo Lula (O relatório completo da pesquisa pode ser acessado aqui). Foi produzida também uma revista com alguns artigos, que está disponível no site do Instituto Polis (www.polis.org.br). E, por fim, nós duas e Clóvis Souza produzimos também alguns artigos acadêmicos. Nosso objetivo agora com estes cinco pequenos artigos, como mencionou a Paula, é duplo. Ao mesmo tempo divulgar as informações mais importantes deste grande levantamento e, suscitar debates sobre o que fazer a partir destas informações, quais são os desafios e propostas que podem surgir a partir do conhecimento gerado por estes dados.

2 – Qual a relevância dessas temáticas no processo de discussão sobre a reforma do sistema político brasileiro?

Paula – Nos últimos anos o governo federal vem falando em construir um sistema de participação social. Alguns estados também têm caminhado nesse sentido, como o Rio Grande do Sul. Imagino que um sistema de participação social, dependendo da forma como ele for feito, poderá trazer avanços (ou retrocessos) no que se refere às formas como ocorre a participação social no Brasil. E essas mudanças devem ocorrer independentemente do debate sobre reforma política que acontece no Congresso Nacional. O que temos aqui é algo que vem mudando as relações entre Estado e sociedade civil e que deverá mudar ainda mais. Nesse sentido, é importante que as pessoas e organizações que pensam na reforma política tenham propostas para esse sistema. Os temas que pensamos em trazer para a discussão foram pensados com a seguinte pergunta: como as informações que temos podem nos ajudar a pensar como funciona a participação no Brasil e o que podemos propor para melhorá-la?

3 – Como vocês avaliam o nível de participação do cidadão brasileiro nos processos políticos, desde o envolvimento em associações e sindicatos até a disputa eleitoral?

Paula – É muito difícil fazer uma avaliação desse tipo, mas o que é consenso é que os movimentos sociais hoje em dia não querem mais só apresentar demandas. Esses movimentos querem ver suas demandas serem consideradas nos desenhos das políticas públicas. Os movimentos mais acostumados com a incidência política criaram uma expertise para falar com o governo, e falam com propriedade. O problema é que esses movimentos e organizações são só uma parte das pessoas que se organizam para participar da política. Então, o que me parece é que há uma parte de movimentos e organizações bastante profissionalizada e que conversa cara a cara com o governo e outros que estão ainda tateando. É importante que essas organizações mais preparadas sejam capazes de dialogar com aquelas que não são tão fortes na incidência, até para que não haja um descolamento dessas organizações maiores do que está acontecendo de novo na sociedade civil.

Ana – Sabemos que a participação política dos cidadãos em geral ainda é baixa, tanto em entidades associativas quanto em partidos ou sindicatos. Por outro lado, o Brasil tem umas das sociedades civis mais vigorosas da América Latina, com muitas organizações e movimentos atuantes desde o período de luta pela democratização. Em meio a este contraste, chama à atenção a quantidade de participantes nas conferências, que são espaços abertos a qualquer um (pelo menos teoricamente). Foram milhões de pessoas participando nos níveis municipal, estadual e nacional. Houve também muita participação virtual (pela internet) em alguns processos de conferência que se abriram a este novo formato. Sinal de que há uma vontade de participar ainda latente, e que precisaria de novas formas de lidar com a população que não está em associações e talvez nem queira participar delas.

4 – Dois instrumentos de participação bastante utilizado nos governos democráticos em nosso país têm sido as conferências e os conselhos. Como vocês veem esses espaços em termos de empoderamento da sociedade e efetividade nas ações?

Paula – Nos últimos dez anos essas duas instâncias se fortaleceram bastante. Acho que estamos saindo da fase de experimentar meio às cegas e indo para uma fase de pensar como esses espaços podem ser, de fato, efetivos. E os conselhos e conferências têm inovado bastante. As conferências livres, por exemplo, qualquer grupo organizado pode organizar uma etapa como essa. E suas propostas farão parte do caderno de propostas da conferência nacional. E já há algumas experiências nos conselhos, ou nos ministérios, de acompanhamento das propostas das conferências, para saber o que foi feito delas. Imagina a importância disso: uma associação de moradores de uma cidadezinha podendo formular propostas que, se priorizadas, farão parte de um documento que será monitorado pelos conselhos, ou pelo próprio governo! É claro, ainda tem muito a melhorar. A articulação do conselho com a conferência, essencial para o monitoramento é ainda pequena, e as experiências de monitoramento ainda são poucas, os conselhos ainda estão achando seus jeitos de fazer isso, mas é inegável o avanço.

5 – Que mecanismos podem ser estimulados ou desenvolvidos para ampliar a participação social nas decisões políticas no Brasil?

Paula – Acho que o mais importante agora é qualificar o que já foi criado, articulá-los, criar formas de fazer com que eles sejam mais efetivos. Estão sendo criados espaços para pensar programas estratégicos e agendas transversais, que envolvem mais de um ministério, o que é muito bom, porque foge da lógica setorial dos conselhos e das conferências. Mas é importante que não haja sobreposição de espaços. É importante que os espaços setoriais sejam considerados na construção desses espaços intersetoriais, por exemplo, fazendo com que os conselhos que lidam com as temáticas envolvidas tenham um papel importante. Já pensou se o fórum participativo intersetorial do programa “Brasil sem Miséria” não contar com a participação intensa do Conselho Nacional de Assistência Social? Seria um grande desperdício de trabalho!

Ana – Acho muito importante a aprovação da Lei de Acesso à Informação, em dezembro de 2011. Ter informação – e informação de qualidade – é requisito primordial para a participação e para a cidadania. Todo o investimento que puder ser feito nesta direção será valido: informações detalhadas sobre recursos disponíveis nos orçamentos públicos, projetos e programas em andamento, diagnósticos sobre as reais condições de vida das pessoas e sobre a qualidade dos serviços públicos ofertados, resultados alcançados por meio de programas e projetos, decisões tomadas pelos conselhos e conferências, avaliação do quanto estas decisões foram acatadas etc. Para isso é preciso recursos tanto para produzir estas informações quanto para divulgá-las em jornais, sites, boletins, rádios e TV. É preciso recursos financeiros e humanos para que a democracia participativa funcione de fato, sem isso não há controle da sociedade sobre o Estado, muito menos tomada de decisões com partilha de poder. 

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