Autora: Giselle dos Anjos Santos*
Quais são as convergências entre racismo, opressão de gênero e religião? O que acontece quando elas ocorrem na política e no âmbito do Estado?
Quais os limites da participação religiosa na política? Como situar a branquitude na ação antirracista? Quais são as alternativas para a paridade de gênero sólida? Além de, quais aspectos precisam ser considerados na relação entre gênero, raça, religião e o Estado no contexto da reforma do sistema político?
Essas questões nortearam as discussões do Encontro Temático: Racismo, Opressão de Gênero e Religião, que ocorreu nos dias 7 e 8 de outubro de 2021, organizado pela Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político.
Para iniciar as discussões sobre como o racismo estrutural, as opressões de gênero e o discurso religioso impactam no sistema político brasileiro, foram convidadas importantes especialistas, como Cida Bento (Dra. em Psicologia e Diretora do CEERT); Brenda Carranza (Dra. em Ciências Sociais, Prof. da UNICAMP); Geni Nuñes (Movimento Indígena Guarani, Doutoranda em Ciências Humanas); Emanuele Gois (Dra. em Epidemiologia e pesquisadora), Bianca Daébs (Igreja Episcopal Anglicana do Brasil) e Solange Vicentini (Historiadora, Católicas pelo Direito de Decidir).
Cada uma das convidadas convergiu na compreensão de que os discursos sobre gênero, raça e religião foram historicamente articulados para oprimir determinados grupos sociais. Como afirmou Geni Nuñes, “se tornar cristão fez parte de um projeto civilizatório” contra os não-europeus. Assim, segundo Brenda Carranza, foi criado uma espécie de “monopólio religioso”, que atuou em convergência com os interesses da elite no poder.
Porém, tais narrativas vêm sendo atualizadas no contexto recente para reforçar estereótipos e legitimar práticas de violência contra os povos indígenas, a população negra, mulheres e a população LGBTQIA+. Por exemplo, em 2019 ocorreu um aumento de 56% no número de denúncias de intolerância religiosa, em comparação ao ano anterior, sendo a maior expressão contra praticantes de religiões de matriz africana.
Além disso, as últimas eleições deixaram muito explícito como as temáticas de gênero, raça e religião, cumpriram um papel central no debate, impactando diretamente nos resultados eleitorais. Por isso esta discussão precisa ser encarada com atenção pelos grupos progressistas no processo eleitoral de 2022, interessados na reforma do sistema político para a construção de uma sociedade mais justa.
Como defendeu Geni, demonstra-se necessária a “descolonização contra toda monocultura da terra e do pensamento”. E Cida Bento reforçou que para frear os atos anti-humanitários que marcam a história do Brasil, é necessário a construção de uma outra perspectiva política e um novo pacto civilizatório, tal como vêm sendo proposto pelo movimento de mulheres negras (Carta da Marcha das Mulheres Negras, 2015)
Os exemplos de Geni e Cida, uma mulher indígena e uma mulher negra, tem muito a nos ensinar. Que as organizações progressistas do país se permitam escutar os caminhos que os movimentos indígenas, movimentos negros e os movimentos de mulheres estão indicando a tanto tempo. Afinal, essa luta contra as forças conservadoras e antidemocráticas para esses grupos já é secular, ela não começou em 2018 com a eleição de Bolsonaro.
Portanto, se historicamente e no contexto atual as forças conservadoras utilizam essas discussões de forma articuladas, as estratégias para o seu enfrentamento também devem partir de uma perspectiva interseccional. Como indicam os movimentos indígenas, movimentos negros e os movimentos de mulheres, para realizar de fato a reforma do sistema político precisamos articular com a luta contra as opressões de gênero e a intolerância religiosa, bem como a luta contra o racismo e os privilégios da branquitude.
* Giselle dos Anjos Santos – Historiadora, Pesquisadora do CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades)