Reabilitar a Política

Marcelo Barros
Para as comunidades eclesiais e movimentos sociais de todo o mundo, março nos recorda o martírio de Monsenhor Oscar Romero que, em março de 1980, deu a sua vida pelo povo pobre de El Salvador. No momento atual que vivemos no Brasil, mais do que nunca, é preciso retomar uma palavra que esse bispo profeta retomava sempre: “É preciso reabilitar a dignidade da Política”.

Pesquisas revelam: a maioria dos brasileiros não acredita na dignidade da Política. É verdade que, salvo raras exceções, os atuais políticos não ajudam o povo a ter uma visão positiva da Política. E a maioria dos meios de comunicação tenta mostrar que todo político é corrupto e o Brasil nunca teve uma situação política tão ruim quanto a atual. Debates partidários são normais em uma democracia, mas existe uma campanha de descrédito da própria atividade política.

Já na antiguidade, em Atenas, Aristóteles definia o ser humano como “animal político”. Com isso, ele queria afirmar que o homem e a mulher só se tornam plenamente humanos no convívio social. A vocação do ser humano é se tornar capaz de sair de si mesmo para cuidar do que é comum a todos. A vocação da Política é cuidar do bem comum.

Tantos séculos depois, a sociedade ainda tem dificuldade de compreender isso. Apesar de ter sido esboçada na antiga Atenas, só em séculos recentes, a Democracia se efetivou na maioria das nações. Mesmo assim, no inconsciente coletivo, o/a presidente da República ainda é visto/a por muitos como se fosse um/uma monarca.

A noção de cidadania é pouco desenvolvida. As leis decretam igualdade de direitos para todos, mas não pode existir democracia social sem democracia econômica. Atualmente, o mundo é dominado por algumas poucas empresas multinacionais que têm mais dinheiro do que a renda da imensa maioria das nações do planeta.

Há alguns anos, no momento de uma eleição presidencial brasileira, o milionário húngaro-americano Georges Soros afirmou: “O povo pode escolher o presidente que quiser. O importante é que nós (os empresários) escolhemos o presidente do Banco Central”. E assim é feito. Até mesmo governos que se dizem de esquerda aceitam oficializar como presidentes do Banco Central funcionários indicados pelo Bradesco ou pelo Banco de Boston. E até hoje, presidentes ainda acreditam que se pode governar como quem toca um instrumento musical: pega com a esquerda e toca com a direita.

E o pior é que a discriminação social raivosa e virulenta da elite de nossos países jamais aceitará nenhum vestígio de governo popular, mesmo se for de uma esquerda que tenha a fantasia de, um dia, ser aceita pela direita.

Na América Latina, algumas nações introduziram em suas constituições princípios que garantem iniciativas de democracia participativa e popular, para complementar e controlar o trabalho político dos parlamentares e do governo.

No caso do Brasil, em setembro de 2014, milhões de brasileiros responderam Sim a um plebiscito popular que perguntava se estavam de acordo com uma ampla reforma política, através da eleição de uma assembleia constituinte exclusiva e soberana. Nas eleições que vieram logo depois, a escolha de um Congresso majoritariamente conservador e ligado a interesses menores fez com que essa manifestação de tantos brasileiros fosse deixada de lado.

Ao recordar nesse mês a memória de Oscar Romero, é bom lembrar o que ele ensinava: “a verdadeira Política é a mais nobre e profunda atividade humana, expressão do cuidado da sociedade por cada um dos seus cidadãos”. Romero lembrava que uma sociedade se mostra sadia quanto mais se fundamenta na solidariedade aos mais fragilizados.

A dignidade da Política supõe que se resgate a seriedade da palavra. Revela que as pessoas conscientes devem votar não apenas em um partido, mas em um projeto social e político para o país. Esse projeto deve ser baseado em novo critério de justiça eco-social, um caminho de desenvolvimento compatível com o equilíbrio ecológico e pensado para todos, principalmente os mais vulneráveis.

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