O país tem que encontrar alguma forma de dar uma “sensação de esperança” à população, em meio à crise política e econômica que ganha novos contornos a cada dia, ou um período de grandes dificuldades virá, acredita Celso Amorim, ex-ministro dos governos Lula e Dilma, consultor do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getúlio Vargas. A única saída, acredita o ex-chanceler, seria convocar eleições gerais e recuperar a credibilidade dos governantes.
Em entrevista ao JB por telefone nesta semana, Amorim apontou que chefes de outros países dão grande peso hoje à opinião pública de cada nação antes de tomar decisões, ao contrário do que acontecia em momentos críticos anteriores como a Guerra Fria ou em 1964. Para o ex-ministro, o governo interino de Michel Temer pode até ser bem recebido pelos círculos financeiros internacionais, mas é mal visto por grande parte do povo brasileiro, e também por círculos políticos internacionais.
“Não vou ser ingênuo de achar que [uma eleição geral] vai mudar tudo, mas tem que dar uma sensação para o povo brasileiro de que a gente está encontrando um rumo novo. Um rumo novo não pode ser baseado nesse processo [de impeachment] que ocorreu”, atesta.
“Aí as pessoas falam que estão preocupadas com a imagem do Brasil no exterior. Sinceramente, não compro essa coisa de ‘imagem’. O tempo que mais ouvi falar de imagem foi na época da ditadura. Quando você vê uma realidade que não é boa, você começa a falar da imagem, como se a imagem pudesse ser descasada da realidade.”
Para os que estão preocupados com a “imagem” do país no exterior, Amorim frisa que só a votação da Câmara dos Deputados que aprovou o impeachment contra a presidente Dilma, com justificativas que ganharam espaço nos jornais do mundo inteiro, “foi a pior coisa” dos últimos 30 anos neste sentido.
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Não há dúvidas, segundo Amorim, de que a democracia do Brasil está ameaçada. Mas ele prefere não fazer projeções apocalípticas. Questionado, por exemplo, sobre a sinalização de alguns países de tirar representantes de embaixadas após o afastamento da presidente Dilma, ele apontou que deve haver um esfriamento na relação do país com alguns parceiros importantes, “porque eles percebem para onde estamos indo”, mas que também não há espaço para “alarmismo”, devido ao tamanho e potencial brasileiros.
Na entrevista, Amorim levanta ainda medidas importantes adotadas na década passada, que colocaram o Brasil em decisões internacionais, como quando o país foi chamado para a Conferência de Annapolis, nos Estados Unidos, para discutir a questão da paz no Oriente Médio, ou quando o presidente Obama disse para o ex-presidente Lula, sobre o programa nuclear iraniano: “Eu preciso de amigos que possam falar com quem eu não consigo falar”.
Essas coisas a gente leva muito tempo para construir, mas para destruir é muito rápido
“Essas coisas a gente leva muito tempo para construir, mas para destruir é muito rápido, é muito rápido. Sei que eu estou dizendo um lugar comum, porque se diz isso de muitas coisas, mas é absolutamente verdade na política externa”, alerta.
O ex-ministro também preferiu não comentar declarações e sinais específicos do governo interino sobre uma nova relação do Brasil com o mundo, mas salientou uma grande preocupação com “essa mudança na política externa que está anunciada”. No dia seguinte à entrevista com o JB, era divulgado que o governo brasileiro suspendeu negociações que mantinha com a União Europeia para receber famílias desalojadas pela guerra civil na Síria. Decisão que, de acordo com reportagem da BBC, teria sido ordenada pelo novo ministro da Justiça, Alexandre de Moraes.
Celso Amorim chamou a atenção, contudo, para o projeto do governo interino que deve engessar o total das despesas do governo por 20 anos. Considerando que o país deve voltar a crescer, a medida significaria a redução do percentual de participação do Estado no PIB. Para compensar este movimento, o governo ficaria mais dependente de capital internacional.
“Não tenho problema com capital internacional, com investimento internacional. Agora, o Brasil não pode ficar totalmente dependente disso. Ele tem que ter capacidade interna de desenvolvimento. E tem que ter também diversidade de parceiros”, disse Amorim, destacando que noticiários de países como a China já dão conta de preocupações com movimentos que poderiam enfraquecer os Brics, “uma grande conquista”.
Confira os principais trechos da entrevista:
Legado da política externa do Brasil nos últimos dez anos
O Brasil é um país muito grande, tanto territorialmente quanto em população. Tem muita diversidade, e tudo isso faz com que possa ter um lugar muito presente nas relações internacionais. Nem sempre ele utilizou essa possibilidade plenamente, por fatores diversos. Primeiro foi a ditadura, depois o país continuou ainda em um período de grande dificuldade econômica. Havia os problemas de desigualdade também. Mas quando essas coisas foram superadas, paulatinamente, ele pode ter uma posição mais afirmativa, que foi o que nós tentamos fazer durante o governo do presidente Lula.
O próprio presidente também [ajudou], pela história de vida dele. Uma personalidade que era um grande trunfo para a política externa, porque todo mundo queria estar com o presidente Lula, é preciso dizer isso. As pessoas falam que era só a esquerda, mas vai do [Hugo] Chávez ao [George] Bush, do [Jacques] Chirac [presidente francês] ao Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina. Isso nos deixava numa posição potencialmente muito boa, e eu acho que nós fizemos tudo para aproveitar essa chances.
Criamos novas parcerias, sem desprezar as antigas. Ao contrário do que dizem, reforçamos, passamos a ter uma parceria estratégica com a União Europeia, por exemplo, até por convite deles. Nós criamos novas parcerias com Índia, África do Sul, criamos o grupo Ibas, depois criamos o grupo Brics. Criamos uma relação nova com os países árabes, sem deixar de atender Israel – o presidente Lula foi o primeiro presidente brasileiro a ir para Israel, diga-se de passagem. Eu visitei cinco vezes, mas claro, também com clareza sobre a questão da Palestina,
África, evidentemente tivemos uma presença como nunca tínhamos tido antes, que na verdade tinha se retraído no governo imediatamente anterior com a questão das embaixadas. Algo que dizem que pode ser repetido agora, espero que não, e também com uma atitude muito empenhada na integração sul americana, latino americana e caribenha, em geral, mas sul-americana em particular, porque evidentemente são os países mais próximos, com os quais o Brasil tem interesse até de segurança.
Isso foi o que se fez. Com isso o Brasil passou a ser chamado a participar de diálogos, por exemplo, não só na região, coisa que já se fazia, mas também no mundo.
Aqui na região, por exemplo, nós criamos o grupo de amigos na Venezuela [Grupo de Países Amigos da Venezuela – 2003], que encaminhou positivamente o conflito naquele momento. Evidentemente, não resolvemos os problemas profundos da Venezuela, porque isso não estava ao nosso alcance. Mas encaminhamos, evitamos conflitos piores.
Tivemos uma relação com Cuba que, de alguma maneira, prenunciou o que os Estados Unidos fizeram, porque o Brasil foi instrumental em trazer Cuba para um convívio hemisférico latino-americano, principalmente, mas até para o hemisfério como um todo. O próprio presidente Lula disse, em 2009, que Cuba não poderia estar ausente da próxima cúpula hemisférica. Na realidade, ela não esteve na próxima, mas veio na seguinte. O que de certo modo até, creio, foi um dos fatores, certamente não o único, mas um dos fatores que precipitou positivamente o reatamento de relações com os Estados Unidos – iniciativa do Obama, neste ponto.
Então na região é isso, para dar exemplos, poderia falar muitos outros. Agimos de forma pacificadora também em conflitos dentro da Bolívia, em conflitos entre a Colômbia e o Equador, e todos sabem e conhecem, e isso está documentado.
E, fora da região, o Brasil foi chamado, por exemplo, entre outras coisas, para a Conferência de Annapolis, nos Estados Unidos, onde se discutiu a questão da paz no Oriente Médio. O único país em desenvolvimento não islâmico, ou não predominantemente islâmico, era o Brasil, dentro dos países em desenvolvimento, claro.
Tudo isso mostra que o Brasil era procurado. A própria declaração de Teerã, que o Brasil junto com a Turquia obteve do governo iraniano, foi um esforço, embora depois não aproveitado imediatamente, mas que veio a ter frutos no futuro. Foi um esforço que nos foi pedido pelo presidente dos Estados Unidos. O presidente Obama disse para o presidente Lula: “Preciso de amigos que possam falar com quem eu não consigo falar”. Era no contexto no Irã e do programa nuclear iraniano.
Na Organização Mundial de Comércio (OMC), o Roberto Azevêdo [diplomata brasileiro que assumiu a direção-geral da OMC em 2013], naturalmente, tens méritos próprios para ser eleito. Mas o Brasil passou a ter uma atuação que nunca tinha tido. Fui embaixador lá antes, e fui ministro antes, então posso dizer isto à vontade. Não estou criticando ninguém, estou vendo que houve uma mudança qualitativa na ação do Brasil.
