Reforma Política para sociedade civil é a que radicaliza a democracia

 

Em entrevista à Abong, membro da Plataforma dos Movimentos Sociais Pela Reforma do Sistema Políticodefende que propostas vindas do Congresso contemplem medidas como paridade entre homens e mulheres, representatividade negra, democratização dos partidos e novos  critérios de partilha do fundo partidário

 

Por Kaique Santos, da Abong

 

A Reforma Política voltou à pauta do Congresso Nacional por meio da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 36/2016. No dia 25/10, a Câmara dos Deputados instaurou uma comissão especial para discutir a proposta, que contempla mudanças nas regras eleitorais como a volta do financiamento empresarial de campanhas e outras medidas como a proibição de coligações de partidos em eleições proporcionais e a lista fechada, na qual os/as eleitores/as votam nos partidos e cada legenda define internamente quem ocupará as vagas no Parlamento.

 

A Abong entrevistou José Antônio Moroni, membro do colegiado de gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e integrante da Plataforma dos Movimentos Sociais Pela Reforma do Sistema Político para entender melhor o interesse dos/as parlamentares em uma reforma política na atual conjuntura do País e saber mais sobre o que representa a PEC 36/2016.

Moroni atua há mais de 30 anos em organizações da sociedade civil e movimentos populares, especialmente na área dos direitos humanos, questão democrática e participação popular.

Confira a seguir.

 

 

Abong – A reforma política sempre foi assunto em diversos segmentos da sociedade, principalmente nos governos anteriores, mas nunca foi colocada em prática. Por que agora ela passa a ser pauta do atual governo tão rapidamente? E o que está sendo proposto na PEC que tramita atualmente na Câmara?

 

Moroni – O tema da  reforma política, mesmo que  tratada de forma limitada – que é confundindo  reforma  política com reforma eleitoral -, tem  entrado na pauta do Parlamento em diversas ocasiões. Nunca se conseguiu aprovar  grandes mudanças, em parte por não se ter consenso sobre as propostas, por inoperância do Executivo sob a justificativa de que “isso era coisa do Parlamento” e por interesses particulares na lógica do “não vou mudar as regras em um campo que já sei como  funciona” que é a lógica de muitos/as parlamentares e partidos. A pauta sempre aparece com mais  força em momentos de  crise, principalmente com denúncias de corrupção. Aqui fica evidente a relação entre corrupção e o nosso sistema político. O que se tem de “novo” agora é que o Executivo golpista assumiu a pauta, portanto entrou no jogo. Há um campo político majoritário no Parlamento, mas não se sabe ainda se este campo tem  unidade suficiente para aprovar pontos da reforma. A proibição do financiamento empresarial para as campanhas e partidos é o elemento essencial para se tentar aprovar algo que possa  valer para as eleições de 2018.  Vão tentar aprovar o aumento do  financiamento público de campanha – não  exclusivo, podendo ter contribuições de pessoas físicas – e a votação em lista pré ordenada pelos partidos – não se votaria mais em nomes para o Parlamento e sim no partido que apresenta uma lista pré ordenada. O problema destas propostas é que se não vierem juntamente com outras, só vai reforçar ainda mais a elitização do nosso sistema político. Os espaços de poder  vão  ficar ainda mais ocupados por  homens  brancos,  proprietários, cristãos, héteros e com ausência quase total das juventudes. O financiamento público de campanha e a lista precisam vir acompanhados de outras medidas: paridade entre homens e mulheres, garantia de presença da população negra no topo das listas, democratização dos partidos – se não, as listas serão formadas pelo poder oligárquico dos partidos -, novos  critérios de partilha do fundo público para não ser uma estratégia de fortalecimento dos  grandes partidos, etc.

 

A proposta de reforma do sistema político alinhada às organizações da sociedade civil visa principalmente à radicalização da democracia. Após recente processo de impeachment de uma chefe de Estado no País, como confiar no modelo de reforma política proposto em tramitação na Câmara?

 

O problema não é nem mais confiar nas propostas e sim confiar na própria instituição Parlamento.  Temos um Parlamento que deu um  golpe, que desrespeitou a soberania popular. Do ponto de vista da legitimidade, este Parlamento é  questionado por amplos setores da sociedade. Mesmo sem este elemento, será que não precisamos  criar outra institucionalidade para fazer a reforma? Por isso o debate sobre a Constituinte exclusiva e soberana do sistema político está cada vez mais atual. Algo independente do Parlamento, com outras  regras de  escolha da representação, com mecanismos de democracia direta, etc.

