Por Júlia Santiago
Já parou para analisar qual o perfil das pessoas que atualmente governam nosso país? Como era o candidato que você votou na última eleição? O poder organizacional ainda é um espaço a ser ocupado pelas periferias e suas pautas. Por muito tempo o cenário político foi formado por uma classe de senhores de meia idade e, em grande parte, brancos. A cada novo mandato, o mesmo perfil seguia se repetindo. Percebe?
Pouco vemos os partidos políticos aceitando a diversidade e as “novas regras” dos jogos eleitorais. Mas a dinâmica da política é curiosa. Dentro disso, temos as candidaturas coletivas, movimento que tem ganhado adesão de adeptos em eleições anteriores e volta a ser fortemente citado nas eleições municipais de 2020. A nova ferramenta política busca mecanismos de inclusão da sociedade nos processos de decisão e o aumento do seu poder de influência e interferência dentro dos espaços políticos. Para isso, os mandatos coletivos apostam na adesão e colaboração da sociedade civil com o poder público através da intervenção direta da população nas tomadas de decisões de um representante político durante seu mandato. Nas duas últimas eleições, houve um aumento no número de candidaturas coletivas para o Poder Legislativo. Enquanto nas eleições de 2012 e 2014 foram sete candidaturas na disputa, no pleito de 2016 e 2018 somaram 98, segundo levantamento da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps). Nas eleições Municipais deste ano, tivemos pelo menos 34 candidaturas coletivas na disputa por vagas na Câmara Municipal.
Nessa perspectiva, podemos falar de Camilla Lima, 34 anos, que subverteu todo um sistema padronizado ao lançar sua candidatura à Câmara Municipal junto com três mulheres na Bancada Feminista. Moradora do Capão Redondo, professora da rede municipal de Ensino e militante partidária, ela afirma que “ninguém melhor do que nós todos, que estamos na periferia, para pensarmos em políticas públicas para nós mesmos. Nossas vozes precisam ser ouvidas. A periferia é potência, e não carência”.
Em junho, o coletivo realizou uma live de lançamento da candidatura à Câmara de Vereadores de São Paulo, na sua página do Facebook. Cada uma das co-candidatas representa uma grande área da periferia urbana, um seguimento e bandeiras de atuação do coletivo. “Confesso que ficamos chocadas! Foi incrível ver mulheres que estavam se reconhecendo e se sentindo representadas no nosso trabalho, e homens que querem somar nessa luta”, conta Camilla. Vale destacar que a presença feminina na Câmara dos Vereadores chegou a um recorde histórico nas eleições de 2020. Foram 13 vereadoras eleitas (23% das cadeiras da Casa). Na legislatura anterior, eram 11. Entre elas está Erika Hilton, a primeira vereadora trans da capital paulista. Ela foi uma das dez mais bem votadas na cidade, que também elegeu com votação expressiva Thammy Miranda, um homem trans. “Sempre vou reforçar que as candidaturas precisam ter significado dentro dos espaços de poder para pensar melhor as políticas para a população”, continua.
Em um mandato coletivo, estão reunidas diversas pessoas com conhecimento e experiência em áreas específicas, pertencentes a diferentes setores sociais e partidos políticos. A missão principal é assumir o compromisso de ser um canal direto de intervenção da sociedade no poder público, de forma a somarem suas capacidades em áreas particulares e contribuírem na cocriação de projetos e na gestão da governança, agregando ao mandato múltiplas perspectivas e diferentes saberes. Jussara Basso, Débora Amorim e Tuca, três mulheres do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) também lançaram uma candidatura coletiva buscando concorrer nas eleições de 2020. Com Débora à frente da ocupação Marielle Vive, na zona norte, Jussara na Vila Nova Palestina, na zona sul, e Tuca na ocupação Copa do Povo, na zona leste, o grupo é formado por mulheres negras, sem teto e da periferia de São Paulo que tem como objetivo levar à esfera pública municipal a luta que já reivindicam através do Movimento.