Quando se começou a pensar numa nova forma de encarar os problemas financeiros mundiais, depois da crise do Lehman Brothers, no final de 2008, criou-se o G20. O Brasil [estava] lá. Posso garantir a você que se não fosse o G20, fosse o G15, G16, o Brasil estaria lá, porque o Brasil já vinha participando de várias reuniões junto com maiores potências. O Brasil tinha uma presença muito grande.
Agora, respondendo à sua pergunta, essas coisas a gente leva muito tempo para construir, mas para destruir é muito rápido, é muito rápido. Eu sei que estou dizendo um lugar comum, porque se diz isso de muitas coisas, mas é absolutamente verdade na política externa. Porque as pessoas deixam de ter confiança na sua capacidade de agir. Por exemplo, se você abandona a política africana, eles vão dizer: “Bom, o Brasil veio aqui mas nada disso era para valer”. Eles acabam tornando verdadeiras falsas versões do que eles próprios disseram: “Ah, o Brasil só fez isso para eleger candidato”. Não foi. O Brasil realmente acredita numa parceria com a África, por todos os motivos, inclusive pela composição da nossa população. Mas eu diria também, até do ponto de vista econômico, comercial, cultural, etc.. Agora, se você depois não dá seguimento a isso, evidentemente que aquilo que era uma versão falsa passa até a ser uma verdade. “Ou só fez isso por causa do Conselho de Segurança”, enfim, essas outras versões que correm.
Mudança política
Eu me preocupo muito com essa mudança na política externa brasileira que está anunciada. Não sei também como isso vai se passar,. Ninguém sabe, aliás, como vai se passar, mas quem lê as últimas notícias não sabe o que vai ser do Brasil dentro em breve, penso eu. Independentemente do formalismo, como as coisas se passaram, se foi legal, se não foi legal. Eu vejo que, de qualquer maneira, o país está precisando de uma coisa muito mais profunda, para até se reconciliar consigo próprio.
Por exemplo, o governo interino manda um projeto que engessa o orçamento. O total das despesas do governo, por vinte anos, com possibilidade de revisão aos dez anos, isso significa em termos de percentual do PIB — supondo que o Brasil volte a crescer, o que todos desejamos, ainda que modestamente –, vai significar uma diminuição do percentual da participação do estado no produto interno brasileiro. E o Brasil sofre muitas carências, pobreza, saúde, educação. Eu não vejo como é que o Brasil pode se dar ao luxo de diminuir a participação do estado no PIB dessa forma. [Se fosse] reduzir um pouco, fizesse um cálculo, mas essa questão de corrigir só pela inflação, realmente é algo muito preocupante. Posso até entender que no próximo ano, uma coisa assim conjuntural, se trabalhasse dessa maneira. Mas isso preocupa.
Por que isto está ligado à política externa também? Porque para compensar essas coisas, vai depender muito do capital internacional. Não tenho problema com capital internacional, investimento internacional. Agora, o Brasil não pode ficar totalmente dependente disso. Ele tem que ter capacidade interna de desenvolvimento. E tem que ter também diversidade de parceiros.
Eu já vejo, por exemplo, artigos de jornal. Outro dia teve num jornal, não sei se é o “China Daily”, algum dos jornais chineses, expressando preocupação com essa guinada do Brasil que levaria talvez a um enfraquecimento dos Brics. Uma grande conquista. Você vê o Banco dos Brics. Não é que o Banco dos Brics vai substituir o Banco Mundial, mas ele, por ser uma alternativa, até de certa maneira contribui para a reforma do Banco Mundial.
O Fundo de contingência, também, que seria uma alternativa ao FMI, uma alternativa, mas não excludente, mas é que os países poderiam recorrer um ao outro. E creio que, aliás, até a questão do Banco dos Brics e do fundo tiveram um efeito, porque, no G20 de 2010, foi aprovada a reforma, uma reforma modesta, mas foi uma reforma, das cotas tanto do Banco Mundial tanto do Fundo. Isto levou cinco anos para ser aprovado pelo Congresso americano. Acho, eu posso estar errado, que a criação do Banco dos Brics mostrou que era necessário fazer essa reforma, e pouco depois da criação do Banco, a reforma passou no Congresso americano. É uma coisa positiva, permitiu que o sistema de cotas fosse ligeiramente, não de maneira suficiente, mas fosse já um pouco melhorado.
