“O hemisfério sul em todo esse desenvolvimento foi fortemente oprimido nas esferas social, política e econômica, pelo imperialismo”

Um grupo de pesquisa idealizado e levado adiante por movimentos populares de África, Ásia e América Latina, esse é o Instituto Tricontinental. Entrevistamos o André Cardoso, o representante do grupo no escritório do Brasil para compreender o papel que o Instituto promove.
Vamos ver!

André, nos conte um pouco qual o objetivo do Instituto Tricontinental no que diz respeito a interação de realidades entre as três regiões em que vocês atuam (Africa, Asia e América Latina)?

O Tricontinental: Instituto de Pesquisa Social nasce do entendimento que a produção de conhecimento não é neutra na sociedade, que seu produto tem por objetivo reforçar uma realidade muitas vezes injusta e excudente, em benefício de poucos. Através dos meios de comunicação e de outras instituições privadas essa produção busca reforçar o status quo de uma classe dominante e não a ruptura dessas estruturas em benefício dos povos. A luta de classes se dá também através do conhecimento, e o Instituto vem com o objetivo de fortalecer a “batalha de ideias”, sendo um instrumento dos movimentos populares e políticos desses três continentes, junto a pesquisadores e pesquisadoras ligados a essas lutas e aspirações do povos pela libertação, produzir e divulgar seus conhecimentos.
Essa produção e disputa de ideias ultrapassa o território local, entendendo o desenvolvimento atual do sistema capitalista e sua ação desigual no mundo. O hemisfério sul em todo esse desenvolvimento foi fortemente oprimido nas esferas social, política e econômica, pelo imperialismo, a solidariedade entre os povos se dá então também nessa luta em explicar a realidade na perspectiva dos movimentos populares e políticos cientificamente.

O Instituto Tricontinental contribui com pesquisas e indicativos que podem jogar luz aos problemas sociais que cada vez mais estão presentes, a partir do diálogo entre movimentos populares e intelectuais. Como vocês produzem essas publicações e de que forma ela circula dentro do recorte que vocês propõem?

Internacionalmente temos entre nossas produções um dossiê mensal sobre algum tema conjuntural. Esse material busca trazer qual a visão dos movimentos sobre o estudado, fortalecendo os laços entre as regiões mais distantes que talvez tenham pouco contato com o que vem acontecendo. Um exemplo foi o nosso terceiro dossiê que tratava da Guerra na Síria. As organizações mais distantes, como as que se encontram na América Latina, tinham poucas informações. O que os movimentos mais próximos, ligados aos pesquisadores e pesquisadoras dessa região tem a nos dizer sobre o assunto que fosse uma alternativa aos meios convencionais de informação. Esse material não traz um encaminhamento político, pois não se propoe a isso, traz uma interpretação popular sobre o ocorrido, ouvindo os principais envolvidos, fomentando a discussão entre nós. O mesmo fizemos sobre a Península Coreana, sobre o que estava em jogo nas eleições venezuelanas e agora sobre o Lula no Brasil e a luta pela democracia.
Temos outras produções como os Documentos de Trabalho e agora estamos iniciando a publicação de Cadernos Políticos que trazem temas mais teóricos para debater na sociedade.
Contudo, cada escritório constrói junto a academia e aos movimentos sociais uma agenda prioritária de pesquisa para a região. Quais são os temas candentes que devem ser aprofundados em cada território. Esse é um dos principais eixos do Instituto, a produção de conhecimento apresente de forma científica quais são os problemas que afligem o povo e as alternativas que temos para eles.
A construção de uma rede de pesquisadores e pesquisadoras é fundamental para isso, bem como a parceria com os diversos institutos e centros de pesquisa já existentes, que possuem um acúmulo nas diversas áreas do conhecimento e que buscam soluções para os problemas sociais existentes.
Incentivar a juventude pesquisadora, que entra nas universidades do país com o anseio pela transformação e de fazer de seus estudos e pesquisas ferramentas que apontem para isso, mas que são podadas pelas instituições, como uma forma de manter essa hegemonia da “verdade”. Retomar a utopia é um das formas de que buscamos fomentar nesse processo.

Quanto a realidade vivenciada no Brasil atualmente, você enxerga esse cenário isolado do que está acontecendo nessas três regiões onde o Instituto atua, ou as semelhanças são concretas e perceptíveis?

Esse nosso trabalho conjunto tem evidenciado que o ataque a democracia vivida no Brasil e o desmonte de todas as políticas sociais construídas aqui no último período estão inseridas em uma conjuntura internacional onde os Estados Unidos tem buscado retomar sua hegemonia política e econômica no mundo. Vemos isso com a ofensiva neoliberal em toda América Latina, com a desestabilização dos países através de diversas táticas, como a guerra econômica e híbrida, incentivando grupos internos de direita. Nos países em que já possuem o domínio, como o Brasil agora pós golpe suave que vivemos, implementa sua agenda de controle, dando total liberdade para o mercado financeiro e desmontando as políticas públicas conquistadas.
Vemos sua ação também nos demais continentes, como o complexo jogo que ocorre no Oriente Médio, a Guerra da Síria, a apoio a Israel e o extermínio do povo palestino, estão ligados ao acesso e controle dos recursos naturais existentes na região e o enfraquecimento de dois grandes países que tem feito oposição a sua busca por retomada da hegemonia, a Rússia e a China.
Os desafios são enormes e entender que essas transformações que acontecem em seu território tem relação direta com o acontecimento em outras regiões do mundo são fundamentais para buscar alternativas, desde a luta social até a formulação de ideias que reforcem ainda mais essas lutas.

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