“Racismo, Opressão de Gênero e Religião” – esse foi o tema do encontro promovido pela Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, com apoio financeiro da União Europeia, durante os dias 7 e 8 de outubro. A atividade foi virtual e reuniu lideranças de diferentes religiões, pesquisadoras e demais pessoas interessadas pelo tema.
Abrindo os trabalhos, Makota Celinha (CENARAB) questionou o “monopólio da verdade”, imposto por algumas vertentes religiosas e o impacto disso na política brasileira. Dentre as convidadas, a pesquisadora Brenda Carranza defendeu a laicidade do Estado como forma de garantir a participação religiosa no debate público, mas com um controle que faça com que a legislação seja feita em nome de toda a sociedade e não para atender a uma maioria sobre determinada minoria. “Debater laicidade não é discutir sobre fé, mas sobre direitos”, destacou.
“Contra toda monocultura, da terra e do pensamento”, assim afirmou a mestre em psicologia social Geni Nuñez, indígena Guarani. Ela questionou a ideia de uma “nação única” que promove o apagamento étnico-racial. “Se tornar cristão fazia parte de um processo civilizatório, para que o indígena deixasse de ser ‘bárbaro’, ‘selvagem’”, pontuou Geni, associando o processo de catequização colonial com o que tem ocorrido em diversas comunidades indígenas atualmente, a partir de uma “evangelização compulsória”.
Essa comparação com o passado também foi trazida por Cida Bento (CEERT). De acordo com a psicóloga, diversas questões retornam, mesmo diante de uma tentativa de apagamento de parte da História. “Volta porque não expurgamos o que ocorreu na escravidão, como também não expurgamos a ditadura”, afirmou Cida, que cobrou da população branca o reconhecimento dos bônus herdados como descendentes de escravocratas e uma contribuição mais ativa para mudar a realidade atual. “Não é só ter mais cara preta nas instituições, é apresentar uma outra perspectiva de sociedade, outros valores, outra relação com o meio ambiente, outro modo de viver”, destacou.
Outra questão debatida foi a interferência religiosa no Estado brasileiro em relação ao aborto. Para Emanuelle Góes, pesquisadora na área de violência obstétrica, em um Estado Laico não cabe à religião decidir sobre os direitos reprodutivos das mulheres e sobre a decisão de abortar ou não. Ela trouxe dados que apontam a recorrência de mulheres religiosas que abortam. “Não é questão de ser a favor ou não ao aborto, mas de garantir o direito das mulheres decidirem por si”, defendeu Emanuelle.
Muitas falas apontaram a responsabilidade das instituições religiosas, sobretudo cristãs, na reprodução do racismo e das opressões de gênero ao longo da história no Brasil. No entanto, a reverenda da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, Bianca Daébs, chamou a atenção para a atuação crítica de muitas mulheres dentro dos espaços religiosas. Segundo ela, “o corpo das mulheres sempre foi um território disputado pelo Estado, pela sociedade, pela religião”. Bianca apontou a necessidade das igrejas apoiarem a luta por equidade de gênero e raça, a partir do respeito à diversidade religiosa e promoção de uma sociedade não-violenta.
No entanto, apesar das críticas e resistência promovidas por determinados segmentos dentro das próprias religiões, o que predomina ainda é um modelo conservador. Exemplo disso, segundo a historiadora Solange Helena (Católicas pelo Direito de Decidir), foi a tentativa da Igreja Católica de silenciar e marginalizar religiosos simpáticos à Teoria da Libertação. Para ela, a manutenção de um perfil conservador nas instituições religiosas têm relação com a atual situação política do Brasil. “E assim, chegamos onde chegamos hoje”, frisou.
O debate feito entre os participantes também refletiu sobre a interferência religiosa no Estado e a responsabilidade na manutenção da estrutura patriarcal e racista da sociedade brasileira. No entanto, o machismo e racismo denunciados também é reproduzido em partidos de esquerda e no próprio movimento social, como pontuou diversas intervenções, trazendo variados exemplos.
Novamente, houve um questionamento sobre a baixa adesão de homens e pessoas brancas nos espaços de discussão e enfrentamento às opressões de gênero e étnico-racial. Também se destacou a necessidade de esses espaços, a exemplo do próprio encontro, provocarem mais reflexões sobre branquitude, a fim de estimular uma autocrítica, uma compreensão dos papéis sociais de cada indivíduo e sua responsabilidade para a não reprodução de violências raciais e de gênero e para a construção de um outro modelo de sociedade.