Censura do STF desvela as íntimas relações entre mídia e Judiciário

Paulo Victor Melo

Os métodos, valores e posicionamentos do jornalismo praticado pelo O Antagonista e Crusoé são opostos aos que acreditamos e defendemos para um jornalismo baseado no interesse público e praticado com ética e responsabilidade. Mas a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de retirar do ar uma reportagem sobre possíveis envolvimentos entre o seu colega, também ministro Dias Toffoli, e Marcelo Odebrecht é censura. Um ato típico de regimes autoritários.

Do mesmo modo, deve ser dito: o STF, em especial o seu presidente, Dias Toffoli, são agora vítimas de um esquema antigo, mas aprofundado nos últimos anos, de relações espúrias entre mídia e parcelas do Judiciário. Relações essas sobre as quais o próprio STF sempre optou por silenciar. Não dá pra ignorar, por exemplo, o fato de que O Antagonista e Crusoé foram dois dos principais receptores dos vazamentos seletivos da Operação Lava Jato, tendo contribuído para macular publicamente a índole de pessoas que, posteriormente, foram inocentadas por falta de provas.

Nestas relações de benefícios mútuos, tanto o Judiciário quanto a mídia têm atuado cada vez mais como agentes políticos diretos, operando seletivamente tanto na abertura de inquéritos quanto na publicização de fatos que deveriam ser restritos até a conclusão das investigações. Nessa linha, vale lembrar as declarações, em 2010, da então presidenta da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Judith Brito, de que a mídia deveria atuar como partido político de oposição ao governo.

Agora, como resposta à reportagem “O amigo do amigo do meu pai”, que aponta relações nada republicanas entre o presidente da máxima corte do Judiciário e um empresário declaradamente corrupto, o STF adota uma postura que sai do silêncio conivente para a abertura de um perigoso precedente, que criminaliza quem ousa falar mal de do órgão. No entendimento de Alexandre de Moraes, criticar o trabalho do STF e de seus ministros é promover “fake news” e por isto dever ser silenciado.

É esse o recado do STF ao censurar a veiculação da reportagem e ao determinar o bloqueio das contas em redes sociais de sete pessoas, alvos de buscas e apreensões realizadas pela Política Federal em dois estados e no Distrito Federal. A ação é fruto de uma investigação sobre notícias falsas, denúncias caluniosas e supostas ameaças que, nas palavras de Alexandre de Moraes, “atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares”.


Ora, é evidente que são necessárias medidas de prevenção e respostas à produção e difusão em escala industrial de conteúdos noticiosos falsos, mas a censura, certamente, é o pior caminho. Na contramão da lógica meramente punitivista, que cria possibilidades de ameaças ao exercício da liberdade de expressão na internet, especialmente pelo caráter generalista das definições sobre o que é ou não notícia falsa, temos alertado sobre a necessidade de combater a desinformação com mais informação e não com censura. O próprio Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) aprovou uma série de recomendações com foco em políticas públicas de alfabetização midiática e informacional, educação para a mídia e fomento à produção de conteúdos que promovam direitos humanos, diversidade e pluralismo.

Nada disso parece ser objeto de preocupação do STF, que, ao se perceber vítima de um esquema que vinha silenciando, optou por uma prática antidemocrática de caráter semelhante a medidas criticadas por organismos internacionais, a exemplo das Relatorias de Liberdade de Expressão das Nações Unidas, da Organização dos Estados Americanos (OEA), da Organização pela Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) e da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (CADHP) que, em Declaração Conjunta de março de 2017, afirmaram: “qualquer proibição de se difundir informações baseadas em ideias vagas e ambíguas, incluindo a proibição de se difundir ‘notícias falsas’ ou ‘informações não objetivas’, são incompatíveis com as normas internacionais em matéria de restrições à liberdade de expressão”.


Ao mesmo tempo em que expõe as consequências das relações íntimas entre mídia e Judiciário, o episódio STF x Crusoé/O Antagonista é emblemático da falta que faz à democracia brasileira um marco regulatório das comunicações que determine direitos, limites e responsabilidades aos diferentes atores sociais, evitando abusos e garantindo a liberdade de expressão não apenas para os veículos tradicionais de comunicação, mas também para as inúmeras parcelas da sociedade brasileira que são cotidianamente silenciadas no ambiente midiático.


 

Deixe um comentário

doze − três =