Jussara conta sobre o papel do movimento durante a campanha. “Entendemos que o formato de atuação de um mandato coletivo é construir coletivamente projetos que atendam à demanda que vem da população. Para isso ser implementado institucionalmente, é um pouco difícil”, relata.
Mas também existem pontos negativos a serem pensados em um período tão decisivo. “Nosso maior desafio sempre será contra o ódio. Como estamos muito expostas, acaba rolando esse receio”, conta Camila. Já para Jussara, a forma como a política se estrutura é o principal empecilho para candidaturas femininas e periféricas, “O maior desafio é não ser como filhos de políticos que fizeram da vida pública uma carreira. Sem falar que é um sistema fortemente personalista, individualista e excludente. Minhas motivações continuam sendo questionar esse sistema que tem como base de sua construção o machismo e o racismo estrutural”.
A partir disso, é possível enxergar caminhos de poder nas periferias, amplificando o eco das realidades e demandas. O processo para ocupação desse poder tem trazido abordagens diferentes e cada vez mais potentes.
A partir dos territórios
Agora, vamos pensar em um contexto mais amplo: O que vem na sua cabeça quando ouve a palavra “política”? Terno, gravata, votações, troca de acusações? Pelo Brasil afora, existem iniciativas que mostram que fazer política não é mais sinônimo de Brasília. Pelo contrário: a inovação pulsa é nas periferias do país. A pesquisa “Emergência Política Periferias”, realizada pelo Instituto Update, mapeou 400 iniciativas e seu impacto na nova forma de fazer e imaginar política. “A pesquisa deixou claro que o futuro precisa ser construído junto com a periferia, ser pautado por ela”, afirma Wellington Amorim, 25, morador da Vila Calu, Zona Sul de São Paulo, e que foi um dos idealizadores dessa pesquisa. “Se ela não estiver incluída nos espaços de decisões, a sociedade não anda”, declara.
A equipe de pesquisadores, todos moradores da periferia, entrevistou mais de 100 lideranças em cinco capitais e concluiu que cada cidade tem um movimento político próprio. Mas uma característica presente em todos eles é a de basear-se na redução das desigualdades, na diversidade de raça e gênero, na tolerância. “Na favela não chega saúde, saneamento, cultura. Não chega educação de qualidade. A única política pública que os governantes mandam é a operação policial”, conta Wellington.
Segundo trecho da pesquisa, deve-se falar sobre a mobilização de seres políticos ‘a partir’ das periferias e não ‘da’ periferia. “Isso porque estamos falando dessa inovação política que não está necessariamente na periferia, mas que parte dela. É trazer um sujeito que está formulando políticas públicas para o país a partir do seu território”, explica. Atuar de forma conjunta para desenvolver soluções é uma máxima dentro desses movimentos da nova política.
Vale ressaltar também a importância de tratar sempre as periferias no plural, uma vez que diferentes espaços têm diferentes costumes, culturas e regras sociais que não devem ser diminuídas e colocadas em uma mesma identidade coletiva. “A pesquisa foi um caminho tanto de ver a diversidade das ações como a diversidade dos territórios. A periferia de Belo Horizonte é diferente da periferia do Rio, que é diferente da periferia de São Paulo. Então, acredito que foi uma leitura dessas periferias no Brasil”, defende Wellington.
O que se vê como resultado, são esses coletivos das periferias ocupando esses espaços institucionais. As impressões da identidade coletiva na qual vivemos cotidianamente dentro da quebrada podem se expressar muito fortemente nessas eleições. “Temos políticos somente em períodos eleitorais, mas este novos possíveis candidatos partidos do território estão no dia a dia e podem se identificar melhor com os eleitores. A periferia tem entendido que precisa fazer parte do processo da política institucional para dizer sobre o território. Sinto que as periferias têm pautado que vamos sim colocar essas pessoas nesses espaços de poder, porque só assim nossas pautas serão representadas”, conclui.