Nos dias 12 e 13 de agosto, movimentos sociais do Nordeste se reuniram para debater a construção de um novo sistema político. O encontro foi promovido pela Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político e teve o apoio da União Europeia.
No primeiro dia de encontro, foi debatida a conjuntura nacional, a partir dos olhares regionais. Em sua fala de abertura, Carmen Silva (SOS Corpo) trouxe um panorama das mudanças eleitorais propostas pelo Congresso, a exemplo do Distritão e de mudanças que afetam a representatividade de mulheres e da população negra e indígena. “Os movimentos precisam se posicionar sobre qual sistema querem, qual democracia querem”, provocou Carmen.
“Para nós mulheres negras, pescadoras, nosso território é inegociável”. Assim afirmou Elionice Sacramento, da Articulação Nacional das Pescadoras, durante sua apresentação no encontro. A quilombola chamou a atenção para as contradições de governos considerados progressistas, sobretudo na região Nordeste. Em muitos locais, incluindo Salinas da Margarida (BA), onde Elionice reside, governos eleitos com apoio dos movimentos sociais muitas vezes reproduzem a mesma política da qual se opõem em âmbito federal, revelando os limites da atual representação política.
Segundo Elionice, no início do século, muitos movimentos entraram em uma zona de conforto, “nos tempos em que nos sentimos governo”, destaca. Ela ressalta a necessidade de se pensar um projeto para além das marés partidárias e eleitorais – “Nossos inimigos estão avançando contra nós, mas também estamos avançando com nossa resistência. Que viva as águas da nossa resistência”.
Outro convidado presente, Carlos Magno, do Centro Sabiá (PE), também contribuiu com a análise de conjuntura, a partir da perspectiva do semiárido nordestino. Ele ressaltou os impactos da mudança climática e da volta da fome aos territórios. Carlos também destacou os próprios movimentos como um espaço para construir a experiência política que desejam para o país. Por fim, afirmou a importância da comunicação, que tem sido central no bolsonarismo. “Como se comunicar com o povo?”, questionou.
Ao longo do debate, diversos pontos foram trazidos: combate ao racismo, importância da comunicação popular, construção de uma cidadania ativa, rejeição ao modelo de desenvolvimento que avança sobre os territórios e corpos negros e indígenas, alternativas ao avanço dos fundamentalismos religiosos, limitação imposta aos mandatos feministas, dentre outras questões relacionadas ao sistema político atual.
No segundo dia do encontro, os participantes se dividiram em grupos para refletirem sobre “qual sistema político queremos construir?”. Os debates sucederam a apresentação geral da Plataforma, que ao longo de anos vem amadurecendo as discussões sobre reforma política e acumulando contribuições para a publicação da versão 3 do documento com propostas para um novo sistema.
A plenária defendeu a necessidade de mudanças radicais no sistema político, seja através de uma reforma, seja pela apresentação de um novo modelo. Foi destacada a necessidade de se pensar essa construção “de baixo pra cima”, a partir das mulheres, população negra e povos originários. É preciso pautar a participação popular para além do momento eleitoral e ampliar a participação em espaços de decisão, a exemplo do próprio orçamento público.
Os participantes também acreditam que é possível romper o atual sistema político a partir das margens. Eles destacaram as práticas não institucionais e novas formas de se fazer política, partindo do fazer cotidiano.
Quem trouxe mais leveza e inspiração ao debate foi o grupo do projeto Mulheres Marés. Mães e avós poetisas, crescidas nas palafitas da periferia de Salvador, fizeram intervenções culturais, compartilhando seus poemas e histórias de vida. E foi nesse clima de união e harmonia, que o encontro regional conectou diferentes lutas, refletiu sobre o sistema político desejado e renovou as energias para atuar diante dos desafios impostos.