Encontro “Impactos da branquitude no sistema de poder” reuniu organizações da Plataforma para pensar ações de enfrentamento ao racismo

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“Impactos da branquitude no sistema de poder” – esse foi o tema do encontro virtual promovido pela Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político nos dias 31 de maio e 1o de junho. O evento interno contou com a participação de representações de 85 organizações, em um total de 139 inscrições, sendo 69 pessoas autodeclaradas brancas, 47 pretas, 19 pardas, duas indígenas e uma amarela, sendo 72% de mulheres cisgênero e 71% heterossexual.

O primeiro dia do encontro contou com a abertura de Célia Xakriabá, professora e ativista indígena, que apontou o quanto a branquitude centraliza os espaços de poder e que a manifestação do racismo também se dá na ausência e invisibilização das pessoas nesses espaços. Célia destacou a importância de buscar incidir nas próximas eleições, buscando ampliar a diversidade, sobretudo a partir da eleição de pessoas indígenas. “Se estamos preparadas para cuidar da casa da humanidade, [as florestas] como é que não estaríamos preparadas para estar nos espaços de poder político!?”, questionou.

Na sequência, a juíza do Trabalho Gabriela Lenz de Lacerda refletiu sobre a branquitude na estrutura de poder do sistema Judiciário, um espaço majoritariamente branco e masculino. Gabriela destacou que essa estrutura acaba por reproduzir privilégios e desigualdades. como por exemplo, o retrocesso em relação ao julgamento de causas trabalhistas, sobretudo após a Reforma Trabalhista aprovada em 2017. Ela afirmou que esse incômodo fez ela dedicar o seu mestrado a pesquisar “De onde fala o juiz?”, analisando sob uma perspectiva de gênero, raça e classe. A partir desses estudos, Gabriela se deparou com o conceito de “branquitude”. “Somos brancos e o que isso significa?”, provocou, apontando que as discussões de gênero têm avançado dentro do sistema Judiciário, mas que ainda há um grande desafio em discutir a racialização desse poder.

Representando o CAMP – Escola de Cidadania, Mauri Cruz ressaltou o quanto a questão racial perpassa todas as dimensões da vida e que o racismo, por ser estruturante na sociedade, exige mudanças estruturais para combatê-lo. Mauri é ex-diretor da Associação Brasileira de ONGs (Abong) e trouxe como exemplo as mudanças praticadas pela associação. “A primeira ficha que caiu foi que não trouxemos pessoas negras para a Abong só para discutir a questão racial, mas que isso mexia em toda uma estrutura”, afirmou. Ele citou os editais internos da Abong, em que foi necessário reformular considerando a desigualdade de condições – deu, como exemplo, a exigência de idioma internacional e o quanto isso reproduzia as desigualdades, mantendo uma estrutura favorável à branquitude.

O encerramento das apresentações ficou por conta de Cida Bento, doutora em Psicologia e autora do livro “O Pacto da Branquitude”. Cida chamou a atenção para o atual momento do país, que atravessa graves ameaças à democracia. Segundo ela, houve uma reação brutal de setores sociais, onde “o homem branco passou a se sentir vítima das mulheres, da população negra e indígena”. Para Cida, essas transformações também ecoaram dentro dos próprios movimentos sociais, onde o aumento da participação de antirracistas brancos tem se dado, sobretudo, porque há uma pressão crescente para que isso ocorra. Ela também questionou a Plataforma sobre o que é possível fazer, hoje, para combater o racismo e as estruturas que privilegiam a branquitude, além de reforçar a importância de incidir nas eleições para modificar o Congresso majoritariamente branco. “Temos que oferecer outra oportunidade para esse país encontrar o seu caminho”, concluiu Cida.

Na sequencia, as pessoas participantes puderam debater as questões levantadas, considerando também os desdobramentos das discussões para dentro de suas organizações. Houve um entendimento de que as mudanças não podem se restringir à ampliação da representatividade, mas uma mudança de política interna que também busque se posicionar e incidir no combate ao racismo em todo o conjunto da sociedade.

2o Dia de Encontro

O segundo dia de encontro teve como objetivo dar continuidade ao debate da noite anterior, mas também apontar caminhos para práticas efetivas de combate ao racismo. Nesse sentido, a fala inicial, do advogado Luciano Caparroz (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral – MCCE), resgatou exemplos de incidência no Judiciário. Ele citou algumas ações contra empresas acusadas de racismo onde, a partir de um Termo de Ajustamento de Conduta, se determinou compensações financeiras a serem pagas pela empresa e investidas em projetos de enfrentamento ao racismo.

Em seguida, o professor doutor em Teologia, André Musskopf, afirmou a necessidade de tirar os brancos dos lugares de privilégio que ocupam, sobretudo quando a branquitude torna-se uma norma inquestionável. “Em vez de se perguntar o que é ser banco, o que é branquitude, a gente só discute o que é ser negro, o que é racismo”, provocou André, ressaltando a importância das pessoas brancas também se questionarem e atuarem para sair da sua zona de privilégio.

“Eu existo porque alguém antes de mim existiu. Porque alguém antes de mim resistiu. Porque alguém antes de mim insistiu. Plantou e me ensinou a plantar”. Com esses versos, Maria Luiza Nunes iniciou sua apresentação, diretamente do quilombo Buca da Mata (Ilha de Marajó-PA). Técnica cultural, Maria Luiza (Cedenpa) trouxe ao debate a perspectiva de “branquidade” e apontou que muitas afirmações de combate ao racismo têm se dado “da porta pra fora”, mas que ainda há resistência das organizações em fazerem esse enfrentamento internamente. “Muitas vezes é um movimento que se organiza pra fora das instituições. Pra fora eu sou anti isso, anti aquilo, mas pra dentro não muda muita coisa”. Por fim, ela convocou as pessoas brancas a superarem a branquidade e questionou “o silêncio dos bons”.

Ao final das falas, as pessoas participantes se dividiram em grupos, com o objetivo de pensar ações e estratégias de combate ao racismo para dentro da Plataforma. Foram diversas sugestões apresentadas, como a realização de campanhas, provocação de um censo interno a ser realizado pelas organizações e o compartilhamento de ações implementadas pelas instituições. Os encaminhamentos resultantes desse encontro serão apresentados a todas as organizações que compõem a Plataforma.