A Tabela 1, com a distribuição dos sistemas eleitorais nos legislativos nacionais, atesta que a representação proporcional por lista (RPL) é o mais frequente, presente em 70 países. Além disso, predomina na África, nas Américas, no Leste Europeu, na Europa Ocidental e no Oriente Médio. Neste último, junto com o voto em bloco (VB). Ela só não prevalece na Ásia e na Oceania. A Tabela 2 mostra que a modalidade de RPL mais presente é a lista fechada (39), seguida pela lista flexível (18), depois pela lista aberta (12) e lista livre (1)1. A fechada é um gênero de voto não preferencial, enquanto as demais o propiciam.
O artigo 45 da Constituição de 1988 diz: “A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado (…)”. O PT e várias outras forças políticas e sociais defendem a manutenção do sistema proporcional, mas trocando a lista aberta pela lista fechada. As críticas à lista aberta destacam, entre outros aspectos, que as campanhas eleitorais centram-se nos candidatos, resultando não só em competição entre candidatos de partidos diferentes, mas do mesmo partido, em alto custo financeiro das campanhas e fragmentação partidária.2 A lista aberta induz a que a relação entre representantes e representados acentue a reputação pessoal, e não a reputação partidária. Essa relação, entre outros danos, enseja uma aliança entre televisão e partidos, que tem alavancado nomes, nas listas de candidatos, sem vínculos com a atividade políticopartidária, mas com popularidade na mídia. O personalismo prejudica o fortalecimento dos partidos.
E, onde vigora, como funciona a lista fechada? Portugal e Espanha, ao se democratizarem nos anos 1970, após décadas de autoritarismo, adotaram a lista fechada e ainda hoje a mantêm.
Segundo Linz e Montero, esse sistema eleitoral é um dos pilares institucionais da estabilidade da democracia espanhola e de seu sistema partidário. De modo similar, na avaliação de Jalali, em Portugal o presidencialismo e a RPL contribuíram para a consolidação da democracia. Mas há críticos da lista fechada nesses dois países, como há, aqui, defensores da lista aberta e elites que
prefeririam um sistema majoritário. Em muitos países discutem-se mudanças no sistema eleitoral.
Certos críticos dizem que a lista fechada vai oligarquizar os partidos. Ora, há tendências oligárquicas atualmente, com a lista aberta. Ademais, a fechada pode ser regulamentada com normas que combatam essas tendências (Cintra e Amorim, 2008). Outra resposta progressiva à crítica de que pode oligarquizar os partidos talvez seja avançar na democracia partidária com a introdução
de eleições primárias, semifechadas, abertas ou semiabertas, envolvendo filiados e não filiados.
Há uma disputa política pelo sistema eleitoral. A democracia, na Atenas Clássica, foi uma invenção, e nem todos os gregos a apoiaram. A representação proporcional foi uma invenção democrática dos anos 1860. Se crermos que a democracia deve, quando preciso, continuar se reinventando, e se notarmos que o Brasil saiu da ditadura mantendo a lista aberta, que vigora desde 1945, por que não mudá-la, não para imitar ibéricos ou outros, mas para enfrentar problemas que o voto preferencial em trazido ao nosso sistema político? Superando a lista aberta, atenderemos ao anseio de muitos atores sociais e políticos que, há anos, debatem e se mobilizam em prol da (re)invenção brasileira dos partidos e das eleições, com medidas como a lista fechada e o financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais (Fipece).3
Entro, então, no tema do financiamento político, entendido como o financiamento das atividades partidárias nos períodos eleitorais e não eleitorais. Este também tem sido debatido, no mundo todo, e está associado a grandes problemas na prática política. A estruturação da atividade política contemporânea, sobretudo nas democracias de massa, depende das organizações partidárias. Não há partido sem financiamento político para garantir sua estrutura administrativa e a participação nas eleições. Além disso, por o dinheiro ser um recurso de poder com efetiva capacidade de desequilibrar, seu uso na atividade partidária e eleitoral é objeto de regulamentação em todos os países. Por mais que haja amplo direito de voto, a participação do poder econômico no financiamento político impacta negativamente no princípio “uma pessoa, um voto”, ou seja, implica eleições injustas.