 

Existe uma plataforma dos movimentos sociais que idealiza o conceito de reforma do sistema político em oposição à reforma política entendida unicamente como reforma do sistema eleitoral. É possível acreditar que a reforma vá além, atendendo propostas das organizações da sociedade civil?

 

A Plataforma está em processo de se repensar, se reorganizar e, principalmente, de se abrir para outros movimentos, coletivos e organizações. Isso numa estratégia de ampliar as forças para o debate sobre o tema. Mas, um processo mais  voltado para a sociedade e menos em relação à institucionalidade. Na institucionalidade, avaliamos que o máximo é reagir para tentar evitar retrocessos. É uma luta longa, que vai exigir novos pactos, novas estratégias, envolvimento de novos sujeitos políticos e, principalmente, a construção de novas ferramentas de luta.

 

Sobre financiamento, o PT levanta a questão de limitar as doações de indivíduos milionários, que acabaram desequilibrando as arrecadações. Como avalia a questão? Existe (e é interessante) como limitar a influência de personalidades midiáticas e/ou ligadas a igrejas?

 

É necessário  banir de  vez a possibilidade de contribuições de empresas. Havendo possibilidade de contribuição de pessoas físicas, precisa  ter um limite sim. Este limite não pode estar associado à  renda da pessoa, e  sim um limite que sirva para todos e todas. Precisamos sim pensar estratégias para limitar a influência de personalidades midiáticas, assim como a própria influência dos meios de comunicação. O mesmo  vale para as igrejas. Tem que ter  fiscalização sobre as igrejas, principalmente para não se ter o  “dízimo das eleições”. Por que isso? Porque precisamos tornar os processos eleitorais mais  horizontais, mais democráticos e, no caso das igrejas, tem a relação com o estado laico.

 

Propostas como cotas para mulheres no Congresso e voto facultativo já foram rejeitadas na Câmara. Qual o motivo?

 

São questões bem diferentes. A medida de cotas para as mulheres foi rejeitada por causa do machismo. O nosso Parlamento é de machos brancos. Para entrar mais mulheres e pessoas negras, eles vão ter que sair. Isso não  vai acontecer se não tiver muitas lutas e mobilizações, mesmo se tiver uma Assembleia Constituinte. O machismo e o racismo são pilares das desigualdades no Brasil. Os espaços de poder, ao mesmo tempo em que refletem estas desigualdades,  são estruturas que as perpetuam. São faces da mesma moeda. Sobre o voto facultativo, não se tem consenso mínimo sobre isso. Tudo depende de onde você linka o direito ao voto. É no direito individual – então eu posso usufruir se quiser – ou no direito coletivo – compromisso que tenho com a coletividade?

 

O Plebiscito Popular pela Constituinte já teve adesão de centenas de organizações e milhões de pessoas. Mesmo assim, parece não ter tido resultado, sem nenhuma ação efetiva. Como mobilizar ainda mais a sociedade civil?

 

Não só o Plebiscito, mas também o Projeto de Iniciativa Popular de Reforma Política Democrática e Eleições Limpas sofreram um processo de  retraimento com o golpe. A agenda foi canalizada na tentativa de se parar o golpe. Não conseguimos. O  que sobrou destes processos foram mobilização e formação, o que é altamente positivo. Mas, se por um lado estes processos não tiveram força política para aprovar a reforma  que desejamos, eles também não. Quiseram constitucionalizar o financiamento empresarial e não conseguiram. Quiseram o voto distrital ou o distritão – acabar com a proporcionalidade, portanto com a possibilidade de representações plurais – e não conseguiram. Não emplacamos a nossa  reforma, mas não deixamos que eles emplacassem a deles.  Neste processo, os partidos, mesmo os de esquerda, não tiveram articulações orgânicas com as campanhas. Parece que cada partido tem a sua reforma e não quer dialogar com as organizações e movimentos. Infelizmente.  Mas a conjuntura está exigindo que se mude isso. Abriu-se um leque de lutas que vão possibilitar a construção de novos  sujeitos políticos e isso é muito positivo. E é nessa onda que a reforma do sistema político  vai surfar.

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