“Grupo contra Bolsonaro incomoda por causa de seu potencial”, diz Rosana Pinheiro-Machado

Gabriela Bonis

 

Após sofrer ataques neste fim de semana, o grupo “Mulheres Unidas contra Bolsonaro” foi retirado temporariamente do ar pelo Facebook. O grupo ganhou repercussão por reunir em poucos dias mais de 1 milhão de mulheres (além de milhares de outras solicitações aguardando aprovação) se opondo à candidatura do deputado Jair Bolsonaro (PSL) à Presidência.

Administradoras do grupo afirmaram ao site Catraca Livre que o perfil de uma delas na rede social foi invadido na quinta-feira 13 e seus dados pessoais foram expostos. Outra administradora disse ter sido ameaçada via WhatsApp para que encerrasse o “Mulheres Unidas contra Bolsonaro”, recebendo inclusive uma mensagem com seus dados.

Durante parte do domingo 16, o grupo ficou fora do ar enquanto o Facebook analisava o que havia ocorrido. O grupo foi restaurado e devolvido às administradoras.

“O incômodo é porque sabem da potência, da possibilidade desse grupo. Dois milhões de mulheres organizadas, motivadas e discutindo são capazes de mobilizar suas mães, filhas, amigas. Imagina o impacto disso em um país com a quantidade de eleitores como o Brasil”, afirma a antropóloga Rosana Pinheiro-Machado, professora da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e ex-professora da Universidade de Oxford, no Reino Unido.

“Não nos quiseram nas redes, agora terão que nos aguentar na rua”, completa.

CartaCapital – O grupo “Mulheres Contra Bolsonaro” ganhou rápida adesão em um cenário no qual 49% das mulheres rejeitam a candidatura de Jair Bolsonaro. Como a senhora analisa esse movimento online?

Rosana Pinheiro-Machado – A rejeição só existe também em relação a outro dado que deve ser observado que é o desprezo da maior parte das mulheres por essa política institucional que não as representa, sendo que o maior número de indecisas também vem das mulheres. Analiso isso como uma urgência de nos defendermos e nos protegermos porque, em última instância, somos nós por nós mesmas. Especialmente as mais prejudicadas em um possível governo Bolsonaro que é a base da pirâmide: as mulheres negras, que já sofrem toda a precarização do trabalho e as consequências da violência urbana. São as mulheres que apanham e são estupradas a cada 11 minutos e que são as vítimas da violência real dessa sociedade. Também são as mulheres que temem que o armamento traga mais violência porque não são elas que reproduzem a violência, que acham que a violência se soluciona com mais violência. É um pouco de medo e ação. Sai desse desprezo pela política institucional em que ninguém representa para um ação pelas nossas vidas, porque tem sido assim historicamente. São as nossas vidas que são as mais violentas e a grande vítima do sistema excludente capitalista.

CC – O que representa esse ataque à pagina e às suas administradoras?

RPM – Esse ataque representa o que é a política de uma base forte de fãs do Bolsonaro, que não são só eleitores, admiradores ou pessoas que acreditam no projeto. São pessoas que participam praticamente de uma seita fanática e misógina que se sente ameaçada quando dois milhões de mulheres se reúnem contra um candidato. É inédito um grupo de dois milhões de mulheres feito em poucos dias. É um fenômeno político extraordinário. Isso ultimamente só as mulheres têm conseguido fazer. Nesse tamanho e com tamanha mobilização desde a primavera das mulheres, são elas que têm conseguido se organizar.

CC – Por que esse grupo parece ter causado incômodo a ponto de gerar um ataque e divulgação de notícias falsas?

RPM – O incômodo é porque sabem da potência, da possibilidade desse grupo. Dois milhões de mulheres organizadas, motivadas e discutindo são capazes de mobilizar suas mães, filhas, amigas. Se dois milhões estão organizadas no Facebook, discutindo e  pensando em maneiras de como conversar com a sua vizinha, imagina o impacto disso em um país com a quantidade de eleitores como o Brasil. É muito grande. É muito possível criar mobilização e isso se faz a partir do contágio. Vejo na minha rede de amigos e de pessoas que não são mobilizadas politicamente que entraram para o grupo, e estão se sentindo pertencendo a alguma coisa. Isso é fantástico. A gente não pode deixar isso morrer. A gente tem que ir para rua e tem que mobilizar um milhão de pessoas.

CC – A senhora acredita que essa mobilização feminina online pode gerar reflexos significativos no mundo “real”?

RPM – Acho que sim e creio que temos duas mobilizações reais acontecendo. A primeira é que muita gente só dizia que não votaria em Bolsonaro, mas passou a se mobilizar. Isso é um projeto clássico de politização e já foi um ganho real. O segundo ganho real é quando uma mulher vai chamado a outra. Se dois milhões conseguiram se juntar em poucos dias, imagina se continuasse. Agora, o ganho real mesmo tem ser na rua. Acredito que esse episódio da derrubada do grupo tem que ser um processo de incentivo, a faísca para um processo de mobilização. Tem que trazer raiva por esse ataque. A partir da injustiça desse ataque brutal, temos que conseguir botar 1 milhão de pessoas na rua. Não nos quiseram nas redes, agora terão que nos aguentar na rua.

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