Pegada digital: candidaturas LGBTIA+ representam transformações históricas para a política nas eleições municipais de 2020

Por Gabriel Rodrigues

Com cerca 50.508 votos, Erika Hilton é a primeira mulher trans negra a ocupar cadeira na Câmara Municipal da cidade de São Paulo

Em 2020, as mobilizações políticas para as eleições municipais ganharam ainda mais o cenário da internet. Com o uso das redes sociais para o impulsionamento de campanhas, as primeiras observações apontam para uma realidade ainda complexa, sobretudo pela extensão que os debates acabam tomando quando estão em rede, mas também pelos avanços sociais significativos.

A exemplo disso, temos a crescente participação das populações excluídas na construção política, e não somente as de propostas progressistas e em prol dos direitos dessas populações, mas também de grupos conservadores. 

Uma conquista importante para as eleições de 2020, dentre as diversas pautas levantadas pela população trans e travesti, foi a utilização do nome social para identificação na urna eletrônica. Em levantamentos não-oficiais, mobilizados por coletivos e mídias independentes, foram identificadas cerca de 80 candidaturas LGBTIA+ eleitas. Foram cerca de 430 pré-candidaturas LGBTIA+ mapeadas em todo país, das quais 294 foram pré-candidaturas de travestis, mulheres transexuais, homens trans e demais pessoas trans, conforme aponta  a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA). Segundo o relatório divulgado pela Associação, no total são 30 mandatos entre pessoas trans pelo Brasil, que indicam um crescimento de 275%, se comparado com as eleições municipais de 2016.

A vereadora mais votada de Belo Horizonte (MG) é mulher trans, uma dos 30 mandatos pelo país – Foto/Reprodução Instagram

Nesse cenário, em contrapartida à onda fascista no Brasil, podemos perceber que as mobilizações digitais tem possibilitado a ampliação de debates historicamente invisibilizados pelas mídias hegemônicas. Em alguma medida, o contexto digital tem garantido a coleta de dados importantes para as pautas dos movimentos negros, indígenas, LGBTIA+ e de outros grupos vunerabilizados, que há séculos lutam pela garantida de direitos básicos para essas populações. Com a articulação de organizações políticas, coletivos de mídia, criadores de conteúdos, a conjuntura política tem apontado para a circulação intensiva de material de campanha na internet. 

Onã Rudá, ativista do movimento LGBTIA+ e antirracista, candidato suplente pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB) na cidade Salvador, Bahia, acredita que, apesar do cenário pulverizado, as possibilidades do cenário digital foram muito importantes para o impulsionamento de conteúdos que apresentassem as propostas de canditades por todo país embora a circulação de desinformação e usos dessas dinâmicas de forma ilegal tenham pautado as eleições municipais muito fortemente. Apesar de não ter sido eleito, sua campanha contou com produção intensiva de conteúdos para redes sociais.

Onã Rudá é fundador da Torcida LGBT+ Tricolor e representante da União Nacional LGBT+ na Bahia – Foto/Reprodução Instagram

De lives, que duram em média 59 minutos no Instagram, a conteúdo de curta duração. As estratégias de comunicação e incidência foram diversas, principalmente, diante de um momento em que a construção política corpo a corpo está limitada, por conta da necessidade do distanciamento físico. É o caso da vereadora trans eleita, Duda Salazart, que bateu o recorde de votos (37.613)  na cidade de Belo Horizonte (MG) pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), e que construiu uma campanha expressiva nas redes sociais, sem a utilização de material impresso. Como proposta de campanha, a vereadora pretende cumprir a missão de plantar uma árvore para cada voto ganho. 

