Olimpíadas: estado de exceção estabelece censura e outras violências

Por Mônica Mourão*

Mais de 65 mil remoções entre 2009 e 2013 na cidade do Rio de Janeiro, uma comunidade inteira – Vila Autódromo – que quase desapareceu, favelas ocupadas pela força militar (como o Complexo da Maré), estado de calamidade pública decretado pelo governador, servidores e pesquisadores com pagamentos atrasados, limitações ao direito de ir e vir, obras inconclusas ou concluídas à base de lágrimas de antigos moradores ou do apagamento da história negra, como na região portuária.

É nesse cenário que boa parte do mundo acompanha, torce, comemora e, na cidade sede dos Jogos, diverte-se com as Olimpíadas 2016 no Rio de Janeiro. E, nesse ambiente de exceção, a liberdade de expressão é mais um dos direitos violados.

Longe de ser uma exclusividade brasileira, a lógica dos megaeventos impõe os mais perversos mecanismos do capitalismo onde quer que se instale. A gentrificação em Londres e as desocupações que já estão sendo feitas em Tóquio, sede dos próximos jogos, são uma mostra disso.

No Brasil pós-golpe, o verde amarelo dá novos tons ao autoritarismo e desemboca na censura à livre manifestação nos estádios, como foi possível acompanhar nos últimos dias. No estádio Mané Garrincha, por exemplo, uma família foi reprimida por portar cartazes contra o golpe. Na sede dos Jogos, a cidade do Rio de Janeiro, um torcedor foi retirado à força da arena, apenas para ficarmos com alguns exemplos.

A base “legal” para essas ações censórias é a Lei das Olimpíadas e Paraolimpíadas, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff no dia 10 de maio. De acordo com o inciso IV do artigo 28, são condições para o acesso e permanência nos locais oficiais, entre outras: “não portar ou ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, de caráter racista ou xenófobo ou que estimulem outras formas de discriminação”.

 

Já o inciso X do mesmo artigo impõe também como condições “não utilizar bandeiras para outros fins que não o da manifestação festiva e amigável”. Como quaisquer manifestações de racismo ou xenofobia já eram proibidas pelas leis brasileiras, a novidade da Lei das Olimpíadas é a noção de “mensagens ofensivas”, que dá margem às proibições de manifestações políticas.

Essa legalidade é obviamente duvidosa. Na última segunda-feira, o juiz federal João Augusto Carneiro Araújo, provocado pelo Ministério Público Federal, concedeu liminar que proibia a repressão a manifestantes. A organização Artigo 19 já tinha apontado que a Lei fere a Constituição Federal de 1988, cujo artigo 5º define: “é livre a manifestação de pensamento”.

Um conjunto de entidades havia denunciado essa e outras irregularidades da Lei, uma exigência do Comitê Olímpico Internacional exemplificando a ideia de que os megaeventos são violadores de direitos onde quer que se instalem.

Porém, no Brasil o autoritarismo encontrou terreno fértil: já havia sido aprovada, em março deste ano, a Lei Antiterrorismo, denunciada por movimentos sociais como um instrumento de perseguição da militância. Tudo isso num país que mantém encarcerado, há três anos, um homem cujo único “crime” foi portar material de limpeza no local de uma manifestação, além de ter nascido negro e pobre: Rafael Braga.

A censura canarinha

A violação à liberdade de expressão tem se materializado, durante as Olimpíadas de 2016, especialmente na retirada de pessoas que levam cartazes ou vestem camisetas com os dizeres #ForaTemer ou pedidos de retorno da democracia, repetidos por parte da população desde que se instalou o governo golpista.

Mas, à semelhança de outro megaevento ocorrido no Rio de Janeiro há dois anos, a Copa do Mundo, os Jogos Olímpicos também reforçam a concentração da comunicação. Nos dois casos, os direitos de transmissão foram vendidos com exclusividade para a Rede Globo. Os valores das transações são secretos.

No caso da Copa, outra faceta da censura foi a repressão a jornalistas. Segundo a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), foram 19 casos de jornalistas agredidos nas cidades-sede. A Polícia Militar foi a responsável pela maior parte dos casos (88%), sendo que em 46% deles, as agressões foram feitas de forma intencional.

Resistir é preciso

Apesar de tudo, o jornalismo independente e a comunicação popular ainda pulsam. Páginas no Facebook do Complexo da Maré e da Vila Autódromo denunciam constantemente as violações sofridas por moradoras e moradores daqueles locais.

Especialmente para as Olimpíadas, já foram feitos vídeos contando as histórias de famílias removidas, pesquisas sobre as remoções, publicações sobre mulheres atingidas pelos megaeventos e debates sobre os Jogos da Exclusão, abordando questões relativas ao direito à cidade, mas também à comunicação.

Nesse contexto, a organização de comunicadores populares e da mídia independente se faz ainda mais fundamental. É por esse caminho que se pode encontrar brechas para denunciar o estado de exceção que o Rio de Janeiro vive hoje. Sem liberdade de expressão e livre manifestação do pensamento, o discurso festivo sobre as Olimpíadas corre o sério risco de ser o único a circular na sociedade.

*Mônica Mourão é jornalista e coordenadora do Coletivo Intervozes

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