“No Brasil, uma mulher negra não vale nada”, diz autora africana

 

Em uma tribuna do jornal Libération, publicada nesta segunda-feira (7), a escritora ruandesa Scholastique Mukasonga escreve sobre o Brasil, país que autora já visitou três vezes. Ela conta o que testemunhou diante de um país em transição política ao voltar de uma nova viagem recente ao país

Mukasonga esteve em Porto Alegre e São Paulo para promover seu livro “Baratas”, o terceiro que lança no Brasil. No Rio de Janeiro, ela participou do fórum “Women of the World”, uma iniciativa do Conselho Britânico em parceira com a ONG Redes da Maré.


No texto, a autora fala sobre sua primeira visita ao país, e da experiência com os leitores emocionados com o seu trabalho.


A autora reconhece não ter se dado conta, nessa primeira viagem, “da violência do abismo que separa a riqueza ostentadora da pobreza extrema e do racismo exibido por pessoas que fazem sangrar um país tão cativante. ”


A viagem mais recente de Scolastique foi diferente. “Desde minha chegada, fiquei impressionada pela atmosfera de medo e violência que reinava”, diz. Tanto em Porto Alegre, quanto em São Paulo, os conselhos eram de não sair do hotel de noite, por conta das gangues que disputam ruas e bairros.


Em São Paulo, as advertências eram ainda mais insistentes: “Tenha muito cuidado, pois além de mulher, você é negra. Aqui, uma mulher negra não vale nada. É preciso prestar atenção em dobro, no simples fato de atravessar uma rua, pois um carro pode avançar sobre você. Ele não vai parar, ainda mais por ser uma mulher negra”, testemunha.


Genocídio nas favelas

No Rio, ela diz que é sempre surpreendente ver a pobreza sórdida das favelas ser o pano de fundo tão próximo do luxo dos palácios de Ipanema. No fórum das Mulheres do Mundo, ela foi solicitada a desenvolver o tema “Mortes violentas, lidar com a dor na vida cotidiana de uma mulher”.



A intervenção que mais a comoveu foi a de Marinete da Silva, mãe da vereadora Marielle Franco, assassinada no dia 14 de março.


Uma das questões levantadas no debate foi sobre a possiblidade da existência de uma política sistemática de assassinatos de jovens negros nas favelas. “Uma acusação grave”, pondera a escritora africana. A escritora brasileira Conceição Evaristo confirmou à colega essa intenção e ainda qualificou a ação de “genocídio”.


Scolastique pensou imediatamente no massacre de Ruanda, do qual foi testemunha, e argumentou no debate durante o Fórum que o termo deveria ser reservado para um objetivo deliberado de erradicação massiva de uma população. Conceição Evaristo respondeu que sabia disso e insiste, citando um projeto para embranquecer as favelas.


“Eleição de Bolsonaro excita violências”

Scholastique Mukasonga relata encontros que refletem um Brasil diferente do que ela imaginava: evangélicos pregando nas ruas, drogados.


“Sempre sonhei com o Brasil um país feliz, mestiço, de todas as misturas”.


Mas ela se deu conta que “as nuances de cores são também uma hierarquia, mesmo no interior das famílias”. E questiona: “A eleição de Bolsonaro excita todas as violências, será que o país vai agonizar em uma ditadura ainda mais sombria de todas que já conheceu? ”


Em seguida, no texto, a autora também fala de Iemanjá e do hábito carioca de lançar ao mar os frágeis cestos de palha com flores, perfumes e pedidos. Se Iemanjá aceita, o oceano engole a oferenda. Se ela rejeita, tudo volta à praia.


No final Scolastique faz um pedido: “que todos os brasileiros arranquem forças de suas raízes africanas e indígenas para resistir à barbárie que ameaça um país tão belo”.


 

 

 

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