Elisa de Araújo, José Antonio Moroni e Sheila de Carvalho
Publicado em 14/3/2021 no Ecoa
Nesta semana, a intitulada PEC Emergencial foi aprovada pelo Congresso Nacional. Negociada pelo governo Bolsonaro, a Proposta de Emenda Constitucional constituía inicialmente um pacote de propostas apresentado pelo Ministro Paulo Guedes em 2019 com a finalidade de realizar ajustes fiscais através do corte de investimento público em políticas sociais – o que inclui o próprio funcionalismo público, até mesmo os profissionais de saúde do SUS que estão neste momento na linha de frente do combate à pandemia, salvando vidas. Portanto, mais uma proposta de retirada de direitos, mas como para este governo isso é fundamental, a apelidaram de PEC Emergencial.
Engenhosamente construindo uma argumentação chantagista, o governo e seus aliados no Congresso criaram uma emenda ao texto inicial da PEC, em conjunto com a narrativa de que essa PEC serviria para que a política de auxílio emergencial fosse restituída – e, em troca disso, numa chamada “contrapartida para o mercado”, teríamos que rifar nossos direitos sociais, em especial o direito à educação e à saúde.
Neste, que é o pior momento da pandemia, o governo e o Congresso têm sido cobrados por diversos setores da sociedade brasileira acerca da necessidade da retomada da política de auxílio emergencial às famílias pobres e à população vulnerável. Conforme pesquisas já divulgadas, o auxílio de 2020 foi utilizado pela população para subsistência: compra de comida e pagamento de contas básicas como luz, água e remédios. O mínimo para manutenção dos nossos protocolos de isolamento visando a contenção da covid-19.
A técnica de “desinformação” tão bem utilizada por Jair Bolsonaro para sua eleição e manutenção no poder – apesar dos constantes escândalos de corrupção e crimes de responsabilidade praticados no exercício da gestão – funcionaram bem como justificativa pública para a aprovação da PEC. Criou-se uma narrativa, assumida por parte da imprensa, de que a votação da PEC era a única forma de retomada do auxílio. Mentira. A tal PEC não tem relação direta com o auxílio. Por meio de manobras regimentais e de redação legislativa, dispositivos orçamentários foram colocados na PEC para justificar o injustificável: mais cortes no orçamento das políticas sociais em favor do projeto neoliberal de arrocho fiscal e do tal “mercado”. Para retomar o auxílio a sociedade brasileira não precisava desta PEC e de nenhuma outra. Não há outra interpretação possível – o que foi feito pelo Governo e pelo Congresso foi uma chantagem com a sociedade: a fome ou políticas públicas e direitos sociais?
Ao findo, o que foi aprovado no Congresso Nacional através de interferência do governo não estende a política de auxílio emergencial e sim a reduz. O texto aprovado determina um limite de gasto com auxílio em R$ 44 bi – esse valor é sete vezes menor do que o valor investido em auxílio emergencial em 2020. Esse valor representa 0,6% do PIB nacional.
Dizemos ‘investido’ porque o auxílio emergencial é uma política não só necessária para o enfrentamento à fome – que voltou a fazer parte da realidade das famílias brasileiras – como também fundamental para o não colapso da economia durante o período pandêmico. Estudo do DIESSE estabelece que o multiplicador do auxílio emergencial foi de 1.78 – isso significa que para cada R$ 1 que chegou às famílias, R$ 1.78 retornou para o PIB.
Diante da mórbida expectativa de que alcancemos até o final do mês de março o triste número de mais de 300 mil vidas perdidas, presenciamos o governo federal promover congelamento de salários de servidores públicos e inviabilização de políticas públicas para oferecer um auxílio emergencial insuficiente. O Congresso Nacional fez um péssimo negócio ao ceder à chantagem governista. Não há ganho popular .
O auxílio emergencial digno e um investimento devido em políticas de saúde são as medidas essenciais para que a tragédia não seja maior, mas mais uma vez o governo e congresso pactuaram na calada da noite pela política de morte. 600 sem desmontes na saúde é o que o Brasil precisa para sobreviver à pandemia.
Elisa de Araújo – assessora de Advocacy na Conectas Direitos Humanos e articuladora do movimento Mulheres Negras Decidem
José Antonio Moroni – filósofo e do colegiado de gestão do INESC
Sheila de Carvalho – Advogada de Direitos Humanos, integrante da Uneafro Brasil, Coalizão Negra por Direitos e Grupo Prerrogativas.
As autoras integram a campanha “Renda Básica que Queremos” que reúne mais de 300 organizações da sociedade civil em prol do auxílio emergencial na pandemia e de uma política de renda básica digna para todos.