Momento atual do Brasil, crise e Lava Jato
Não só os estrangeiros, todo mundo levanta suspeitas, até os jornais da mídia mais conservadora brasileira não podem tapar o sol com a peneira. Isso é visível. Aí as pessoas falam que estão preocupadas com a imagem do Brasil no exterior. Eu, sinceramente, não compro essa coisa de imagem, o tempo que eu mais ouvi falar de imagem foi na época da ditadura. Quando você vê uma realidade que não é boa, você começa a falar da imagem, como se a imagem não pudesse ser descasada da realidade.
Acho que o Brasil está vivendo um momento muito difícil. É a minha sensação. Falo isso pessoalmente, embora tenha vinculação ao PT, mas não estou falando em nome de ninguém, e sim em meu único nome, como brasileiro que viu o Brasil ascender muito em todos os sentidos, e dou crédito também a outros governos. Houve a democratização, depois houve a estabilidade econômica, depois veio a preocupação prioritária com a desigualdade, e tudo isso se refletiu em uma política externa que em determinado momento eu defendi como ativa e altiva, que foi objeto de respeito.
Uma vez até um jornalista argentino me perguntou: “Não dói para o senhor, externamente, que a política externa brasileira seja tão apreciada e internamente tão atacada?” Eu falei: “Dói, mas o que eu posso fazer?”
Tudo isso ocorreu. Essa mudança de patamar no Brasil, não foi só no patamar econômico, social, político, democrático, mas também de presença internacional. Toda essa mudança agora está correndo risco, e eu fico extremamente preocupado. Acho que para as pessoas da minha geração, que sofreram com o golpe de 1964, diria com toda a franqueza, da época do governo Geisel para cá, o Brasil de uma maneira ou de outra sempre melhorou. Porque primeiro foi, digamos, a distensão relativa. Depois veio, mesmo com Figueiredo, continuou com a abertura. Houve eleições, houve a democracia, primeiro com a eleição indireta depois a eleição direta. O próprio impeachment do presidente Collor, diferente deste agora, ele não dividiu o país, ele uniu o país, isso é uma constatação que eu estou fazendo, independente até do julgamento de mérito, que obviamente eu tenho o meu.
Nós vivemos agora uma situação muito difícil, e acho sinceramente que a única maneira de fazer isso é ter eleições gerais. Provavelmente, algo que realmente permita, não vou ser ingênuo de achar que vai mudar tudo, mas tem que dar uma sensação para o povo brasileiro de que a gente está encontrando um rumo novo. Um rumo novo não pode ser um rumo baseado nesse processo que ocorreu, porque não é só o processo. Aquela votação da Câmara dos Deputados foi a pior coisa para a imagem do Brasil, para o pessoal que está preocupado com a imagem, que eu vi nos últimos 30 anos.
Processo eleitoral e esperança
Então, o que é preciso mudar? Precisa mudar sistema eleitoral, precisa tornar as eleições mais baratas, diminuir o peso do poder econômico. Isso só é possível com uma Assembleia Constituinte, de preferência uma constituinte exclusiva para que as pessoas não possam aproveitar o que fizeram. Acho que esse é o caminho para o Brasil, Para que isso ocorra, a presidente tem que ser absolvida, e ela tem que assumir naturalmente o compromisso. Na minha opinião, acho que a ideia do plebiscito nem é a melhor. Acho que é melhor ir direto para eleições gerais, com uma constituinte exclusiva, em paralelo. Como isso, eu não sei. Não sou da política do dia a dia, não saberia dizer.
É preciso dar uma sensação de que há uma esperança, e o quadro atual não dá esperança. Ele pode até ser bem recebido pelos círculos financeiros internacionais, mas é mal recebido pelo povo brasileiro, por grande parte dele, e também até pelos círculos políticos internacionais.
Porque hoje em dia também, diferentemente do que ocorria na época da Guerra Fria ou em 1964, as opiniões públicas de cada país influem nas decisões dos governos.
Então vejo um período, se não houver algo parecido com o que estou falando, de grande dificuldade pela frente.
Democracia e credibilidade
Não há dúvida de que a democracia está ameaçada. Agora, eu não vejo iminência de golpe militar, nem nada disso. Às vezes você pode manter até aspectos formais da democracia e ao mesmo tempo estar trilhando um caminho que contraria a expressão do voto popular.
