Texto: Instituto Odara*
O presidente ironizou a presença de uma jovem negra em evento, afirmando ter pensado que ela fosse cantora, percussionista ou namorada de alguém
Antes de qualquer coisa, parabenizamos Luiza Eduarda Leôncio, jovem negra de apenas 20 anos, que é operadora especialista da Volkswagen, pela premiação em reconhecimento por seus serviços como aluna aprendiz da empresa. É nisso que acreditamos e é por isso que lutamos para que meninas e mulheres negras possam seguir seus sonhos e chegar cada vez mais longe.
Durante um evento da Volkswagen realizado em São Bernardo do Campo (SP), na última sexta-feira (2), o Presidente do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, ao se referir a Luiza, afirmou que “afrodescendente gosta do batuque de um tambor”. Disse ainda que, quando viu a jovem no palco do evento, achou que se tratava de alguém que iria cantar, batucar, ou que fosse namorada de alguém. Confira a fala, também disponível em vídeo:
– Essa menina bonita que está aqui. Eu estava perguntando: o que faz essa moça sentada, que eu não ouvi ninguém falar o nome dela? Falei: “Ela é cantora, vai”. Não, não vai cantar. Perguntei (e disseram): “Não, não vai ter música”. Então ela vai batucar alguma coisa. Porque uma afrodescendente assim gosta de um batuque de um tambor. Também não é. Falei: “Nossa, então ela é namorada de alguém”. Também não é. O que é essa moça? Essa moça foi premiada ano que vem como a mais importante aprendiz dessa empresa e ganhou um prêmio na Alemanha. É isso o que nós queremos fazer para as pessoas nesse país.
Conhecemos muito bem essa tática da branquitude, que tenta nos enquadrar em pequenas caixinhas racistas e sexistas, disfarçadas de elogios e admiração. Que nos coloca na foto para ficar bonito, mas nos boicota e mina qualquer chance de ascensão que possamos ter.
Caro Presidente Lula, não é de se estranhar que te cause espanto e inquietação ver uma jovem negra sentada no mesmo espaço que o excelentíssimo. Até porque, por mais progressista e democrático que a esquerda branca possa se considerar, a maioria (das poucas) mulheres negras que fazem parte do seu governo ocupam cargos secundários, onde não possuem um poder real, e lá estão para legitimar seu suposto compromisso “antirracista”.
Não é de se estranhar que um homem branco da esquerda nos queira para tocar tambor ou nos enxergue como a namorada-acessório de alguém, mas sequer, considere uma de nós, por mais capacitada que seja, para ocupar uma vaga no STF ou em um ministério central no seu governo. Quando o senhor nos reduz a um aspecto que compõe a pluralidade da nossa cultura ou nos associa a um homem, está lançando um olhar racista e sexista sobre a nossa luta e nossas contribuições para a história e a política desse país – que não são poucas.
O senhor poderia apenas ter parabenizado Luiza por seu prêmio, mas traz o racismo e o machismo tão enraizados em suas concepções que nem ao menos tentou esconder o que realmente pensa sobre uma jovem negra. O senhor se sente tão à vontade, que não bastasse o constrangimento de questionar a presença de Luiza, ainda assediou a garota, afirmando publicamente que a pediu em namoro.
Presidente, acostume-se a nos ver nos espaços e respeitar as nossas presenças, porque a despeito do racismo, do machismo, dos boicotes, dos estereótipos que a branquitude tenta perpetuar, a despeito de tudo isso, nós estamos nos organizando e retomando os espaços que nos cabem e que temos total competência para ocupar. As políticas públicas, como a que foi anunciada durante o evento em questão, são sim muito importantes para impulsionar a nossa juventude e garantir a continuidade dos seus estudos, mas o senhor não faz mais do que sua obrigação, haja vista que este projeto de nação nos deve até a alma, além de que nós fomos a parcela da população que mais votou no senhor e garantiu seu retorno à presidência desse país.
Presidente Lula, da próxima vez que o senhor ver uma jovem negra genial como Luíza, não ache que a ela só cabem os estereótipos da cultura negra, não pense que ela é a namorada acompanhante de alguém, não se sinta no direito de assediá-la, pense que o Brasil que o senhor gesta deve a ela uma faixa presidencial.
*Texto de opinião publicado originalmente no site do Instituto Odara e reproduzido pela Plataforma