O fim da nossa democracia?

Por Marcel Farah

Ocorreu em Brasília, nos dias 2 e 3 de abril, o seminário nacional da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político. A reforma política, há algum tempo (mais de dez anos) motiva estas organizações sociais a pensarem e agirem no sentido de potencializar a democracia brasileira.

O seminário contou com uma diversidade enorme de organizações, com agendas variadas, desde acadêmicos que estudam a democracia, passando por movimentos de combate à corrupção, até entidades de defesa de direitos das mulheres, das populações LGBTI, de populações de negros e negras, de juventude, de comunidades tradicionais e povos de terreiros. Um dos pontos centrais, portanto, foi o baixo nível de representatividade dos poderes Legislativos e Executivos, além do Judiciário e do próprio poder da mídia de massas.

O tom dos debates da Plataforma, como é conhecido este movimento, é que o sistema político vai muito além das eleições, pois relaciona-se com a forma como o poder está distribuído em nossa sociedade. Por exemplo, como as decisões políticas são tomadas.

Sobre o debate em si, há três questões de alta importância social e democrática, advindas do momento da vida nacional em que estamos. As ameaças à democracia brasileira, as ameaças aos direitos das gerações, digo a idosos e idosas, e a ameaça militar.

Ameaças à democracia

A eleição de um governo saudosista da ditadura militar, do autoritarismo, que nega a estrutura racista, machista e homofóbica de nossa sociedade é uma contradição, senão um sinal de mal funcionamento da democracia brasileira. Neste sentido, é preocupante a legitimação institucional das eleições de 2018 sem ressalvas, mesmo com as suspeitas de caixa 2 para difusão de mentiras via redes sociais.

No mesmo sentido, é comprometedora, para as instituições, principalmente judiciárias, a proibição da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, preso sob duvidosos argumentos jurídicos, em 2018.

Sobre o tema, inclusive, nos aproximamos de julgamento do STF, agendado para 10 de abril, que decidirá se é constitucional ou não prender uma pessoa antes do julgamento definitivo.

Segundo a Constituição não é permitido prender ninguém, a não ser cautelarmente, até o trânsito em julgado, quando não há mais recursos. A questão tem implicação direta no caso do ex-presidente, mas não se refere ao caso em específico. O que se decidirá é se está mantida a presunção de inocência ou se alteraremos a Constituição de nosso Estado.

O problema é que, para alterar a Constituição de nosso Estado, é preciso que atue o Poder Legislativo e, no caso, como se trata de “cláusula pétrea”, somente uma nova Constituição poderia fazê-lo.

Conclusão: vivenciamos rupturas na democracia chanceladas pelas instituições.

Ameaça aos direitos geracionais

Sob o argumento de que é preciso reduzir um suposto déficit para liberar dinheiro do orçamento público, idosos e idosas têm seus direitos ameaçados com a proposta de reforma da Previdência. Contudo, fica cada dia mais nítido que a proposta de reforma não busca combater privilégios, mas apenas fazer caixa para o orçamento.

A justificativa é de que a redução dos gastos com Previdência permitiria ao país voltar a crescer. Mas, retirar dinheiro da Previdência sem combater privilégios, ou seja, penalizando os que usam toda sua aposentadoria para sobreviver, é retirar dinheiro da economia.

Aposentados que recebem até dois salários mínimos, que são 82% do regime geral de Previdência, gastam seu salário no consumo. Consumo faz a economia girar, gerando emprego e renda. Retirar este dinheiro vai contrair a economia. Por outro lado, o governo não diz, e acho que nem sabe, onde utilizaria esta suposta economia caso não fosse para a Previdência.

Na CCJ da Câmara, o ministro da Economia chegou a dizer que se gasta muito mais com Previdência do que com saúde ou educação. Entretanto, para muitos, a Previdência é saúde, pois permite a compra de medicamentos, e educação, paga mensalidades, alimentação, transporte, todos gastos necessários para que as famílias mantenham seus filhos e filhas bem nas escolas.

Outra vez é a Constituição que está sob ameaça, pois é lá que estão garantidos os direitos previdenciários.

Ameaça militar

Por fim, outro problema, tão relevante quanto os demais, é a numerosa participação militar no atual governo federal. As forças militares são uma incógnita para a sociedade em geral, apesar de serem vistas com bons olhos, as experiências históricas demonstram o contrário. Adicionalmente, para o governo federal, a democracia seria uma concessão dessas forças.

Neste ponto, o grande desafio é inverter esta equação, mostrando que, em uma democracia, as forças militares existem desde que em respeito às regras do jogo, ou seja, elas é que são uma concessão da democracia. Afinal de contas, quem garante que não atuarão enquanto militares se sucumbirem enquanto políticos?

Novamente, uma ameaça à Constituição de 1988.

É imprescindível, portanto, o debate feito pela Plataforma, no sentido de que a democracia como foi constituída em 1988 encontra-se sob ameaça, logo, a luta pela reforma do sistema político está na ordem do dia e representa a resistência democrática e popular.

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