‘O Direito vem sendo substituído por juízos políticos dos julgadores’

 

 

Após suspender o julgamento de um pedido de liberdade de Lula, marcado para esta terça-feira 26, Edson Fachin não reconsiderou a decisão, como solicitou a defesa do ex-presidente. Em resposta a um novo recurso do petista, o ministro, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, remeteu o caso para a análise do plenário da Corte.

Com a decisão de Fachin, que deu um prazo de 15 dias para a Procuradoria-Geral da República se manifestar, o julgamento do pedido de Lula deve ficar para agosto. Em julho, a Corte entra em recesso. Após a retomada das atividades, caberá à ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, incluir (ou não) o caso na pauta do plenário.

A suspensão do julgamento do recurso pela Segunda Turma do STF ocorreu menos de uma hora após a vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, desembargadora Fátima Labarrère, admitir a subida de um recurso especial de Lula ao Superior Tribunal de Justiça, mas negar admissibilidade do recurso ao STF.

Em manifesto, um grupo de 250 juristas e advogados qualificaram a decisão de Fachin como uma “manobra regimental”, que posterga uma decisão sobre a liberdade e as garantias fundamentais não apenas do ex-presidente, mas também de “milhares de encarcerados no Brasil”.

Em entrevista a CartaCapital, o advogado Lenio Luiz Streck, professor de Direito Constitucional da Unisinos e pós-doutor pela Universidade de Lisboa, um dos signatários do manifesto, afirma que o fato de o TRF da 4ª Região não conceder juízo de admissibilidade do recurso não impedia a análise do pedido de Lula. Além disso, segundo o especialista, caberia à Segunda Turma do STF julgar o caso, e não o plenário da Corte.

Procurador de Justiça aposentado do Rio Grande do Sul, Streck lamenta, ainda, a recusa da presidente do Supremo, Cármen Lúcia, em colocar em pauta três Ações Declaratórias de Constitucionalidade sobre a execução da pena após condenação em segunda instância. “O problema no Brasil é que prevaleceu a tese de que o Direito é o que os tribunais dizem que é”, lamenta. “Logo, o Direito vale menos do que aquilo dito pelo Judiciário. Por isso, afirmo que, hoje, defender a legalidade no Brasil é um ato revolucionário”.

Por que a decisão do ministro Fachin, de adiar o julgamento do recurso do ex-presidente Lula, representa uma “manobra regimental”?

Lenio Streck: O fato de o TRF da 4ª Região não conceder juízo de admissibilidade ao Recurso Extraordinário não impede que o pedido de Lula pudesse ser apreciado. Tanto é verdade que ele mesmo, o ministro Fachin, voltou atrás e, agora, manda o pedido de Lula ao plenário do STF.

 

Ainda assim, não se resolve o problema, uma vez que a Segunda Turma é competente para julgar o caso, e não o plenário. Fachin repete o que fizera no caso do habeas corpus pedido pelo ex-presidente. Mandou para o plenário quando não era o caso.

CC: Em que medida essas manobras de prazos e procedimentos violam direitos fundamentais do ex-presidente e podem prejudicar “milhares de encarcerados no Brasil”?
LS: Tudo está relacionado umbilicalmente com a “questão da presunção da inocência”, a depender de três Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) que estão para ser julgadas e dependem do poder discricionário da presidente do STF, ministra Cármen Lúcia. Tivesse o STF julgado, no mínimo, a ADC 54, estaria claro que a prisão em segunda instância não é automática. Simples assim. Só há dois votos pela automaticidade, dos ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Fux. Logo, todas as prisões automáticas de réus condenados em segundo grau, entre eles Lula, são ilegais e inconstitucionais.

CC: Há tempos, o ministro Marco Aurélio Mello se queixa da atuação da presidente do STF, que se nega a pautar ações que discutem a constitucionalidade da execução da pena antes do trânsito em julgado. Em entrevistas recentes, disse que a prisão de Lula é ilegal, além de criticar a recusa da colega em pautar o tema. Como o senhor avalia o imbróglio?


LS: O poder discricionário que detém a ministra Cármen Lúcia é inconstitucional. O Regimento Interno da Corte fere a Constituição. Em nenhum lugar do mundo, o presidente da Suprema Corte detém esse poder de colocar em pauta um processo. Ora, uma Ação Declaratória de Constitucionalidade é, em si mesma, um preceito fundamental. Logo, ao não colocar em pauta essa ADC, bem como as outras demais, a Presidência do STF viola um preceito fundamental.

Cabe uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental contra a omissão dela. O ministro Marco Aurélio diz que a prisão de Lula é ilegal porque, no julgamento do habeas corpus do ex-presidente, não foi julgada a questão principal que deveria anteceder o HC: as ADCs 43 e 44, que tratam da execução da pena após condenação em segunda instância (naquele momento ainda não havia a ADC 54).

CC: Na avaliação do senhor, o Judiciário tem se movido por interesses políticos nos casos que envolvem réus da Lava Jato?
LS: O Judiciário brasileiro tem se notabilizado por seu protagonismo. E, nesse ponto, o Direito vem sendo substituído por juízos morais e políticos dos julgadores. Com isso, a Constituição vale menos do que a opinião de um ministro ou de um juiz. Ou de um integrante do Ministério Público Federal. Há anos alerto para o fato de que, em uma democracia, o Direito deve prevalecer sobre as opiniões e apreciações subjetivistas.

Chegamos ao ponto em que o ministro Barroso defende que, entre a voz das ruas e a voz da Constituição, o STF deve ficar com a voz das ruas. Diz também que o STF deve ser a vanguarda iluminista do País. Isso é inusitado. Os maiores constitucionalistas do mundo discordam dessa tese. O problema no Brasil é que prevaleceu a tese de que o Direito é o que os tribunais dizem que é. Logo, o Direito vale menos do que aquilo dito pelo Judiciário. Por isso, afirmo que, hoje, defender a legalidade no Brasil é um ato revolucionário.

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