Thais Lazeri – Carta Capital
Há pelo menos 14 terras indígenas homologadas sob ataque neste momento. A Repórter Brasil levantou os casos em conversas com 13 lideranças indígenas nas últimas duas semanas, cinco servidores da Funai e órgãos do terceiro setor. Lideranças indígenas e indigenistas concordam na avaliação de que o atual cenário político gera uma sensação de “liberou geral”.
“As invasões vão piorar”, diz Adriano Karipuna, liderança que tem enfrentado ameaças de madeireiros dentro de seu território. “Bolsonaro prega que índio não precisa de terra, que não trabalha, que é como animal num zoológico. Quem já tinha maldade para fazer isso está agora recebendo apoio”.
Uma liderança de Pitaguary, no Ceará, reforça que os ataques à comunidades indígenas explodiram desde que Bolsonaro assumiu a dianteira das pesquisas eleitorais, no final do ano passado.
“Uma liderança nossa levou um tiro. Um outro foi queimado por defender nossas terras. E agora vai piorar, porque as demarcações foram para outro lugar. Quem vai nos defender?”
“Quando Bolsonaro vai para Rondônia e diz que não vai demarcar nenhuma terra indígena, e a terra está em disputa entre indígenas e grileiros, você acha que ele dá moral para quem?”, questiona Danicley de Aguiar, do Greenpeace.
Diante dos invasores, indígenas têm protegido suas próprias terras. Caso do povo Guajajara, do Maranhão, que criou o grupo Guardiões da Floresta há oito anos, hoje com 120 integrantes. Em vídeo gravado pelos indígenas em dezembro de 2018, os ‘guardiões’ dão sermão em madeireiros ilegais encontrados explorando recursos em seu território. “Não tenho nem ideia da quantidade de vezes já expulsamos os madeireiros”, conta Tainaky, uma das lideranças da comunidade.
Indígenas Guajajara ‘caçam’ madeireiros ilegais e dão sermão nos invasores (Vídeo: Guajajaras)
O desmonte da Funai
Além do avanço violento de grupos locais inflamados pelas falas do então polêmico candidato e hoje presidente Jair Bolsonaro, as terras indígenas estão ainda mais frágeis devido ao desmonte da Funai.
A Funai foi dividida em duas: parte submetida à pasta da Agricultura e outra parte está sob comando do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. O maior problema é a sua retirada do Ministério da Justiça, que também abriga a Polícia Federal – órgãos responsáveis por, juntos, protegerem as terras e os direitos indígenas.
A articulação com a Polícia Federal, que já não era simples, demanda agora estreita sintonia entre os três órgãos do Executivo. A mesma regra vale para para a criação de novas terras. “As demarcações, que já estavam em marcha lenta, vão parar de vez”, analisa outro servidor ouvido pela reportagem.
“Não sabemos como será nosso trabalho sem o contato direto com a Polícia Federal”, questiona um servidor da Funai que não quis se identificar. “A articulação direta com a Polícia Federal e a Força Nacional não será mais possível”, concorda Andrea Prado, presidente da Indigenistas Associados (INA), que representa os funcionários da Funai e que, como o movimento indígena, defende que o órgão volte a estar submetido ao Ministério da Justiça.
Tudo isso ocorre em meio a um cenário de intensa disputa pelo território. Cerca de 450 terras indígenas enfrentam ou enfrentaram nos últimos anos invasões e ameaças por parte de grileiros, madeireiros, garimpeiros ou posseiros, segundo dados do Instituto Socioambiental (ISA).
Jogo de empurra
Se, por um lado, o presidente prometeu não homologar nenhuma nova terra indígena, por outro, ele revelou em campanha forte discurso contrário a invasores de terras. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, também tem repetido que o novo governo não tolerará invasões de terra.
“Bandido é bandido, produtor é produtor e terra demarcada é terra demarcada. Nós não podemos incentivar o banditismo e grileiros, pois a lei está aí para isso e precisa ser cumprida”, declarou a ministra da Agricultura em entrevista à Globo News no último dia 17. “O Brasil não é uma republiqueta”, completou.
Por ora, as três pastas – Justiça, Agricultura e Direitos Humanos – ainda oferecem poucas explicações sobre como lidar e se articular diante das invasões de terras indígenas e fazem uma espécie de jogo de empurra.