*Mabel Dias
As mulheres da Paraíba disseram não ao discurso de ódio e preconceito do apresentador José Siqueira Junior, mais conhecido como Sikera Junior, contratado pelo Sistema Arapuan de Comunicação para apresentar o programa policialesco Cidade em Ação na TV Arapuan, afiliada à Rede TV.
Na semana passa o apresentador fez comentários preconceituosos de cunho racista e machista em relação a jovem negra Raiane Lins, que estava detida em uma delegacia de João Pessoa, chamando-a de “sebosa” e “vagabunda”, porque, segundo apontou Sikera, a mesma não estava com as unhas pintadas.
Logo após a exibição, a jornalista e rapper feminista Kalyne Lima postou em sua rede social um texto em repúdio à atitude discriminatória do apresentador e sobre a prática da emissora em exibir este tipo de programa em sua grade.
A jornalista apenas exigiu respeito e ética em relação à produção televisiva, mas foi atacada por Sikera de maneira preconceituosa e violenta. “Na verdade, externei minha revolta contra esse homem que envergonha, não só o gênero masculino, como também os comunicadores e comunicadoras. A repercussão que deu só reflete que esse sentimento é compartilhado por várias outras pessoas, esse homem é gordofóbico, preconceituoso, machista, misógino, dentre outras coisas”, afirmou Kalyne Lima em um de seus posts.
Os episódios motivaram o Movimento Feminista da Paraíba, que na sexta-feira 8 organizou uma ação em frente a TV Arapuan, em João Pessoa, para denunciar as agressões proferidas contra as mulheres paraibanas pelo apresentador Sikera Junior.
Enquanto a manifestação acontecia, uma comissão do movimento foi recebida pelos diretores da emissora Daniel Nobre (Comercial), Cláudio Costa (Operações) e Adriana Bezerra (Jornalismo), que apresentou as medidas que devem ser tomadas para coibir as violações aos direitos humanos pela empresa em sua programação.
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No documento assinado por todos os presentes, ficou acordado que o apresentador Sikera Junior vai se retratar publicamente até o dia 2 de julho no programa Cidade em Ação, assim como a emissora. Além disso, a empresa de comunicação se comprometeu em disponibilizar espaços no rádio e TV para debater sobre temas como liberdade de expressão e discurso de ódio, direitos das mulheres e a responsabilização da emissora enquanto concessão pública.
“Estamos atentas em relação a este acordo firmado pela empresa com o movimento de mulheres da Paraíba, mas também não podemos aceitar este tipo de programa que ataca diretamente os direitos humanos das mulheres, da população negra, dos indígenas, da população LGBTI, das pessoas privadas de liberdade, enfim, existem leis no Brasil e elas precisam ser cumpridas. As TVs são concessões públicas e devem cumprir regras na legislação brasileira”, afirmou Joana Darc da Silva, da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB).
No sábado 9 jornalistas, movimentos sociais, a OAB-PB e o Fórum Interinstitucional pelo Direito à Comunicação (FINDAC) estiveram reunidos no Sindicato dos Jornalistas da Paraíba, em João Pessoa, para articular estratégias de enfrentamento aos discursos de ódio e de preconceito presentes nos programas policialescos da Paraíba. Entre as atividades iniciais pensadas, estão a retomada das deliberações da Conferência Estadual de Comunicação e o ajuizamento de uma ação no Ministério Público Federal.
A manifestação em frente à emissora contou com a participação de diversas entidades feministas, representantes da Comissão de Combate à Violência e Impunidade Contra a Mulher da Ordem dos Advogados do Brasil – secção Paraíba, do Departamento da Mulher e Diversidade Humana do Sindicato dos Jornalistas da Paraíba, Secretaria Estadual das Mulheres do PSB-PB, do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Intervozes, Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Programa de Pós-Graduação em Cidadania e Políticas Públicas e o Departamento de Jornalismo da UFPB, Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Ação Sobre Mulher e as Relações de Sexo e Gênero da UFPB, mandatos da deputada estadual Estela Bezerra e da vereadora Sandra Marrocos, ambas do PSB, além de Setoriais de Mulheres do PT, PSOL e PMN.
“A OAB é a casa da cidadania e dos direitos humanos e precisa trabalhar de forma coletiva e difusa, ou seja, precisamos coibir que os meios de comunicação venham a ferir os direitos humanos e a dignidade das pessoas. Não se pode permitir que formadores de opinião incitem apologias à crimes, como ódio, machismo que mata, racismo e demais preconceitos que não cabem mais nos dias de hoje. Precisamos entender que toda ação existe uma reação, então, toda violência terá que ser punida. Estão violentando a sociedade, as mulheres que lutam em seu dia a dia, buscando melhoras para si e para os seus. Não podem retirar seu direito de escolha, seu direito de ser cidadã, de ser mulher.”, ressaltou a coordenadora da Comissão de Combate à Violência e Impunidade Contra a Mulher da OAB-PB, a advogada Katiele Marques.
Reincidência
São recorrentes as denúncias de violação aos Direitos Humanos e à legislação brasileira contra programas policialescos. No dia 25 de abril, o programa Cidade em Ação exibiu uma reportagem em que o entrevistador conhecido por “Águia”, fazia perguntas de foro íntimo a uma senhora sobre a sua vida particular e a de seu marido.
Entre as perguntas feitas pelo “Águia”, estava por que a mulher não usou camisinha durante o ato sexual para evitar ter filhos. Nas imagens veiculadas pela emissora, notava-se o constrangimento que a senhora estava sentindo ao ter sua vida particular exibida para todo o Estado, sem direito a defesa.
Em 2015, a Rede Andi, em parceria com o Intervozes, monitorou 28 programas policialescos durante 1 mês e revelou a ocorrência de 4,5 mil violações de direitos e 15.761 infrações a leis brasileiras e a acordos multilaterais internacionais ratificados pelo Brasil.
As violações mais comuns identificadas foram: desrespeito à presunção de inocência; incitação ao crime, à violência e à desobediência às leis ou às decisões judiciais; exposição indevida de pessoas e famílias; discurso de ódio e preconceito; identificação de adolescentes em conflito com a lei e violação do direito ao silêncio, tortura psicológica e tratamento degradante.
A postura de Sikera Junior não é nova. Quando trabalhava na emissora TV Alagoas, em Maceió, afiliada do SBT, adotava o mesmo discurso. As reportagens tiveram repercussão em site de notícias na época. A apresentadora Mara Maravilha também foi agredida com insinuações machistas por Sikera Junior.
*Mabel Dias, é jornalista, associada ao Intervozes e coordenadora adjunta do Fórum Interinstitucional pelo Direito à Comunicação (PB)