Soberania Popular X Coronelismo Financeiro

 

Muito se fala na Reforma política, mesmo que de forma limitada, focando apenas no seu aspecto eleitoral. Nesta lógica não se discute como alicerçar o poder na soberania popular e não apenas no poder da representação. Como fortalecer mecanismos de deliberação direta pela população e a participação popular, como democratizar a informação e a comunicação, e muito menos a democratização do sistema de justiça (Poder judiciário, ministério público, defensoria pública, ouvidorias e os aparatos de segurança, especialmente as policias).

Mesmo assim avançamos pouco no que diz respeito à democratização do processo eleitoral. Temos sim a liberdade partidária, que se confunde com a promiscuidade na fundação de partidos, com vistas as negociatas do tempo de TV  e rádios, e eleições periódicas. Mas se olharmos o nosso sistema eleitoral, percebemos que o poder emanado desse sistema  é hereditário,  vitalício, arcaico,   machista, homofóbico e  racista, para sustentar nos espaços de poder uma determinada classe, que  entrega os anéis para não perder os dedos.

São três os fatores principais que inviabilizam a democratização do processo eleitoral: o poder econômico, a forma como escolhemos os/as representantes e o poder da mídia. Por democratização do processo eleitoral entendemos tornar mais equilibradas as condições, regras e normas das disputas eleitorais. Pelas regras atuais temos justamente o oposto.

O poder econômico não apenas distorce como também inviabiliza a soberania popular. Basta analisar o financiamento das campanhas eleitorais e a desigualdade abissal entre as candidaturas. Essa desigualdade é o que determina os  resultados eleitorais (com cada vez menos exceções que apenas confirmam a  regra), comprometendo o caráter democrático das eleições. Nesse sentido, o processo eleitoral reproduz e perpetua a  desigualdade presente na sociedade.

Não vamos falar aqui das cifras astronômicas e das formas como a maioria dos partidos arrecada recursos, mas sim analisar como o financiamento empresarial de campanha é um instrumento poderoso para se manter a estrutura hereditária e classista de poder que temos.

Nas eleições para deputados/as de 2010 e 2014, as candidaturas eleitas (9,89 % em 2010 e 8,84% em 2014) utilizaram 55,34% e 55,07% dos recursos totais de campanha, respectivamente. Em outras palavras: menos de 10% do total das candidaturas eleitas consumiram mais da metade de todos os recursos disponíveis.  Com  raras exceções, se elege quem tem muito dinheiro.

Outro elemento essencial da não democratização do processo eleitoral é a forma como elegemos os/as nossos/as representantes para o Parlamento.  Temos um sistema de lista aberta, onde os partidos apresentam suas candidaturas (não se sabe ao certo quais os critérios usados na escolha) e o/a eleitor/a vota numa delas. Parece algo democrático, mas não é, por varias razões. Uma delas é que as diversas candidaturas não têm as mesmas condições de disputas (cada candidato faz seus acordos com os financiadores privados, que apresentam a conta depois). Como  cada candidatura busca seu  próprio financiamento, a tendência é que este financiamento reproduza os preconceitos e as relações de poder existentes na sociedade.  Aí esta uma das explicações por que “se muda” para permanecer as coisas onde sempre  estiveram, neste sentido se tirou da política o seu poder de  transformações e lhe concedeu o poder de conservação, conservar as coisas como sempre foram. Desta forma não há lugar para a representação dos sujeitos sociais e políticos que não estão no centro da engrenagem – mulheres, população negra, povos indígenas, juventude, pessoas homoafetivas -, a não ser que pertençam às famílias e grupos que sempre estiveram no poder, com as exceções de praxe..

Para radicalizar estas mazelas  surgem as proposta do distritão, do  distrital puro, do  distrital misto. Piadas de mal  gosto   que  beiram ao  deboche, basta  ver o que acontece nos países que implementaram. Por exemplo distritão existe em  dois países,  Afeganistão e  Jordania.

