Sem inclusão não há como garantir os direitos às comunidades indígenas

Os desafios encontrados em Belo Horizonte chamam a atenção para as responsabilidades do poder público direcionadas aos povos indígenas mineiros e para as contribuições das atuais eleições municipais   

Por Mike Faria

Na história chegaram primeiro em nosso território mas em reconhecimento e participação nas decisões das cidades, como Belo Horizonte, são, por vezes, colocados em segundo plano. Estamos falando de comunidades indígenas, grupos e indivíduos com modo de viver e pensar próprios, que têm muito a oferecer para sermos uma sociedade mais responsável com o meio em que nos relacionamos.

Em todo o país, nas eleições municipais deste ano, de acordo com levantamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), foram 2.113 candidatos indígenas (0,39% do total das candidaturas), um aumento de 88,51% em relação às eleições de 2016, em que foram registradas 1.175 candidaturas. 

Também, segundo o Instituto Socioambiental (ISA), pelo menos 220 indígenas e 57 quilombolas foram eleitos no país no último domingo (15 de novembro). Em relação aos indígenas, 10 candidatos irão assumir a liderança de prefeituras, 10 serão vice-prefeitos e 200 assumirão como vereadores. 

Soraia Feliciana Mercês é uma destas que se fortaleceu para participar do debate público. Professora e mineira, essas são características que poderiam a colocar como muitas outras mulheres que conhecemos porém um detalhe assume destaque, o fato de Sol Puri, como é mais conhecida, ser a única candidata indígena em Belo Horizonte para as eleições municipais de 2020.

Com o principal desafio de representar toda a diversidade dos povos que vivem em BH, Sol se declara como “uma indígena que tece na cidade a sua aldeia, na luta por respeito às pessoas e seus direitos”, e nesse caminho por aproximação de vivências vai desafiando também as estatísticas. Na capital mineira, em que se estima 1.943.184 eleitores aptos a votar conforme dados do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-MG), a cidade nunca elegeu uma vereadora ou vereador indígena e assim, se distanciou das demandas e contribuições desses povos que também são parte do município. 

A partir da representatividade e inclusão que a motivam, Puri leva sua voz ao debate eleitoral, na busca de aproximar a comunidade belo horizontina das pautas dos povos tradicionais, da garantia da educação pública, das lutas feministas e antirracistas, dos movimentos ambientalistas e de políticas públicas para promover o desencarceramento da população.

Sol Puri durante atividades coletivas de valorização do meio ambientena Praça Sete, localizada na região central de BH

“Acredito que a Ancestralidade indígena tem muito a contribuir para a vida digna de todos. Cuidar da Terra, dos rios, das árvores e das outras espécies é cuidar de nós mesmos”, afirma a candidata ao destacar suas motivações para ser vereadora.

PRESENÇA

Como seu nome mesmo sugere, Sol tenta ser luz e otimismo na vida, e sua trajetória pessoal não deixa escapar esses detalhes. Nascida em Ipatinga, cidade localizada no Vale do Aço, região Leste de Minas Gerais, a 217 km de Belo Horizonte, foi criada em Contagem, onde ficou até os 25 anos, quando foi morar na capital mineira por ter iniciado um curso na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Em 2005, começou a carreira de professora da Educação Infantil em BH e em 2014 começou o trabalho na Diretoria de Políticas para a Igualdade Racial, onde está até hoje.

“Os desafios encontrados na busca por educação e saúde, a luta constante contra o racismo institucional aprimoraram meu olhar para as responsabilidades do poder público, que levo em minha consciência como servidora municipal e para o legislativo”, argumenta enquanto cidadã e representante política.

Nesse sentido, ela nos mostra que para alcançar maior representatividade e inclusão no sistema político brasileiro é preciso tomar parte dos processos políticos, a partir da organização social, que leva à organização partidária e à colaboração no debate político.

Candidata (4ª posição, da esquerda para a direita) se junta a demais lideranças para ato de valorização indígena e demais povos de BH na região central da capital mineira

“Falta aos sistemas brasileiros e na população consciência de si. Somos um povo que teve sua memória identitária negada e apagada na institucionalidade e diluídos na categorização de “pardos”. Precisamos contar nossas histórias e recontar a história deste país”, reforça Sol Puri ao se colocar como representante da comunidade indígena, na busca da diversidade de povos presentes em Belo Horizonte. 

Sol (3ª posição, da esquerda para a direita) conversa com moradores na Feira Hippie de BH sobre o papel da vereança na cidade

Ver referências artísticas e culturais indígenas nas ruas de BH é uma conquista muito importante, mas precisamos ir além. Precisamos ocupar de fato os mais diversos espaços para falar por nós mesmos, inclusive na política, afinal, como Sol mesmo expressa com sua atuação, é a afirmação de que estamos vivos e resistindo.

“A minha experiência de vida me faz compreender que cada um tem seu tempo, mas todos estamos comprometidos com a evolução, o respeito, a compreensão sobre o que cada um tem de si mesmo e da sociedade. Isso é importante para possibilitar o crescimento e o aprendizado de todos nós. Essa é a minha proposta, fiscalizar e cobrar o cumprimento das leis e dos planos construídos com a participação da sociedade civil, respeitando e valorizando a diversidade na luta por uma cidade de todos”, finaliza.

*Os Puri são um povo originário pertencente ao tronco linguístico Macrô-Jê, do qual fazem parte também os Jê, Kamakã, Maxakalí, Krenák, Pataxó, Karirí, Yatê, Karajá, Ofayé, Boróro, Guató e Rikbáktsa. Sua ocupação originária corresponde hoje a terras encontradas nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo, no Vale do Paraíba, bacia hidrográfica do Rio Paraíba do Sul e seus afluentes, e parte da bacia hidrográfica do Rio Doce, o que inclui seu alto curso e a região do Rio Manhuaçu.

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