Em análise ao resultado das eleições de 2020, Onã Rudá, avalia como desastroso, sobretudo pela a forma como o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-BA) atuou para realização das eleições, mostrando pouca efetividade na garantia de disputas democráticas e éticas. A exemplo, podemos acompanhar uma série de negligências pelo país, como dos muitos municípios em que houve descumprimento do distanciamento social, favorecendo para uma possível segunda onda de infecções pelo coronavírus no país, que já ultrapassam mais de 160 mil mortes, de acordo dados do Ministério da Saúde. “Avalio como muito ruim, acho que a cidade (Salvador) vai amargar por muitos anos os índices que a gente tem de desemprego, de mortalidade da juventude, de feminicídio; enfim, da desigualdade social mesmo, que é uma das principais marcas de Salvador”, reflete Onã.

A descentralização do poder de produção e circulação informativa é um desses reflexos, que permitiram que candidates construíssem agendas políticas diferenciadas, embora as desigualdades de recursos ainda seja uma das principais problemáticas para a conjuntura política brasileira. Por outro lado, podemos observar o próprio agravamento da pobreza no país, diante da necropolítica do Estado (conforme reflete o filósofo camaronês, Achille Mbembe), em negligência aos direitos básicos nesse momento de crise sanitária. Diante da ineficiência do Governo Federal para garantir políticas públicas que atendesse a população brasileira, os dados apontam para mais de 160 mil mortes, majoritariamente pessoas negras. 

Dados recentes, divulgados  pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontam para o crescimento do desemprego no país, com cerca de 13,5 milhões de brasileiros afetados. Importante considerar também as candidaturas que aderiram à política suja, prática histórica no Brasil, com violações não somente à legislação eleitoral, com o agenciamento de criadores de conteúdos e circulação de fake news (conteúdo falso), mas também às diretrizes de distanciamento da Organização Mundial da Saúde (OMS), que buscam reduzir a disseminação e impactos do Covid-19. 

Segundo levantamento do MonitorA, apresentado pelo Instituto AzMina em parceria ao InternetLab e o Instituto Update, mulheres negras foram os principais alvos de discurso de ódio nas redes sociais na Bahia. A ferramenta foi desenvolvida para investigar a frequência em que a violência contra mulheres que estão na política são propagadas no ambiente virtual. Os ataques são pautados pela discriminação de gênero, identidade e sexualidade. A vereadora mais votada do Brasil nas eleições municipais de 2020, Erika Hilton (PSOL) sofreu diversos ataques transfóbicos, além de ter sido alvo também de fake news. Com cerca 50.508 votos, a vitória de Erika Hilton é também um marco para a política no país, ela é a primeira mulher trans negra a ocupar cadeira na Câmara Municipal da cidade de São Paulo. 

Com as mobilizações na internet, o coletivo recebeu apoio, até mesmo, em zonas fora de Salvador, embora nunca tenham visitado, segundo Laina – Foto/Reprodução Instagram

Para Laina Crisóstomo, advogada feminista e ativista LGBTIA+, candidata eleita a vereadora pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em Salvador, com 3.635 votos, as redes sociais fizeram toda diferença para a construção da sua campanha. Em mandato coletivo, o “Pretas por Salvador”, representado também por Cleide Coutinho e Gleide Davis, Laina afirma que os atravessamentos da pandemia favoreceram para que as estratégias políticas nas eleições municipais fossem ainda mais adequadas para internet. “Ocupar as redes foi um processo de resistência, e eu posso falar não só das eleições. Por exemplo, eu sou fundadora da Tamo Juntas, que faz atendimento presencial às mulheres vítimas de violência, e vimos que o atendimento remoto era urgente; as mulheres precisavam dar conta dessa situação da violência e a gente precisava se reinventar para atender essas mulheres” afirma vereadora. 

Para além das possibilidades nas redes sociais, Laina acredita que o trabalho de rua, respeitando todas as medidas de prevenção e distanciamento social, também foi muito importante para garantia da candidatura. Além disso, ela fala da importância de conhecer as realidades das pessoas, ainda mais agora na pandemia. “Estar na rede só, é algo que parece uma bolha, você fica distante de todo mundo. E eu acho que a gente que faz uma política que é de movimento social, que é direitos humanos, é muito diferente. A gente precisa estar na rua, precisamos ver as pessoas, então acho que temos perspectivas diferenciadas nessas candidaturas”, afirma. 

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