A terceira coluna da Tabela 2 mostra que 58 (82%) dos 70 países que adotam RPL possuem normas de financiamento político público. A pesquisa dessas informações, publicada em 2003, revela que esse modelo, entre 111 países, é adotado por 65 (59%). É muito presente no mundo todo, embora, em geral, combinado com o privado. Os EUA, porém, estranhamente não estão incluídos na lista do financiamento público, entre os 111 países pesquisados em Idea (2003). Apesar de as campanhas lá serem caríssimas e a maior parte do financiamento ser privada, há política de financiamento público para candidaturas presidenciais, nas eleições primárias e gerais.4 Mas, em relação aos EUA, merece ser destacado que em vários estados e cidades, desde os anos 1990, surgiram expressivos movimentos populares, como o clean elections (eleições limpas), que conseguiram introduzir o Fipece por iniciativa popular de lei. A adesão é facultativa, mas, a cada eleição, aumenta o número de candidatos que aderem ao Fipece (ver Quadro 1). Para se qualificar para sua adoção, o candidato deve coletar certo número de pequenas contribuições. A lei do Fipece no Arizona, por exemplo, requer que o candidato que queira aderir ao programa cumpra certas exigências, como a comprovação de que arrecadou US$ 5 de 220 doadores. Essa comprovação é um documento básico para o candidato ser aceito como recebedor do fundo público criado para viabilizar o programa de Fipece. Tal exigência é uma espécie de símbolo de que o candidato tem enraizamento de base e, ao mesmo tempo, serve para compor uma parte dos recursos do fundo público. Além disso, ele precisa concordar voluntariamente com limites de gastos, não receber nenhuma contribuição de campanha de doadores privados nem contribuir do próprio bolso6.
O objetivo não é principalmente “limpar” a corrupção nas eleições, mas sim estimular mais candidatos a concorrer eleitoralmente, sobretudo os sem recursos, para ampliar o leque de escolha dos eleitores e a representatividade das eleições; melhorar a confiança dos cidadãos no governo e a legitimidade deste, reduzindo a influência dos grupos de interesse (lobbies); frear o aumento do custo das campanhas; e motivar a participação política dos eleitores7. Aqui, críticos do Fipece alegam que essa medida seria inútil para combater crimes financeiros eleitorais. Mas os objetivos políticos do Fipece no Brasil são muito semelhantes ao do clean elections – visam à qualidade da democracia, e não meramente responder aos caixas dois etc.
O Quadro 1 tem informações de duas importantes séries de clean elections, nos estados do Maine e do Arizona; ambos já passaram por seis eleições bianuais (2000 a 2010).8 Ademais, esses movimentos estaduais vêm alcançando o nível federal. Entre outras ações, têm coletado assinaturas para uma petição dirigida ao Congresso dos EUA para que seja aprovado o Fair Elections Now Act (Lei das Eleições Justas Já). O projeto dessa lei já foi introduzido no Senado e na Câmara dos Representantes, e a sociedade civil está se organizando para reforçar o movimento fair elections.9
O Fipece pode funcionar, sim, inclusive no Brasil, sobretudo se vinculado à lista fechada. O clean elections e o fair elections, obviamente, enfrentam oposição de poderosos lobbies nos EUA e de intelectuais que não os veem com simpatia, tal como ocorre aqui.
Mas há, também, nos EUA e no Brasil, muitos intelectuais favoráveis ao Fipece, como o especialista brasileiro Jairo Nicolau, que diz: “(…) o financiamento público, acompanhado por rigoroso sistema de fiscalização e de severas punições, é a melhor opção que temos para sair do péssimo sistema de financiamento em vigor no país. Os benefícios para a democracia brasileira compensam em muito as possíveis imperfeições. Até mesmo a pior delas, a continuidade residual do caixa dois”.10 Enfim, democracia se inventa na disputa democrática.
*Marcus Ianoni é professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense
Notas:
1. O formato concreto da RPL de cada país envolve outras normas, como o número de distritos e sua magnitude, a cláusula de exclusão para obtenção de cadeiras, o método de distribuição das cadeiras e a estrutura do voto. Na lista flexível, o partido ordena a lista, mas o eleitor pode alterar esse ordenamento. Na lista livre, o eleitor pode votar em candidatos de duas ou mais listas partidárias.
2. Diversidades regionais, federalismo e grau de pluralismo também esclarecem a fragmentação partidária.
3. Não há como não dizer que a RPL favorece a participação das mulheres na política.
4. Consultar www.fec.gov/pages/brochures/ pubfund.shtml.
5. Além das fontes mencionadas, recorri às leis eleitorais de vários países. Uma ou outra imprecisão ainda pode haver. A fonte básica é o Institute for Democracy and Electoral Assistance (Idea). Priorizei informar o sistema eleitoral predominante, com base nos dados de 2005.
6. Consultar www.commoncause.org/site/ pp.asp?c=dkLNK1MQIwG&b=4773825.
7. Consultar GAO (2003).
8. O do Maine está em www.mainecleanelections.org ; o do Arizona, em www.azcleanelections.gov .
9. O site do movimento está em fairelectionsnow.org.
10. Jornal O Globo, 4 de março de 2004.