CNJ é acionado por crimes de Sérgio Moro

Leonardo Fernandez

Embora os juízes sejam vistos como última linha de defesa da legalidade, a magistratura também está subordinada a limites normativos que buscam impedir abusos. No caso brasileiro, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi criado em 2005 como órgão externo de controle, capaz de analisar com isenção e distanciamento os casos de desvios na atuação do Poder Judiciário.

Foi a esse órgão que a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) encaminhou, nesta terça-feira (10), uma representação contra o juiz de primeira instância Sérgio Moro, devido à reação do magistrado após o desembargador Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), acatar um pedido de habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e determinar sua libertação, no último domingo (8).

Moro está de férias de 2 a 31 de julho, e se encontra de viagem em Portugal. Mesmo assim, interrompeu o recesso para se posicionar contrariamente à decisão do desembargador do TRF-4. “Quando ele sai de férias, ele deixa de ter jurisdição. O fato de ele estar em férias retira dele qualquer possibilidade de sentenciar, despachar ou tomar qualquer ato decisório, porque ele não tem jurisdição”, explica Nasser Ahmad Allan, advogado, doutor em direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e membro da ABJD.

Outra integrante da ABJD, Tânia Oliveira, vai além e afirma que, independentemente das férias, o juiz não poderia mais se pronunciar em relação ao processo que condenou o ex-presidente Lula, já que o efeito imediato da sentença proferida por ele esgota a atividade em sua instância.

“O juiz Sérgio Moro é incompetente para despachar nos autos por vários motivos. O primeiro deles é que a jurisdição dele acabou há muito tempo. Acabou quando ele sentenciou o Lula. Ele não pode mais despachar no processo do triplex porque ele não tem mais competência. E aí não interessa se ele está de férias, se ele está em Portugal, se ele está na Rússia vendo a Copa, se ele está em Curitiba despachando, não importa. Ele não tem jurisdição nem competência para despachar nesse processo”, destaca.

Abuso de autoridade

Na representação encaminhada ao CNJ, além da falta de competência e do desrespeito à hierarquia processual, a ABJD acusa Moro de ter praticado abuso de autoridade, configurada no artigo 4º da lei 4.898, de 1965.

“Há um dispositivo na lei que diz respeito ao ato de evitar ou impedir a soltura de preso, ou mesmo retardar a prisão de forma injusta. Nesse caso específico, como havia um alvará de soltura e ele, através de seus atos, impediu que o alvará de soltura fosse cumprido, a gente entende que isso se caracteriza como abuso de autoridade”, afirma Ahmad.

Segundo a Associação, Moro, que atua na 13ª Vara Federal de Curitiba, não poderia interferir no cumprimento da ordem, tendo cometido ainda o crime de prevaricação, previsto no art. 319, do Código Penal, aplicável na hipótese de desobediência a ordem judicial praticada por funcionário público no exercício de suas funções.

A representação lembra ainda que desobediência a ordem judicial é “crime comum”, tipificado no artigo 330 do Código Penal; um delito reiterado pelo magistrado, segundo a ABJD, que menciona uma tentativa da parte de Moro de descumprir uma decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal – no caso, quando tentou forçar o ex-ministro José Dirceu a usar tornozeleira eletrônica mesmo após ele ter tido sua liberdade decidida pela corte máxima do Poder Judiciário.

Como agravante, o fato de Moro ser um servidor público configura um “comportamento incompatível com o exercício da função pública”.

O documento finaliza ressaltando os limites do exercício do poder em uma democracia. “Entendemos que no Estado Democrático de Direito há limites intransponíveis ao exercício do poder. De qualquer poder”. E conclui solicitando a abertura de um processo administrativo disciplinar para apurar as condutas do juiz Moro.

Corporativismo

Tânia Oliveira lembra que já há representação no CNJ contra práticas abusivas do juiz Moro, mas que o conselho tem adotado uma postura corporativista e evitado julgar esses casos. “A pior coisa que o Moro fez até hoje foi grampear uma presidente da República e divulgar para a imprensa, assumidamente. Há três crimes sobrepostos nesse caso. Nós fizemos uma representação no CNJ em 2016, há dois anos, e desde então o CNJ não julga”.

Ainda assim, Nasser acredita que o CNJ precisa se pronunciar, ou, do contrário, passará uma mensagem negativa à magistratura do país. O descumprimento impune do código que rege o exercício da profissão reforça o sentimento de que membros do Judiciário têm se comportado como atores políticos.

“A questão da representação sobre o que aconteceu domingo transcende o presidente Lula. Tudo isso revela um comportamento muito complicado de segmentos do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal, que têm utilizado de suas funções públicas para fazer política”.

Brasil de Fato entrou em contato com a Justiça Federal de Curitiba, mas não recebeu resposta aos questionamentos apontados pela representação ao CNJ. “O juiz federal Sergio Moro está de férias, mas não pretende comentar o assunto”, disse, por e-mail, a assessoria de imprensa.

Edição: Diego Sartorato

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