Para essa engrenagem funcionar por tanto tempo, e sem grandes fissuras, é necessário que se tenha um aparato que a legitime e mantenha os questionamentos domesticados. Quem cumpre esse papel hoje no Brasil são as diferentes mídias, que por sua vez são controladas por oito famílias que se sustentam economicamente graças à publicidade do Estado e de grupos empresariais que  financiam as eleições.

Temos alguma dúvida sobre quem está ganhando esse jogo de tensão entre a soberania popular e o coronelismo financeiro? Como desatar os  nós de “nossa democracia”?

Com essa avaliação de como funciona o nosso sistema político e quais questões devem ser enfrentadas, os movimentos que se organizam de diferentes formas formularam duas grandes estratégias políticas que se complementam, mas apresentam horizontes políticos diversos. Uma é a Iniciativa Popular pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas e a outra é o Plebiscito Popular pela Convocação de uma Assembleia Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político.


A Iniciativa Popular, organizada pela Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas, é um instrumento da democracia direta previsto na Constituição, e tem uma serie de exigências, como por exemplo obter cerca de 1,5 milhão de assinaturas e não apresentar propostas de mudança constitucional, entre outras.. Mesmo com esses limites, a Iniciativa Popular consegue enfrentar questões importantes e estruturais do nosso sistema político, como o peso do poder econômico nas eleições, a sub-representação de vários segmentos no parlamento, fortalecimento dos instrumentos da democracia direta e criação de mecanismos democráticos de controle e fiscalização do processo eleitoral.


A Iniciativa Popular é uma estratégia que se propõe atuar em um tempo político mais curto, mobilizando a sociedade para forçar o Congresso a aprovar uma reforma política que responda aos anseios de amplos segmentos da sociedade. E como a Iniciativa popular faz isso? Na questão do financiamento de campanhas, propõe mecanismos democráticos proibindo o aporte de recursos por parte das empresas. As eleições passariam a ser financiadas com recursos do orçamento público e de contribuições de pessoas físicas, contribuindo assim para democratizar o processo eleitoral, combater a corrupção e limitar e baratear os custos das campanhas. Propõe ainda um sistema de escolha dos/as representantes em dois turnos. Os partidos elaboram listas partidárias com alternância de sexo e critérios de inclusão dos segmentos sub-representados. O primeiro turno define quantas cadeiras no parlamento o partido vai ter, e o segundo teria a participação do dobro de candidatos,com o/a eleitor/a votando no nome de seu representante. Para fortalecer a democracia direta, a iniciativa popular propõe que determinados temas só possam ser decididos por plebiscitos e referendos, como no caso de  projetos com grandes impactos socioambientais, privatizações, concessões de bens públicos e megaeventos com recursos públicos, entre outros. Conheça a íntegra da proposta da  Iniciativa Popular em www.reformapoliticademocratica.com.br

Já o plebiscito popular abarca três estratégias: trabalho de base, formação política e discussão ampla com a sociedade. Busca-se debater a institucionalidade que temos e a que queremos (sistema político). O lócus político para se fazer esse debate é a convocação de uma Assembleia Constituinte Exclusiva e Soberana. Nesse sentido, o horizonte político do plebiscito popular é de longo prazo, para acumular forças na sociedade para poder provocar as rupturas que precisamos. Essa mesma demanda por uma Constituinte Exclusiva e Soberana esteve presente em 1985, mas não houve força política suficiente para torná-la realidade na ocasião, e tivemos uma Constituinte Congressual (o Congresso que fez), sem soberania (pois estava subordinada à vontade do Executivo, dos militares e do Poder Judiciário). Em outras palavras, para provocar as rupturas que precisamos, urge criar novas institucionalidades tendo a soberania popular como alicerce do poder e o poder popular seja o poder constituinte.. Para ter acesso ao debate do plebiscito, ver http://plebiscitoconstituinte.org.br/


Não vemos contradição entre as duas estratégias. Ambas procuram criar novas institucionalidades capazes de provocar as transformações estruturais que tanto precisamos. Ambas procuram mudar o resultado do jogo. Que ganhe a SOBERANIA POPULAR


Jose Antonio Moroni, membro do INESC e da Plataforma dos Movimentos Sociais da Reforma do Sistema Político

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