Debate interditado pelo bolsonarismo obriga esquerda a buscar diálogo

Carol Scoore

Ao se recusar em participar dos debates eleitorais, o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), deixou evidente um dos fatos mais marcantes dessas eleições: a ausência de diálogo e de propostas concretas para o País. Ao contrário, a influência das redes sociais e a produção massiva de notícias falsas ajudaram a eleger um candidato que não deixou claro seu programa de governo, e também por isso não teve suas ideias confrontadas.

Para o cientista político e professor da Universidade de Brasília Luís Felipe Miguel, a conjuntura demonstra que a esquerda precisa recriar formas de interlocução política permanentes com a população, defendendo modelos de democracia que permitam maior envolvimento no exercício da cidadania.

Um momento da campanha que ajuda a explicar os problemas enfrentados pela esquerda foi o movimento espontâneo que surgiu para conversar com eleitores nas ruas, em especial os indecisos, mas que também tinha o objetivo de virar votos.

“Pelo tamanho dessa mobilização, em outras campanhas esse movimento teria tido um impacto muito maior do que teve. Em 2014 houve uma mobilização semelhante no segundo turno em favor de Dilma e funcionou. Isso mostra que a estratégia do Bolsonaro, baseada no pânico e uso massivo das redes sociais para a disseminação de inverdades, fez com que as pessoas se tornassem menos sensíveis aos debates. O bolsonarismo bloqueia qualquer possibilidade de discussão”, afirma Miguel.

Para ele, isso obriga a esquerda a ter um esforço maior de diálogo com a população ao invés de esperar os processos eleitorais pra tentar passar a sua mensagem.

Ele explica que os modelos de democracia liberal praticados no ocidente estabelecem com a população condições mínimas de participação política, e que agora, com as novas formas de tecnologia e de manipulação, faz com que as pessoas tomem decisões com o mínimo de informação.

“Sem envolvimento, o eleitorado está muito vulnerável as novas estratégias de manipulação. Antes, quando as pessoas se informavam pela imprensa tradicional, por exemplo, haviam manipulações, mas elas aconteciam na esfera pública, o que permitia o contraditório. Nesse modelo as pessoas não querem debater.”

Incertezas

Para o também cientista político e professor da Universidade Federal do ABC Vitor Marchetti, o discurso feito por Bolsonaro para seus apoiadores no dia 21, quando o então candidato falou em “eliminar a oposição”, produziu um ponto de inflexão na campanha. “Houve uma mudança de votos do primeiro para o segundo turno. Ficou mais forte a ideia de que o candidato não tinha um projeto para o País.”

Ao invés de propostas, Bolsonaro ofereceu ao eleitorado a pauta da moralidade, montada essencialmente no ataque à corrupção, encarnando o sentimento anti-petista de boa parte da população.

“Elegemos um presidente que conhecemos muito pouco das suas posições para economia, saúde, educação, trabalho. Sempre que alguém da campanha falava algo, era imediatamente desautorizado. Ele surfou num sentimento de mudança na população, mas sem tem quer dizer que mudança era essa”, acrescenta Marchetti.

Esse efeito, no entanto, não deve perdurar. À medida em que o presidente eleito passar a nomear sua equipe de governo, os rumos do futuro governo ficarão cada vez mais explícitos, e o sentimento de mudança estimulado na população deve se esvaziar, acredita Marchetti.

“Ele terá de sinalizar para diferentes grupos, e sabemos que ele sofre resistência no sistema político tradicional. São muitas forças para equilibrar. O PSL cresceu muito, mas não é um partido orgânico. Essa descoordenação política pode minar esse efeito de adesão que o voto parece provocar.”

As ofensivas de Bolsonaro a oposição a sua candidatura – e agora ao seu futuro governo – podem  criar mais problemas para estabilidade do governo.

“A oposição saiu fortalecida. Derrotada, mas forte. Do ponto de vista institucional, o PT não tem uma bancada desprezível, e o (Fernando) Haddad ganhou em mais municípios do que o Bolsonaro. Também tem uma oposição direta que vem da própria população. Se ele continuar com esse discurso violento, de varrer a oposição do País, pode perder uma parte significativa do eleitorado que o apoiou, e que não é avessa a democracia”, avalia Marchetti.

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