Mariana Schreiber, publicada por BBC Brasil, 26-11-2018.
A metade mais pobre da população, por sua vez, teve uma retração de 3,5% de seus rendimentos do trabalho em 2017, um reflexo do aumento do desemprego no país. Já a média de rendimentos totais, que inclui também benefícios sociais, caiu 1,6% para R$ 787,69, o que representa menos de um salário mínimo.
“As atenuações nas quedas de rendimentos dos mais pobres, quando considerados rendimentos totais em contraste com renda de todos os trabalhos, mostram a importância de o Estado reduzir o impacto de crises econômicas, que tendem a atingir os mais pobres com mais força”, destaca a Oxfam.
Outro reflexo da crise econômica e da alta taxa de desemprego – que passou de 11,5% em média em 2016 para 12,7% em 2017 – foi o aumento do número de pobres no paíspelo terceiro ano seguido.
Segundo o relatório, o Brasil tinha 15 milhões de pessoas pobres – que sobrevivem com uma renda de até US$ 1,90 por dia (pouco mais de R$ 7, segundo critério do Banco Mundial) – em 2017, o que representa 7,2% da população. Isso significou alta de 11% em relação a 2016, quando havia 13,3 milhões de pobres (6,5% da população).
‘Mais impostos sobre os ricos’
Além de trazer cálculos próprios, o estudo faz uma análise de dados já divulgados por diferentes instituições. O relatório chama atenção, por exemplo, para a estagnação da queda na desigualdade de renda em 2017, após quinze anos sucessivos de melhora desse indicador.
O índice de Gini – que mede a concentração de renda na sociedade e varia de zero (perfeita igualdade) até um (desigualdade máxima) – vinha recuando desde 2002 até 2015 no Brasil. Em 2016, devido a mudanças na pesquisa de renda (Pnad) do IBGE, não foi possível comparar o resultado no ano anterior. Em 2017, quando a comparação foi retomada, o indicador ficou em 0,549, estável em relação a 2016.
Com isso, o país passou de 10º para 9º mais desigual do planeta no ano passado, segundo ranking do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento(Pnud).
Para retomar os avanços na distribuição de renda, o relatório sugere mudanças na forma como o Estado arrecada e gasta. A Oxfam ressalta que o sistema tributário do país vai na contramão do modelo dos países desenvolvidos ao privilegiar impostos indiretos (sobre produção e consumo) em detrimento daqueles que incidem diretamente sobre renda.
Na prática, isso contribui para a concentração de renda, já que os mais pobresacabam pagando proporcionalmente mais impostos.
A organização defende, então, a volta da tributação sobre lucros e dividendos distribuídos por empresas a acionistas, assim como a criação de novas alíquotas de impostos de renda (IR) mais elevadas para brasileiros com maior renda. Hoje, a alíquota máxima de IR no país é de 27,5%, cobrada sobre todos que ganham acima de R$ 4.664,68.
A proposta vai na direção oposta da prometida pela campanha do presidente eleito Jair Bolsonaro. Durante a corrida eleitoral, o futuro ministro da Fazenda, Paulo Guedes, disse que quer unificar a alíquota de IR em 20% para todos que ganhem acima de R$ 5 mil, deixando isentos os brasileiros com renda abaixo desse valor.
Segundo Rafael Georges, coordenador de Campanhas da Oxfam e autor do relatório, é possível distribuir renda sem elevar a carga tributária, mas para isso é preciso tornar o sistema mais progressivo, como prevê a Constituição brasileira.
“Alíquota única (de IR) joga contra a redução da desigualdade. Não faz sentido, não é previsto na Constituição e é excessivamente benevolente com o topo da pirâmide social no Brasil, que já paga pouco imposto de renda. Vamos esperar propostas concretas (do novo governo) para uma posição mais definitiva”, afirmou.
‘Mais gastos sociais, menos privilégios’
Do ponto de vista de gastos, a Oxfam critica medidas de austeridade (cortes de despesas públicas) que impactam o atendimento aos mais pobres em serviços públicos como saúde e educação, defendendo a revogação da emenda constitucional que congelou os gastos públicos por 20 anos.
Defensores do chamado “teto dos gastos” argumentam que ele é necessário para tirar as contas públicas do vermelho – rombo que vem desde 2014.
O documento reconhece que o equilíbrio fiscal é necessário para dar sustentabilidade à redução das desigualdades, mas considera que o congelamento dos gastos não resolve o problema.
“Não defendemos expansão descontrolada de gastos. O problema é que o teto congela tudo. Os gastos sociais que aumentam a produtividade da economia no médio prazo, como investimento em educação e saúde e em infraestrutura, e não mexe nos privilégios”, argumenta Georges.
Negros e mulheres
O documento também mostra um aumento no fosso de renda racial e de gênero.
A partir da análise de dados do IBGE, a Oxfam detectou o primeiro aumento na desigualdade de rendimento entre homens e mulheres em 23 anos. Enquanto em 2016 as brasileiras ganhavam em média o equivalente a 72% da remuneração dos brasileiros, em 2017 esse percentual recuou para 70% (R$ 1.798,72, contra R$ 2.578,15 da renda média masculina).
O agravamento foi ainda pior no caso da desigualdade racial. Em 2017, o ganho médio dos negros ficou em R$ 1.545,30, pouco mais da metade (53%) do rendimento dos brancos (R$ 2.924,31). Esse percentual era de 57% em 2016.
“Em geral, em momentos de crise, quem é o primeiro a perder o emprego no Brasil São aqueles que estão na franja da economia, com contratos temporários, na ponta do setor de serviços, a mão de obra da construção civil, o chão de fábrica. Essas pessoas são a base da pirâmide e em sua maioria são negros e mulheres”, ressalta o coordenador de Campanhas da Oxfam.