Entenda as consequências da decisão do STF de suspender Cunha

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira, por unanimidade, afastar Eduardo Cunha do seu mandato de deputado e, consequentemente, da presidência da Câmara. Todos os integrantes da Corte votaram para referendar a dura liminar que o ministro Teori Zavascki havia proferido pela manhã.

Além de apontar em sua decisão que Cunha usou seu cargo para atrapalhar investigações contra si, Zavascki disse também que o deputado não pode estar na linha sucessória da Presidência da República, já que é réu em ação penal.

O afastamento determinado pelo STF não tem prazo de duração – ou seja, Cunha está indefinidamente suspenso de exercer seu mandato. No entanto, nesse período ele continuará recebendo salário e manterá o foro privilegiado (será julgado pelo Supremo e não pelo juiz Sergio Moro ou qualquer outro magistrado de primeira instância).

A decisão desta noite teve caráter liminar. Dessa forma, a suspensão de Cunha dura até quando Zavascki entender que persistem os riscos de que o peemedebista use seu mandato para interferir nas investigações.

Há no momento cinco inquéritos abertos contra Cunha, apurando suspeitas de corrupção e lavagem de dinheiro, envolvendo obras e empresas públicas. Em um deles, que investiga o recebimento de US$ 5 milhões em propina, dentro de um contrato de compra de sondas pela Petrobras, o peemedebista já foi denunciado e se tornou réu.

Cunha afirmou que recorrerá da decisão desta quinta, e caberá ao ministro-relator definir quando levar seu recurso para apreciação do plenário.

Em entrevista coletiva nesta noite, o peemedebista afirmou que “respeita a Suprema Corte”, mas se considera alvo de “retaliação política” por ter acolhido o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff.

Cunha também se queixou que os ministros “não tiveram tempo de analisar o contraditório” na sessão desta quinta, em referência ao fato de a liminar ter sido concedida cedo pela manhã e analisada horas depois no plenário.

 

Na Câmara dos Deputados, segue ainda indefinido como será encaminhado o processo de sucessão de Cunha. No momento, o vice-presidente, o deputado Waldir Maranhão (PP-MA), está no comando interino da Casa. Ele é aliado fiel a Cunha e também está sendo investigado na Operação Lava Jato, sob acusação de receber propina no esquema de corrupção da Petrobras.

O regimento interno da Casa estabelece que, se um cargo da mesa diretora ficar vago, a eleição para preencher a função deve ser convocada em até cinco sessões.

O deputado Alessandro Molon (Rede-RJ), que acompanhou o julgamento no STF, defendeu a realização de novas eleições, mas disse que isso ainda será objeto de disputa na Câmara. Aliados de Cunha provavelmente vão se opor ao novo pleito.

O mandato de presidente da Câmara dura dois anos – novas eleições estão previstas apenas para fevereiro de 2017.

“Entendo que essa decisão do STF não será modificada. Dessa forma, tem que ser convocada eleição para o cargo de presidente”, disse Molon à BBC Brasil.

 

Supremo acompanhou, por unanimidade, voto de Teori Zavascki

 

Demora?

O ministro Teori Zavascki levou quase cinco meses para julgar o pedido apresentado em dezembro pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pedindo o afastamento de Cunha. A demora gerou inúmeras críticas ao STF. Apoiadores do governo, por exemplo, questionavam a legitimidade de Cunha para presidir processo de impeachment na Câmara.

A questão ganhou nova urgência justamente após a Casa decidir em 17 de abril autorizar que o Senado abra processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, o que deve ocorrer na próxima semana.

Se isso se confirmar, a petista será afastada, seu vice, Michel Temer assumirá o comando do país, e o deputado que estiver na presidência da Câmara, sendo o próximo da linha sucessória, exercerá a Presidência nas situações de ausência novo mandatário – por exemplo devido a viagens ao exterior.

Com isso, a Rede apresentou outra ação nesta semana pedindo que Cunha fosse afastado do comando da Câmara, sob a justifica de que um réu em processo penal não pode ocupar cargo na linha sucessória.

 

Argumento é de que Eduardo Cunha, como réu, não poderia estar na linha sucessória caso Michel Temer assuma o poder

O pedido se baseou no artigo 86 da Constituição Federal que estabelece que o presidente da República é afastado caso o STF aceite denúncia criminal contra ele e o torne réu. Por analogia, a Rede argumentou que Cunha, já réu em ação penal no Supremo, não poderia assumir o cargo de presidente interinamente.

A ação foi sorteada para o ministro Marco Aurélio, que prontamente solicitou que o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, colocasse a matéria em votação, o que foi marcado para a tarde desta quinta-feira. Zavascki teria se sentido atropelado com essa decisão, e por isso liberou a liminar logo pela manhã.

Assim, o STF julgou a decisão de Zavascki, e Marco Aurélio retirou a urgência para apreciação da ação da Rede.

O julgamento

A essência do pedido da Procuradoria-Geral da República era o argumento de que Cunha usa seu mandato e o cargo de presidente para atrapalhar investigações contra si na PGR e no Conselho de Ética da Câmara, o que seria desvio de finalidade.

A procuradoria acusa Cunha de intimidar pessoas convocadas para falar na CPI da Petrobras, como a advogada Beatriz Catta Preta, e também o deputado Fausto Pinato (PP-SP), quando este era relator da sua denúncia no Conselho de Ética.

Cunha também é acusado, por exemplo, de ter usado seu cargo de deputado em 2011 para fazer requerimentos de informações ao Tribunal de Contas da União e ao Ministério de Minas e Energia contra empresas envolvidas no esquema de corrupção da Petrobras com finalidade de pressionar pela retomada do pagamento de propinas.

“Nada, absolutamente nada, se pode extrair da Constituição que possa, minimamente, justificar a sua permanência no exercício dessas elevadas funções públicas. Pelo contrário, o que se extrai de um contexto constitucional sistêmico, é que o exercício do cargo, nas circunstâncias indicadas, compromete a vontade da Constituição, sobretudo a que está manifestada nos princípios de probidade e moralidade que devem governar o comportamento dos agentes políticos”, escreveu Zavascki na sua decisão.

 

Em seus votos, diversos ministros destacaram que a decisão é excepcional, já que é grave afastar autoridade eleita democraticamente de seu mandato. Ainda assim, todos referendaram a decisão.

“Em um Estado democrático de direito não há poder absoluto, porque no âmbito de uma sociedade de base genuinamente democrática o poder não se exerce de forma ilimitada”, disse o decano Celso de Mello, ao votar.

Lewandowski ressaltou que a decisão não seria uma interferência indevida no Poder Legislativo porque “se limitou a suspender o mandato”.

“Eventual cassação do mandato continua sob a competência da Câmara e haverá de ser tomada se for o caso, a critério dos deputados daquela Casa”, disse.

Ele destacou ainda que é “rotineiro” no STF afastar autoridades, como juízes, prefeitos, e presidentes de assembleias legislativas, quando agem com desvio de finalidade (usar o cargo em proveito próprio, por exemplo).

 

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