A questão hoje é recuperar a credibilidade dos governantes, restabelecer uma relação de confiança entre o povo e os governantes, e eu acho que isso só é possível ou com uma Assembleia Constituinte exclusiva, antecipação de eleições presidenciais, eleições gerais, algo assim. Já vi objeções jurídicas, mas já ouvi também opiniões de juristas importantes dizendo que é perfeitamente possível, só seria inconstitucional se um projeto de eleição antecipada saísse do Congresso, que aí seria um conflito de poder. Se partisse do Executivo, nem envolve a renúncia. Não é a renúncia, é uma antecipação em função de uma emenda constitucional.
De qualquer forma, acho que tudo isso repercute, e essa percepção, cada dia tem um fato novo. Não sei o que é verdadeiro e o que não é, ninguém sabe até que isso termine, como também ninguém sabe sobre as acusações que foram feitas ao PT. Mas eu acho que é preciso recuperar essa relação de confiança, é muito diferente estar num governo em que seu adversário ganhou, e você não está contente, mas você reconhece a legitimidade. É muito diferente da situação que nós estamos vivendo.
Honduras, Paraguai e Venezuela: comparação com o Brasil?
Honduras foi um pouco diferente, eu acompanhei aquilo de muito perto, porque encostaram um revolver na cabeça ou nas costas do presidente, tiraram ele do avião, parou numa base americana e depois foi para outro país. Uma coisa muito diferente.
O que está acontecendo na Venezuela, hoje, acho que também é diferente. Vem de longa data. A Venezuela tem uma grande dificuldade de conseguir uma reconciliação nacional, o que não quer dizer concordar em tudo. Mas você tem que entender o que é governar para o conjunto do país. Nós tivemos relações com o (Hugo) Chavez, o (Nicolás) Maduro. Mas eu acho que falta um pouco dessa capacidade de diálogo lá. O Brasil procurou contribuir um pouco com isso, e no Brasil isso não faltava, para falar a verdade, pelo menos no período que eu tive de ministro. A Venezuela é diferente, porque há muito tempo a base está em questão. Cada caso é um caso. O Paraguai, talvez, se aproxime um pouco mais do que aconteceu.
Como dizia Tostoi, no início de Anna Karenina, tem uma frase maravilhosa que dizia: “Todas as famílias felizes se parecem, mas cada família infeliz é infeliz a sua maneira.
Unasul, Mercosul, OEA e o impeachment
Os países vão ter que de alguma forma negociar com o Brasil. Se eu vejo que há um risco? Haverá um esfriamento com relação a certos países, porque eles percebem para onde estamos indo. Um esfriamento das relações políticas tem impacto também nas relações econômicas, disso não tenho a menor dúvida. A falta de diversificação também, por sua vez, nos deixa numa posição mais difícil para negociar mesmo com os parceiros tradicionais.
Isso é o que eu percebo agora. Não vou também fazer um alarmismo no qual eu não acredito. Pode haver um ou dois ou talvez três ou quatro países que cheguem a uma posição, mas não acho isso provável numa extensão muito grande, porque o Brasil é muito grande.
O continente sul-americano e as crises no Brasil e na Venezuela
Nossa influência é mais na América do Sul. Trabalhei intensamente e o presidente Lula trabalhou intensamente pela integração na América do Sul, sobretudo, como parte da integração da América Latina e Caribe – nunca esquecemos do Caribe que são nossos irmãos e também muito parecidos conosco, do ponto de vista cultural, étnico, religião. Trabalhamos muito intensamente por essa integração, e eu vejo hoje uma coisa que vai no sentido oposto. Aqui mesmo se fala em flexibilização do Mercosul.
Acho que estamos vivendo um momento difícil. Não sou, digamos assim, partidário de um determinismo econômico, mas não há a menor dúvida de que a queda do preço das commodities, petróleo, soja, minério de ferro, trigo, tudo isso teve um impacto muito grande na região, e tirou a latitude desses governos de centro-esquerda, ou mais de esquerda, mesmo em alguns casos, mais populistas, mas enfim, governos que tinham uma latitude para fazer uma política social forte, sem que ao mesmo tempo as classes sociais mais altas se rebelassem. O espaço ficou pequeno, e isso sempre tende a levar a situações de tensão. Aliás, de certa maneira, foi um pouco do que aconteceu também na América do Sul em meados dos anos 1950 até final dos anos 1960, início de 1970, Felizmente, a Guerra Fria acabou, e o risco de golpes militares, agora, eu acho muito mais remoto.